quinta-feira, 26 de maio de 2011

A Lição de São Lourenço.


Por Padre Léo Trese.

A padagogia avançou muito desde os tempos da minha infância. Hoje os alunos da 8ª série treinam uma apresentação em público. Joey está de pé e conta a vida de São Lourenço, enquanto os outros esperam a sua vez para poderem completar certos pormenores que Joey esquecerá. Mas há uma coisa que ele não esquece: "Virem-me para o outro lado- Joey cita São Lourenço - virem-me para o outro lado porque acho que deste já estou bem assado".

Os pequenos sabem apreciar o humor do santo na grelha, e há um riso geral meio reprimido, enquanto olham para mim para ver se eu também acho graça. Sorrio de volta, enquanto desejaria ter, como São Lourenço, o dom de não me dar importância a mim mesmo. Aqui está - digo de mim para mim - um bom padroeiro para os momentos de desalento. Desalento significa que me estou tomando muito a sério, sempre com a idéia de que devo ser eu sozinho a salvar o mundo...

Um paroquiano veio dizer-me que um casal de vizinhos recentes não está casado na Igreja. Não poderia eu ir visitá-los? Escrevo o nome e endereço num bloco de notas onde já estão apontados outros seis casos semelhantes de que cuidarei discretamente. Suspiro e volto ao trabalho, que naquele momento consiste em esboçar um talão de rifa para a nossa próxima excursão. "Foi para isto que me ordenei?", pergunto-me a mim mesmo.

Passo cinquenta por cento das minhas horas de trabalho no meu escritório, tratando de conseguir dinheiro, pagando duplicatas, atendendo vendedores, escrevendo cartas, acompanhando uma ou outra obra, fazendo cópias de circulares ou preenchendo impressos. Nove décimos deste trabalho podia ser feito por um leigo, ao passo que eu estou rodeado por todos os lados de almas que salvar. Ernie Stein, por exemplo. Li no jornal da tarde de ontem que ele se casou no domingo na Igreja batista. Faz precisamente ano e meio que o batizei; era um convertido que prometia muito. Pouco depois deixou a noiva católica. Se eu o tivesse acompanhado um pouco, se tivesse mantido algum contato com ele, talvez...

É justamente neste momento que São Lourenço intervém: "Ouça, meu agitado amigo", diz-me ele, "eu sou apenas um diácono, mas deixe-me dizer-lhe algumas coisas. Tudo o que você faz tem que ser feito. Talvez um leigo também o pudesse fazer, mas, neste momento, se você não o fizesse, ninguém o faria. Esses trabalhos burocráticos de que você se lamenta fazem parte de sua tarefa , se forem sublimados e fecundados na sua oração da manhã por um oferecimento espiritual. Reconheça em Deus um pouco de senso comum . Ele sabe o tempo de que você dispõe e traçou os seus planos tendo isso em conta. Em última análise, dois grãozinhos da sua graça valem mais do que nove litros do seu amor. Você acredita nisso não acredita?"

"Lembre-se - diz-me de que Deus está metido nesse assunto da salvação das almas há muito mais tempo do que você. Ele não cochila nem mesmo quando você acha que está perdendo o tempo projetando um filme para a Confraria do Santo Nome. O seu mal, padre - São Lourenço aponta o dedo para mim - o seu mal é que você não está interessado na salvação das almas como em ve-las salvar-se; o que você quer é conseguir inscreve-las uma após outra na coluna das pessoas definitivamente salvas. Eu não posso revelar nenhum segredo, mas algum dia você se surpreenderá ao saber quantos protestantes meteu no céu com as suas orações, ainda que não tenha conseguido incluí-los no seu relatório anual. Não pense que se pode encerrar a Deus nas estatísticas do Anuário Católico".

O meu visitante cala-se, mas por pouco tempo: "veja o caso do padre Harrumph: achava que eram demasiadas as suas responsabilidades e entregou-se a bebida. E que bem é o que faz agora, encerrado numa casa de saúde? Repare no padre Hustle, um cardíaco crônico e no padre Hurry * ( que significa pressa), que arranjou uma fiada de úlceras, achavam que o mundo se afundaria se eles não o carregasse pessoalmente as costas".

"Um momento por favor - Lourenço levanta a mão para que não o interrrompa com alguma objeção - não me fale de santos que se mataram de trabalhar pelo bem das almas. Quando você for santo, não terei inconveniente em vir cá em baixo discutir isso contigo. Logo que você comece a passar uma noite inteira em oração diante do Sacrário...A propósito - São Lourenço interrompe-se a si mesmo - já alguma vez pensou como o seu tempo seria frutífero se o empregasse mais em orar e menos em andar ronroneando em torno de si próprio?
Experimente. Seria caso para você se preocupar se um jogo de golfe chegasse a significar mais para você do que a instrução de um converso, ou uma noite de "poker" mais do que a sua saúde".

" Bem - São Lourenço retira o pé da cadeira enquanto sorri com ar brincalhão - fui demasiado sério para quem tem fama de humorista. Mas não se esqueça de que o marechal Foch disse um dia aos seus aduladores; " Senhores, o mesmo que eu fiz podia ter sido feito por Deus com o cabo partido de uma vassoura ". Há muito mais sacerdotes atormentados do que preguiçosos, e eu não sei se os atormentados não desonrarão mais a Deus do que os preguiçosos..."

Um ansioso estalar de dedos devolve-me à realidade. Joey terminou a sua exposição.

Enquanto clareio a voz e saio do meu sonho, tomo uma rápida decisão: da próxima vez em que a minha agenda estiver repleta de compromissos e o dia me parecer muito curto, em lugar de tomar bicarbonato de sódio, direi apenas:

"São Lourenço, Rogai por mim".

Fonte: Livro Vaso de Argila

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