domingo, 7 de agosto de 2011

Restaurar tudo em Cristo



Encíclica do Venerável Papa Pio X

Neste mundo que muitas vezes caminha sem olhar para Deus, esta encíclica é muito atual. O Espírito Santo iluminou o santo Padre para que ele, com todo ardor, insistisse nesta verdade: o mundo só terá justiça, ordem e santidade quando tudo for restaurado em Cristo - nosso Senhor.

Situação calamitosa do mundo.

3. Além disto, e para passar em silêncio muitas outras razões, Nós experimentávamos uma espécie de terror em considerar as condições funestas da humanidade na hora presente. Pode-se ignorar a doença profunda e tão grave que, neste momento muito mais do que no passado, trabalha a sociedade humana, e que, agravando-se dia a dia e corroendo-a até à medula, arrasta-a à sua ruína? Essa doença, Veneráveis Irmãos, vós a conheceis, e é, para com Deus, o abandono e a apostasia; e, sem dúvida, nada há que leve mais seguramente à ruína, consoante essa palavra do profeta: Eis que os que se afastam de vós perecerão (Sl 72,27). A tamanho mal Nós compreendíamos que, em virtude do múnus pontifical a Nós confiado, competia-nos dar remédio; achávamos que a Nós se dirigia esta ordem de Deus: Eis que hoje te estabeleci sobre as nações e os reinos para arrancares e para destruíres, para edificares e para plantares (Jer 1,10); mas, plenamente cônscio da Nossa fraqueza, Nós temíamos assumir uma obra eriçada de tantas dificuldades, e que, no entanto, não admite delongas.

Restaurar tudo em Cristo.

Contudo, já que a Deus aprouve elevar a Nossa baixeza até esta plenitude de poder, Nós haurimos coragem n’Aquele que nos conforta; e, pondo mãos a obra, sustentado pela força divina, declaramos que o nosso fito único, no exercício do Sumo Pontificado, é restaurar tudo em Cristo (Ef 1,10) a fim de que Cristo seja tudo e em tudo (Col 3,14). 4. Haverá, sem dúvida, quem, aplicando às coisas divinas a curta medida das coisas humanas, procure perscrutar os nossos pensamentos íntimos e torcê-los às suas vistas terrenas e aos seus interêsses de partido. Para cortar com essas vãs tentativas, em toda verdade afirmamos que não queremos ser, e que, com o socorro divino, não havemos de ser, no meio das sociedades humanas, outra coisa senão o ministro de Deus que nos revestiu da sua autoridade. Os interêsses D’Ele são os Nossos interêsses; consagrar-lhes as Nossas forças e a Nossa vida, tal é a nossa resolução inabalável. E é por isto que, se Nos pedirem um lema que traduza o próprio fundo de Nossa alma, jamais daremos outro senão este: restaurar todas as coisas em Cristo.

5. Querendo, pois, empreender e prosseguir esta grande obra, Veneráveis Irmãos, o que redobra o Nosso ardor é a certeza de que Nos sereis nisso valorosos auxiliares. Se duvidássemos disto, pareceríamos ter-vos, bem erradamente aliás, por mal informados ou indiferentes, em face da guerra ímpia que foi suscitada e que em quase toda a parte vai prosseguindo contra Deus. Nos nossos dias, sobejamente verdadeiro é que as nações fremiram e os povos meditaram projetos insensatos (Sl 2,1) contra o seu Criador; e quase comum se tornou este grito dos seus inimigos: Retirai-vos de nós(Job21,14). Daí, na maioria, uma rejeição completa de todo o respeito de Deus. Daí hábitos de vida, tanto privada como publica, em que nenhuma conta se faz da soberania de Deus. Bem mais, não há esforço nem artifício que se não ponha por obra para abolir inteiramente a lembrança d’Ele, e até a sua noção.

Audácia dos maus. “o homem usurpou o lugar do Criador”

6. Quem pesa estas coisas tem direito de temer que uma tal perversão dos espíritos seja o começo dos males anunciados para o fim dos tempos, e como que a sua tomada de contacto com a terra, e que verdadeiramente o filho de perdição de que fala o Apóstolo (2 Tess 2,3) já tenha feito o seu advento entre nós, tamanha é a audácia e tamanha a sanha com que por toda parte se lança o ataque à religião, com que se investe contra os dogmas da fé, com que se tende obstinadamente a aniquilar toda a relação do homem com a Divindade! Em compensação, e é este, no dizer do mesmo Apóstolo, o caráter próprio do Anticristo, com uma temeridade sem nome o homem usurpou o lugar do Criador, elevando-se acima de tudo o que traz o nome de Deus. E isso a tal ponto que, impotente para extinguir completamente em si a noção de Deus, ele sacode entretanto o jugo da sua majestade, e dedica a si mesmo o mundo visível à guisa de templo, onde pretende receber as adorações dos seus semelhantes. Senta-se no templo de Deus, onde se mostra como se fosse o próprio Deus (2 Tess 2,2).

Vitória certa de Deus.

7. Qual venha a ser o desfecho desse combate travado contra Deus por uns fracos mortais, nenhum espírito sensato pode pô-lo em dúvida. Certamente, ao homem que quer abusar da sua liberdade lícito é violar os direitos e a autoridade suprema do Criador; mas ao Criador fica sempre a vitória. E ainda não é dizer o bastante: a ruína paira mais de perto sobre o homem justamente quando mais audacioso ele se ergue na esperança do triunfo. É o de que o próprio Deus nos adverte nas Sagradas Escrituras. Dizem elas que Ele fecha os olhos sobre os pecados dos homens (Sab 11,24), como que esquecido do seu poder e da sua majestade; mas em breve, após essa aparência de recuo, acordando como um homem cuja força a embriaguez aumentou (Sl 77,65), Ele quebra a cabeça dos seus inimigos (Sl 67,22), afim de que todos saibam que o Rei de toda a terra é Deus (Sl 46,8), e afim de que os povos compreendam que não passam de homens (Sl 9,20).

Deus exige nossa colaboração.

8. Tudo isso, Veneráveis Irmãos, com fé certa sustentamos e esperamos. Mas esta confiança não nos dispensa, naquilo que de nós depende, de apressarmos a obra divina, não somente por uma oração perseverante: Levantai-vos, Senhor, e não permitais que o homem se prevaleça da sua força (Sl9,19), mais ainda, e é o que mais importa, pela palavra e pelas obras, em plena luz, afirmando e reivindicando para Deus a plenitude do seu domínio sobre os homens e sobre toda criatura, de sorte que os seus direitos e o seu poder de mandar sejam reconhecidos por todos com veneração, e praticamente respeitados.

O partido de Deus.

9. Cumprir esses deveres não é apenas obedecer às leis da natureza, é trabalhar também para
vantagem do gênero humano. De feito, Veneráveis Irmãos, quem poderia deixar de sentir a sua alma presa de temor e de tristeza em vendo a maioria dos homens, enquanto, por outro lado, se exaltam, e com justa razão, os progressos da civilização, vendo-os desencadear-se com tal encarniçamento uns contra os outros, que se diria um combate de todos contra todos? Sem dúvida, o desejo da paz está em todos os corações, e não há ninguém que não a chame por todos os seus anseios. Mas essa paz, insensato de quem a busca fora de Deus; porquanto expulsar a Deus é banir a justiça; e, afastada a justiça, toda a esperança de paz torna-se uma quimera. A paz é obra da justiça (Is 32,17). Pessoas há, e, não o ignoramos, em grande número, as quais, impelidas pelo amor da paz, isto é, da tranqüilidade da ordem, se associam e se agrupam para formarem o que elas chamam de partido da ordem. Ai! Vãs esperanças, trabalho perdido! De partidos de ordem capazes de restabelecer a tranqüilidade no meio da perturbação das coisas, só há um: o partido de Deus. É, pois, este que nos cumpre promover; é a ele que nos cumpre trazer o maior número de adeptos possível, por menos que tenhamos a peito a
segurança publica.

10. Todavia, Veneráveis Irmãos, essa volta das nações ao respeito da majestade e da soberania
divina, por mais esforços, aliás, que façamos para realizá-lo, não advirá senão por Jesus Cristo. De feito, o Apóstolo adverte-nos que ninguém pode lançar outro fundamento senão aquele que foi lançado e que é o Cristo Jesus (I Cor 3,11). Só a Ele foi que o Pai santificou e enviou a este mundo (Jo 10, 36), esplendor do Pai e figura da sua substância (Heb 1,3), verdadeiro Deus e verdadeiro homem sem o qual ninguém pode conhecer a Deus como convém, pois ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelá-lo (Mt 11,27). Reconduzir os homens ao império de Cristo.

11. Donde se segue que restaurar tudo em Cristo e reconduzir os homens à obediência divina são uma só e mesma coisa. E é por isto que o fito para o qual devem convergir todos os nossos esforços é reconduzir o gênero humano ao império de Cristo. Feito isto, o homem achar-se-á, por isso mesmo, reconduzido a Deus. Mas – queremos dizer – não um Deus inerte e descuidoso das coisas humanas, como nos seus loucos devaneios o forjaram os materialistas, senão um Deus vivo e verdadeiro, em três pessoas na unidade de natureza, autor do mundo, estendendo a todas as coisas a sua infinita Providência, enfim legislador justíssimo que pune os culpados e assegura às virtudes a sua recompensa.

A via é a Igreja.

12. Ora, onde está a via que nos dá acesso a Jesus Cristo? Está debaixo dos nossos olhos: é a Igreja. Diz-no-lo com razão São João Crisóstomo: a Igreja é a tua esperança, a Igreja é a tua salvação, a Igreja é o teu refugio (Hom. de capto Eutropio, n. 6).
13. Foi para isso que Cristo a estabeleceu, depois de adquiri-la ao preço do seu sangue; foi para isso que Ele lhe confiou a sua doutrina e os preceitos da sua lei, prodigalizando-lhe ao mesmo tempo os tesouros da graça divina para a santificação e salvação dos homens.
14. Vedes, pois, Veneráveis Irmãos, que obra nos é confiada, a Nós e a vós. Trata-se de reconduzir as sociedades humanas, desgarradas longe da sabedoria de Cristo, reconduzi-las à obediência da Igreja; a Igreja, por seu turno, submetê-las-á a Cristo, e Cristo a Deus. E, se pela graça divina Nos for dado realizar esta obra, teremos a alegria de ver a iniqüidade ceder lugar à justiça, e folgaremos de ouvir uma grande voz dizendo do alto dos céus: Agora é a salvação, e a virtude, e o reino de nosso Deus e o poder de seu Cristo (Apoc. 12,10).

(grifos nossos)

Vale a pena ler toda a Encíclica, precisamos ficar estar atentos ao tempo presente - já que muitas vezes, ele tem se apresentado até mais medonho que antes -, para que, com a ajuda da graça de Deus, possamos cooperar para que tudo seja restaurado em Cristo, nosso Senhor.

Clique aqui para acessar o arquivo completo:

Carta Encíclica E Supremi Apostolatus.pdf



Nenhum comentário:

Postar um comentário