quinta-feira, 2 de junho de 2011

Fé Divina Sobrenatural


Pelo Batismo, morremos com Cristo para com Ele renascer para uma vida nova - Vida de filhos de Deus. Além da Graça exuberante que ganhamos para nos transformar neste filho com direito ao Céu, nosso Pai nos dá neste momento, as virtudes teologais, que nos acompanharão nesta vida até um dia quando O veremos - se Deus quiser - face a face.

Este estudo é retirado do livro: As Maravilhas da Graça Divina de M. J. Scheeben - Editora Quadrante
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A fé é a primeira das tres virtudes teologais. Refere-se à nossa inteligência, que ilumina e fortifica de um modo sobrenatural, habilitando-a a participar do conhecimento de Deus, porquanto nos inteiramos, por ela, de mistérios ocultos a toda inteligência criada, acessíveis somente a Deus. Nossa alma recebe, com ela, o olho do proprio Deus, entrando assim na participaçao do conhecimento de Deus.

Com efeito, quando, pela graça, nos tornamos partipantes da natureza divina, devemos igualmente participar do conhecimento próprio a esta natureza. Devemos, na frase do Apostolo, 'conhecer a Deus, como somos conhecidos por Ele.' Isto se dará de modo completo, quando houver a graça atingido em nos seu estado perfeito, na luz da glória; entao no seio do Pai, junto de seu Primogênito, ve-Lo-emos na sua luz, tal qual é, face a face. Entretanto, ainda neste desterro se preocupa Deus com seus filhos. Devem desde agora conhece-Lo assim como a própria dignidade e herança.

E como ninguém conhece o Pai, senão Ele próprio e Seu Filho com o Espirito Santo, importa se nos manifeste Deus por sua própria Palavra; não nos permitindo, porém, nossa natureza apreender e compreender esta palavra de um modo digno dela, deve Deus habilitar-nos para isto, comunicando-nos uma força e uma luz sobrenaturais.

Realmente grande e maravilhosa é a fé divina; e se o mundo não lhe dá importancia é porque, como diz S. Ambrosio," o coração pequenino dos ímpios não pode conter a grandeza da fé". Crê o mundo ser a fé boa apenas para as crianças e os simples e assim considera como sinal de pequenez e fraqueza mental, quando, ao contrário -, nos assegura S. Leão "ser a fé força vital das grandes almas". Somente a credulidade humana, que nos leva a dar crédito, sem motivo razoável nem prova seria, a homens capazes de enganar e de se enganar, é um sinal de pequenez e imbecilidade. A fé divina, ao contrario, é o ato mais belo e mais digno do homem racional e sensato, visto ela unir e submeter sua inteligencia a infalivel e suprema inteligencia, manifestada mediante sinais claros e seguros.

Aqui se evidenciam a pequenez e estreiteza humanas, ja que toda a força e sabedoria do homem, e mesrno do anjo; são incapazes, por si, de realizar um ato de fé, tal qual Deus no-lo exige. Não pode o espírito criado fazer coisa melhor, em sua mais alta perfeição humana, do que submeter-se com profundo respeito a palavra de Deus a ele revelada. Este respeito deve superar em profundidade ao do servo, que escuta com obediência, sem reservas, a paIavra do Senhor e a ela conforma seu juizo

É o homem incapaz de elevar-se, em atrevido voo, até Deus, para unir, mediante a fé, seu juizo ao de Deus, de modo que seu conhecimento adote as propriedades do conhecimento divino e participe de sua grandeza e infalibilidade. Só o habilita para semelhante empresa a força da graça divina. Sómente ela pode proporcionar-lhe o impulso que lhe permita elevar-se acima de sua condicao natural e subir ate Deus, para escutar, em si proprio, sua palavra, beber imediatamente do sol divino a luz da verdade, apoiar-se sobre Deus como um solido rochedo e nele encontrar a certeza e a seguranca imutavel e infalivel.

Diz o Salvador " que ninguem pode vir a Ele, se não for trazldo por seu Pai" o que se da por esta atraçao sobrenatural que nos transporta para alem dos limites da natureza, até ao seio do Pai, junto de seu Unigenito Filho.

O ato de fé excede, pois, infinitamente a todo o poder natural: é um ato absolutamente sobrenatural,(S. Th. II-II,q.6,a.1) por isto mesmo, o dom da fé, que nos torna possivel este ato, é algo grande e maravilhoso. Quem o possui nao sabe mais o que é ser fraco, pois se robustece sumamente e, deixando de lado a estreiteza de seu espirito, se sente dotado de um poder de compreensão, por assim dizer, infinito.

Só os crentes constituem os espiritos verdadeiramente fortes e grandes, infinitamente superiores e mais fortes que todos os sábios deste mundo. Os que se apoiam unicamente na razao natural, deficiente catavento agitado em todas as direções pelo sopro do mau humor e das paixoes, assemelham-se a criancas arrastadas no furor da tempestade, enganadas pela maldade dos homens e os ardis do demônio. Tal não acontece com as almas fiéis. Estas, segundo o Apostolo, sao verdadeiramente estaveis e fortes; ancoradas na verdade divina, resistem com segurança sobrenatural a todas as tempestades, e se apegam com inominavel convicçao aos principios da suprema verdade.

A graça, alem de ser um impulso sobrenatural, necessário para a fé teologal, é tambem uma luz sobrenatural que nos ilumina na fé e nos conduz até ela. Para crer importa conhecer que Deus nos fala; A este conhecimento podemos chegar mediante nossa inteligencia natural, sempre que esta considere atentamente os sinais exteriores que acompanham a revelacao. Se porem, Deus nao nos ilumina interiormente e de um modo misterioso, se nao se aproxima de nós sobrenaturalmente e nao da ao nosso coração um novo ouvido interior, seremos incapazes de reconhecer e receber sua palavra, como o exige esta elevação sobrenatural da fe .

A força sobrenatural da fé não é um impulso cego e obscuro; nao! é claro e luminoso, pois o fim que poe diante de nossos olhos é nada menos que sua gloria divina, e desta forma nos atrai. A graca é como um novo eter sobrenatural, por cujas ondas percebemos a voz de Deus, de modo diverso daquele pelo qual o percebemos atraves da atmosfera de nossos sentidos e nossa razão. Por ela ouvimos imediatamente a palavra de Deus, tal com o sai de seu seus labios , experimentamos toda a sua força e poder divinos, e isto mesmo nos incita a aceita-la em toda a sua grandeza e plenitude. Ensina o Apostolo que, pela graca, Deus ilumina os olhos de nosso coracao, abre nossos ouvidos, para que nos certifiquemos, de um modo sobrenatural, daquilo que devemos crer.

Se pela luz e a força da graça apreendemos e fizemos nossa a palavra de Deus, a mesma luz sobrenatural deve também ensinar-nos a apreender e compreender as verdades reveladas por Deus. Sao tao grandes e tao elevadas estas verdades, que a luz da nossa razao se declara tao impotente para compreende-las como para no-las revelar. Descrevam-se a um cego de nascenca todas as coisas percebidas pela vista; ser-lhe-ao sempre estranhas e incompreensiveis. Estariamos no mesmo caso, se Deus, ao no-las manifestar por sua palavra, nao nos infundira, ao mesmo tempo, a luz sobrenatural da graca, que nos permite entende-las.

Pela luz da graça, extraída de seu próprio seio, mostra-nos Deus as coisas que ele mesmo vira nesta luz. Eleva-nos pela graça a uma condicao sobrenatural e coloca-nos, assim, em relacao misteriosa, e de certo modo, em contacto com os misterios sobrenaturais, de modo a não nos serem mais inteiramente estranhos e incompreensiveis. Neste mundo, é certo, jamais alcançaremos uma contemplaçao imediata que suprima a fé; nao obstante, se nos tornam estes misterios tão claros, tão límpidos e compreensíveis quanto o permite a virtude da fé.

Pecam por insensatez aqueles homens que só veem na fé, trevas e aviltamento do espírito. Muito ao contrário, todo conhecimento natural é, em face da fé, como a luz de uma lâmpada à noite, junto ao astro resplandecente no dia. Nossa razão nao passa de uma luz criada, terrestre, que projeta um palido reflexo sobre os objetos desta terra, iluminando apenas as coisas criadas e mostrando-nos o Criador unicamente a uma obscura distancia.

É' uma luz, pela qual conhecemos pouco e imperfeitamente, uma lâmpada que so ilumina os arredores imediatos, sem conseguir sequer mostra-los em todo o seu brilho natural. Ao contrário, a fé eleva-nos acima das criaturas, ate ao própno Deus; por ela, voa a nossa alma ate ele como a aguia para o sol, ele fixa seu livre e atrevido olhar, e penetra o mistério de sua intimidade. Tendo aplicado nosso olhar em Deus, causa suprema e fonte primeira de todas as coisas, faz-nos a fé percorrer daquele alto o mundo visivel e invisivel, tudo mostrando-nos em seu verdadeiro aspecto.

Patenteia-nos as profundezas da divindade, revela-nos como, desde toda a eternidade, o Filho procede do Pai, e de ambos, o Espirlto Santo, como laco de seu mutuo amor; como o Fllho, abandonando o selo do Pai, e enviado no tempo para derramar sobre as criaturas a plenitude de sua gloria e de sua sabedoria dlvinas, e reuni-las todas consigo mesmo, com seu Pai e com o Espirito Santo na mais intima comunhao. Mostra-nos o terrno ultimo e sobrenatural, o fim de todas as coisas, o ponto em que o tempo se entronca com a eternidade, o instante em que o mortal passa a imortalidade e se une tao estreitamente a Deus, que Deus esta todo em todos. E semelhante luz parecervos-ia treva e obscuridade?! Dir-se-ia que temos pavor em submeter nossa razao a obediencla da fe! Deveriamos, ao contrario, orgulhar-nos grandemente e, com S. Pedro, agradecer infinitamente- a " Deus por nos ter chamado a sua admiravel luz.''

Concedo reinar semelhante luz em uma santa obscuridade; e, porem, a obscuridade da aurora, a anunciar o dia e a gloria do sol. Como nos deveria ser. portanto, incomparavelmente mais preciosa que todas as luzes, brilhando na noite! Precisamente a escuridao de uma noite estrelada revela-nos os mais estupendos misterios, faz alcançar nossa vista infinitamente mais alem que em pleno dia. Faz-nos a luz do dia ver apenas uma reduzidissima parte da terra, um so ponto do universo. A noite, ao contrario, introduz nossos olhos nas mais gigantescas e longinquas constelacoes, nas incomensuraveis esferas, ocultas pela luz do sol.

Existe obscuridade na fé, mas uma obscuridade tal que chegamos a tocar o invisivel e te-lo entre as mãos. A fé, fala o Apostolo, é a substancia das coisas que esperamos, e uma prova das coisas que nao vemos.

Dizia S. Bernardo a um herege para quem a fé não passava de uma mera opinião: "Entendes tu? Vê que o Apóstolo fala da substância. Nao se trata, pois, de uma leviana opiniao, de uma vã imaginação. Tudo é aqui segurança, certeza que não suporta nem vacilaçao nem pusilanimidade''.' A fé, com efeito, fixa-nos na verdade divina e fixa a verdade divina em nós, de modo tão sólido e inamovível, que reconhecemos com uma segurança tao infalível e imutável como a mesma verdade divina, nao poderem falhar nossa convicçao e nosso juizo, do mesmo modo que nao podem falhar a convic~ao e o juizo de Deus sobre o qual nos apoiamos. E' a fé obscuridade porque nela nao vemos com os próprios olhos, e, sim, através do supremo - olhar de Deus para quem não existem trevas.

A fé é uma noite, mas noite que nos inunda de luz celestial. E' noite em comparação do dia da gloria eterna, mas dia em comparaçao com toda a luz da razao e do sol. A graça da fé supera tanto a qualquer outro conhecimento natural, como o olho normal supera ao olho do cego, como a alma racional do homem supera a do animal bruto.

Longe, pois, de contemplar a fé como uma noite para a inteligência, honrem-na e amemo-la como fazemos com a inteligencia. Temos motivos de considerar esta ultima como um grande dom de Deus; por ela a luz da face divina imprime-se como um selo em nosso coracao; gracas a ela colocamo-nos muito acima-dos animais. Com razao, pois, julgamos o pior dos males perde-la por uma enfermidade ou um defeito; e mil vezes pior que a privacao da vista. Dai podemos calcular a estima que nos deve merecer a luz da fé, pois, mediante ela, não só nos elevamos acima dos animais, mas ainda acima de todas as criaturas racionais. Como se ainda fora pouco, mostra-nos Deus, de face descoberta, e acrescentemos que nao podemos ser dela privados, a não ser que por nossa culpa a expulsemos de nossa alma.

Seria coisa assustadora que um homem, em seu furor se arrancasse ambos os olhos, ou consciente e voluntariamente, se privassse do uso da razão. Entretanto mais terrível ainda, supondo mesmo mais criminosa impiedade, é repudiares, como desgraçadamente o fazem tantos homens, a luz celeste da fé, que te foi presenteada por Deus, ou então, depois de honrado com ela,extingui-la em um instante, na tua alma, por uma duvida insensata ou um obstinado orgulho, precipitando-te assim em espantosas trevas.

Como são poucos os que, preocupados em não perderem a graça da fé, a honram devidamente, considerando-a como fonte da vida celeste e esforçando-se diariamente por aumenta-la e dela conseguir novas luzes!

Quantos homens, ao contrário, se atormentam a vida inteira, com incansável empenho, sacrificando saúde e dinheiro para adquirir a ciência humana, para poder conhecer os objetos mais miseráveis e insignificantes, sem pensar que um raio, uma centelha dessa divina luz contem mais claridade e verdade que toda a ciencia dos anjos e dos homens.

Os conhecimentos humanos, segundo S. Agostinho, são os reflexos do crepúsculo mergulhando-se cada vez mais no horizonte, tornando-se, a medida que se escondem, mais palidos e débeis; quanto mais requer a razão penetrar a essência das coisas, e galgar as alturas, tanto mais se vê obrigada a reconhecer sua fraqueza; la onde somente começa a verdade, outra coisa não vê diante de si, senão a noite escura. Nesta noite levanta-se, precisamente, a luz da fé, a semelhança de uma aurora que se amplia em momentos, revelando-nos um mundo novo, sobrenatural, formosíssimo; e ao mesmo tempo, deposita em nossa alma os germes de um conhecimento celeste e imperecivel, germes que não podem perecer sem culpa de nossa parte, e que um dia se abrirão com esplendor inalteravel, sob a luz da gloria.

Oxalá dedicassemos a metade do esforço e dos sacrifícios, consagrada pelos sábios a aquisição da ciencia humana, a aumentarmos a graça da fé, a aderirmos mais firmemente à palavra de Deus, a recebermos cada dia maior quantidade de sua luz! Então, sim, como nos alegrarmos neste esplendor celeste e beberíamos com prazer seus maravilhosos raios! Ostentaríamos com orgulho nossa fé, gloriando-nos, com o Apóstolo, de não conhecermos senão a Jesus e a Jesus Crucificado. Por certo, toda ciencia deste mundo nos parecia loucura e transbordaria nosso coração de um santo reconhecimento para com Deus, que nos livrou do poder das trevas e nos chamou a sua luz admiravel.

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