sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Credo - Primeiro Artigo



Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra

Por São Tomás de Aquino

Entre todas as verdades nas quais os fiéis devem acreditar, em primeiro lugar devem acreditar que Deus existe.

Convém, além disso, considerar o que significa este nome – Deus. Significa precisamente Aquele que governa e cuida de todas as coisas. Acredita, por conseguinte, na existência de Deus, quem acredita que todas deste mundo são por Ele governadas, e estão subordinadas à sua Providência. Mas quem pensa que todas as coisas originam-se do acaso, não acredita de Deus.

Não há ninguém tão insensato que creia que a natureza não seja governada, que não esteja submetida a uma providência e que não tivesse sido ordenada por alguém, vendo que tudo se processa a seu tempo, com ordem. Vemos o sol, a lua e as estrelas, e muitos outros elementos sa natureza obedecerem a um determinado curso. Ora, isso não aconteceria se tudo viesse do acaso. Eis porque seria um insensato o que não acreditasse na existência de Deus. Tal asserção é confirmada pelo salmista: O insensato diz em seu coração: não há Deus (Sl 13,1).

Há alguns que acreditam que Deus governa e ordena as coisas naturais, mas não acreditam que Deus atinja, pela Sua Providência, os atos humanos. Evidentemente pensam que os atos humanos não são ordenados por Deus. Porque veêm no mundo os bons sofrerem e os maus prosperarem, concluem que a Providência Divina não atinge os homens. Por eles falou Jó: Deus anda pelos caminhos do céu, mas não cuida de nós (22,14) .

Afirmar tal coisa é grande insensatez. Acontece com os que assim pensam, o que acontece àqueles que vendo o médico bom conhecedor de medicina dar a um doente água e a outro, vinho, julgassem, no seu deconhecimento da medicina, que o médico estava curando por acaso, e não por motivo ponderado. Deus também age como o médico. Por motivo justo e pela sua Providência dispõe Ele as coisas necessárias para os homens, quando aflige alguns bons e permite que alguns maus prosperem.

Quem acreditasse que isso fosse obra do acaso, evidentemente seria um insensato, como de fato o é. Assim, pensa, porque desconhece a maneira de Deus agir e a razão pela qual dispõe as coisas. Lê-se também em Jó: Oxalá Ele te revele os segredos da sua sabedoria e a multiplicidade dos seus planos(11,6).

Por conseguinte, deve-se crer firmemente que Deus governa e ordena as coisas naturais e também os atos humanos. Lê-se no Livro dos Salmos: Disseram os maus: Deus não vê. O Deus de Jacó não percebe as coisas. Compreendei agora, é néscios! Ó estultos, até quando sereis insensatos? Aquele que nos deu as orelhas, não ouve? Aquele que nos pôs os olhos, não vê? O Senhor conhece os pensamentos dos homens(93,7 -10).

Deus vê todas as coisas, os pensamentos e os segredos das vontades dos homens. Já que tudo o que pensam e fazem está patente aos olhos de Deus, os homens, de modo muito especial, são obrigados a praticar o bem. Escreve São Paulo aos Hebreus: Tudo está nú e descoberto aos seus olhos(4,13).

Deve-se acreditar que este Deus, que dispõe todas as coisas e as rege, é um só Deus. A razão por que devemos acreditar nessa verdade é a seguinte: o governo das coisas humanas é um bom governo, quando um só as dispõe e as governa. Uma multiplicidadede dirigentes constantemente provoca dissensões entre os súditos. Ora, como o governo divino é superior ao humano, torna-se claro que o governo do mundo não pode ser feito por muitos deuses, mas por um só.

Os homens são levados ao politeísmo por quatro motivos.

O primeiro, é a fraqueza da inteligência humana.

Há homens, cuja fraqueza de inteligência não lhes permitiu ir além das coisas corpóreas, e, por isso, não acreditaram na existência de alguma natureza superior aos seres corpóreos. Pensaram então que, entre aqueles seres corpóreos, os mais belos e mais dignos deveriam presidir e dirigir o mundo, e prestaram a eles um culto divino. Consideraram, como sendo os corpos mais sublimes, os astros do céu: o sol, a lua e as estrelas.

Acontece com eles o que aconteceu com aquele homem que, desejando ver o rei, foi à corte, e confundiu com o rei o primeiro que encontrou bem vestido, ou exercendo alguma função de ministro. Refere-se a esses o Livro da Sabedoria: consideraram o céu, a lua e as estrelas, como deuses que governam o universo (13,2). Lê-se também no Livro do Profeta Isaías: Levantai bem alto os olhos, e vede a terra por baixo. Os céus evaporar-se-ão como a fumaça, a terra envelhecerá como as vestes e os seus habitantes perecerão como ela. Mas a minha salvação será eterna, e a minha justiça não terá fim (51.6).

O segundo motivo, é a adulação dos homens.

Muitos desejando adular os reis e os senhores, tributaram-lhes a honra devida a Deus. Obedeceram e se submeteram a eles. Houve quem os endeusasse após a morte, e houve os que os endeusaram também em vida. Lê-se na Escritura: Todos saibam que Nabucodonosor é deus da terra, e além dele outro deus não há (Dt 5,29).

O terceiro motivo provém da afeição carnal para os filhos e parentes.

Alguns, levados por excessivo amor pelos parentes, levantaram-lhes estátuas após a morte, e, assim, foram conduzidos a prestar culto divino àquelas estátuas. É a eles que se refere a Escritura: Deram os homens às pedras e à madeira um nome incomunicável, porque submeteram-se demais à afeição aos reis (Sab 14,21).

A quarta razão, pela qual os homens são levados a acreditar na existência de muitos deuses, é a malícia do diabo.

Este, desde o início, quis ser igual a Deus: Colocarei meu trono no Aquilão, subirei aos céus e serei semelhante ao Altíssimo (Is 14,13). Até hoje ele não revogou essa vontade. Por isso esforça-se o mais possível para que os homens o adorem e lhe ofereçam sacrifícios. Não lhe satisfaz o ofertório de um cão ou de um gato, mas deleita-se quando lhe é prestado o culto· devido a Deus.

Disse o demônio a Cristo: Dar-te-ei tudo isto se de joelhos me adorares (Mt 4,9). Para que fossem adorados como deuses, os demônios entraram nos ídolos e por meio destes davam respostas. Lê-se na Escritura: Todos os deuses dos povos são demônios (Sl, 95,5); Quando os gentios oferecem sacrifícios, fazem-no aos demônios, não a Deus (1 Cor 10,20).

É muitíssimo desagradável a consideração dessas quatro causas do politeísmo, mas representam realmente as razões pelas quais os homens acreditam na existência de muitos deuses. Muitas vezes eles não manifestam pelas palavras ou pelo coração que acreditam em muitos deuses, mas pelos atos. Aqueles que acreditam que os astros podem modificar a vontade dos homens, que para agir esperam certas épocas, naturalmente consideram os astros como deuses que dominam os outros seres e fazem prodígios.

Por isso somos advertidos pela Escritura: Não temei os sinais dos astros que os gentios temem, porque as suas leis são vãs (Jer 10,2). Também aqueles que obedecem aos reis, ou a quem não devem obedecer, mais que a Deus, constituem a essas pessoas como os seus deuses. Adverte-nos também a Escritura: Convém mais obedecer a Deus que aos homens (At 5,29).

Assim também os que amam os filhos e os parentes mais que a Deus, revelam pelos atos que acreditam em muitos deuses. Ou mesmo aqueles que amam mais os alimentos que a Deus, aos quais se refere S. Paulo com estas palavras: Dos quais o ventre é deus (Fi! 3,19). Os que praticam a feitiçaria e se entregam aos sortilégios acreditam nos demônios como se eles fossem deuses, porque pedem aos demônios o que só se pode pedir a Deus, como sejam revelações e conhecimentos de coisas secretas ou futuras. Como tudo isso é falso, devemos, acima de tudo, acreditar que há um só Deus.

Como dissemos, deve-se primeiramente acreditar que há um só Deus. Em segundo lugar, deve-se acreditar que este Deus é criador, que fez o céu e a terra, as coisas visíveis e invisíveis.

Deixemos, por ora, de lado, os argumentos sutis e, por meio de um exemplo bem simples, esclareçamos como todas as coisas foram criadas e feitas por Deus: Se alguém indo a uma casa e desde a porta fosse sentindo calor e cada vez que mais nela penetrasse mais calor sentisse, evidentemente perceberia que havia fogo no seu interior, mesmo que não estivesse vendo o fogo. Acontece o mesmo conosco ao considerarmos as coisas deste mundo. Todas as coisas estão ordenadas conforme diversos graus de beleza e de nobreza, e quanto mais estão próximas de Deus, tanto melhores e mais belas são. Ora, os astros são mais nobres e mais belos que os corpos inferiores; as coisas invisíveis, que as visíveis. Deves então acreditar que todas as coisas têm a origem num só Deus, que lhes dá a existência e a perfeição.

Lê-se na Sagrada Escritura: São insensatos todos os homens que não conhecem a Deus, e que pelas coisas que viam, não compreenderam Aquele que existe, nem vendo as obras, não conheceram o artista (Sab 43,1). Lê-se no mesmo contexto: Pela beleza e grandeza da criatura se pode conhecer e contemplar seu criador(43,5).Devemos, portanto, ter por certo que todas as coisas foram criadas por Deus.

Com relação a isso, três erros devem ser evitados

O primeiro, é o erro dos Maniqueus .

Para eles, as coisas visíveis foram criadas pelo diabo, e só as invisíveis, por Deus.

Fundamentam o seu erro numa verdade, que Deus é o sumo bem e tudo o que por ele é feito, por ser bom, deve ser bom também; mas não distinguindo o bem do mal, creram eles que tudo o que de certo modo tivesse algo de mal, seria totalmente mal. Dizem que o fogo é totalmente mal, porque queima; que a água é má, porque afoga; e, assim, das outras coisas que produzem um efeito mau. Ora, como nenhuma das coisas sensÍveis é simplesmente boa, mas de certo modo má e deficiente, concluÍram que todas as coisas visíveis não foram feitas por Deus que é bom, mas sim por um ser mau.

Para refutá-los Santo Agostinho apresentou o seguinte exemplo: se alguém entrasse na casa de um operário e aí encontrasse uma ferramenta que o ferisse, e, por esse motivo, concluísse que operário era mau, porque usa tais ferramentas, seria um tolo, porque ele as usa tão somente para o trabalho. Eis porque é tolice dizer que as criaturas são totalmente más, porque em algum aspecto são nocivas. Podem elas ser nocivas para uns, mas úteis, para outros. Esse erro vai contra a fé da Igreja, pois recitamos no Credo: Criador das coisas visíveis e invisíveis. Fundamenta-se essa verdade na Escritura: No princípio Deus criou o céu e a terra (Gên 1,1). Todas as coisas foram feitas por Ele (Jo 1,3)).

O Segundo erro que deve ser evitado é o dos que afirmam que o mundo é eterno.

Coloca São Pedro na boca dos que assim falam, estas palavras: Desde que nossos pais morreram, tudo permanece como depois do começo da criação (2 Ped. 3,4). Foram levados a essa convicção porque não souberam considerar bem o início do mundo.

O Rabi Moisés comparou-os a uma criança que desde o nascimento fora levada para uma ilha onde nunca pôde ver uma mulher grávida, nem o nascimento de um homem. Se quando crescesse lhe fosse dito como um homem é concebido, como é carregado por nove meses no seio materno e como nasce, não acreditaria no que estava, porque lhe pareceria ser impossível um homem ser gerado no seio materno. Do mesmo modo comportam-se os que pensam que o mundo é eterno, porque não lhe viram o começo. Quem pensa assim está também em oposição à fé da Igreja, pois recitamos no Credo a verdade: Creio em Deus ... que fez o céu e a terra. Ora, se as coisas foram feitas, é claro que não poderiam ter sempre existido. Lê-se na Escritura: Deus disse, e as coisas feitas (SI 148,5).

O Terceiro erro a respeito da origem do mundo é seguido por aqueles que afirmam ter sido o mundo feito de uma matéria preexistente.

Chegaram a esse erro, porque quiseram medir o de Deus pelo nosso. Como o homem nada pode fazer uma matéria preexistente, assim também Deus para produzir as coisas teria usado de uma matéria que já existia. Isso é verdadeiro. O homem nada pode fazer sem uma matéria pré existente, porque a sua capacidade de operação é limitada,e, assim, só pode dar forma a uma matéria que já exista. O seu poder está limitado para operar só para esta forma, e, por isso, pode ser causa senão dela.

Deus, porém, é a causa universal de todas as coisas, e não só cria a forma, mas também a matéria. Por isso fez todas as do nada. Recitamos no Credo essa verdade: criador do céu e da terra. Há diferença entre criar e fazer: criar, é tirar alguma coisa do nada e fazer, é produzir uma coisa de outra coisa. Se Deus criou as coisas do nada, deve-se também acreditar ele pode refazê-Ias todas, se elas forem destruídas. Pode ista a um cego, ressuscitar um morto e fazer outros milagres. Diz a Escritura: O poder está a Vós submetido, quando quereis (Sab 12,18).

Das verdades acima enunciadas podemos tirar cinco conclusões práticas:

Em primeiro lugar, como devemos considerar a divina majestade

Se o artista é superior às obras, Deus, sendo o artista criador de todas as coisas, evidentemente é superior a tudo o que existe. Diz a Escritura: Se os homens atraídos pela beleza dos seres consideraram-nos deuses, saibam em quanto o Senhor deles é mais belo que eles ... ; ou se ficaram admirados pelo poder dos seres e pelas obras que produzem, compreendam como aquele que os fez é mais poderoso (Sab 13,34). Por isso tudo, o que podemos compreender ou pensar de Deus é inferior a Ele! Diz a Escritura: Eis o Deus grandioso que está acima de nossa ciência (Job 36,26).

Em segundo lugar, devemos dar graças a Deus.

Porque Deus é o criador de todas as coisas, tudo o que somos e tudo o que temos, nos vem de Deus. Diz o Apóstolo: O que tens, que não recebeste? (1 Cor 4,7). Lê-se no Saltério: Do Senhor é a terra e tudo o que a enche; o mundo e todos os seus habitantes. (SI 23,1). Por isso devemos sempre render graças a Deus: Que retribuirei ao Senhor, por tudo o que Ele me deu? (SI 115,12).

Em terceiro lugar, devemos suportar as adversidades com paciência.

Pois se todas as criaturas vêm de Deus, e por isso são boas por natureza, mesmo se em alguma coisa nos prejudicam se nos trazem penas, devemos acreditar que essas penas foram enviadas por Deus.

A culpa nossa, porém, não pode vir de Deus, porque nenhum mal pode vir de Deus, a não ser que ele seja dirigido para um bem. Ora, se toda pena que nos vem é enviada por Deus, devemos pacientemente suportá-Ia. As penas nos purificam dos pecados, humilham os réus, desafiam os bons para o amor de Deus. Lê-se no livro de Jó: Se recebo os bens das mãos de Deus, porque não recebo também os males? (Job 2,10).

Em quarto lugar, devemos usar bem das coisas criadas.

As coisas devem ser usadas conforme as finalidades que lhes foram dadas por Deus. As coisas foram criadas para dois fins: para a glória de Deus, porque todas as coisas para Si mesmo Deus as fez (Prov 16,4), e para nossa utilidade, porque Deus fez todas as coisas para servirem aos povos (Dt 4,19).

Devemos usar de todas as coisas para a glória de Deus, e muito Lhe agradaremos com isso, mas também, para nossa utilidade, evitando sempre o pecado. Diz a Escritura: De vós são todas as coisas e o que recebemos das vossas mãos, vos damos (1 Par 29,14). O que quer que possuas, seja a ciência, seja a beleza, tudo deves usar e dirigir para a glória de Deus.

Em quinto lugar, porque fomos criados por Deus, devemos reconhecer a nossa dignidade.

Deus fez todas as coisas para o homem, como se lê na Escritura: Todas as coisas submetestes aos seus pés (SI 8.8). O homem, depois dos anjos, é a criatura que mais se assemelha a Deus, como se lê no livro do Gênesis: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança (1,16). Não se referiu Deus neste texto nem às estrelas, nem aos céus, mas ao homem. Não é, porém, pelo corpo, mas pela alma, que possui vontade livre e é incorruptível, que o homem mais se assemelha a Deus que às outras criaturas.

Devemos, pois, considerar que o homem é, depois dos Anjos, a mais digna de todas as outras criaturas, e, por conseguinte, de maneira nenhuma queiramos diminuir essa nossa dignidade pelo pecado ou por algum desejo desordenado de coisas corpóreas, pois elas são inferiores a nós e foram feitas para nos servir. Que nos comportemos de acordo com os desígnios de Deus ao nos criar. Deus fez o homem para governar tudo o que há na terra, mas para que o homem ficasse submetido a Ele. Devemos, por isso, dominar e governar o mundo, mas nos submetendo a Deus, a Ele obedecendo e servindo. Por esse caminho certamente chegaremos à união com Deus.

Assim seja.

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