domingo, 16 de outubro de 2011

Perfeição Cristã - Parte respectiva do amor e do sacrifício


A Vida Espiritual - Explicada e Comentada - de Adolfh Tanquerey

Já que o amor e o sacrifício devem ter a sua parte na vida cristã, qual será o papel de cada um destes dois elementos?

Sobre este assunto, há pontos em que todos concordam, e outros em que se manifestam divergencias, se bem que na prática os homens ponderados das diversas escolas chegam a conclusões que são sensivelmente as mesmas.

1.° Todos admitem que em si, na ordem ontologica, ou de dignidade, o amor tem o primeiro lugar: é o termo e o elemento essencial da nossa perfeição. É, pois, o amor que se deve ter em vista antes de tudo, é ele que se deve procurar conseguir sem descanso, é ele que há de dar ao sacrifício a sua razão de ser e seu valor principal. É necessário, pois, falar dele desde o princípio da vida espiritual e fazer notar que o amor de Deus facilita singularmente o sacrifício, mas nunca dele pode dispensar.

2.° Quanto a ordem cronológica, todos admitem ainda que estes dois elementos são inseparáveis e devem, por conseguinte, cultivar-se ao mesmo tempo e até mesmo compenetrar-se, pois que não há na terra, amor verdadeiro sem sacrifício, e o sacrifício feito por Deus é um dos melhores sinais de amor.

Toda a questão se reduz, pois, em última analise, a esta: na ordem cronologica, em que elemento se deve insistir, no amor ou no sacrifício? Aqui encontramo-nos em presença de duas tendencias e de duas escolas:

A- São Francisco de Sales, apoiando-se em muitos representantes da Escola Beneditina e Dominicana, e confiando nos recursos que nos oferece a natureza humana regenerada, dá a primazia ao amor de Deus, para melhor fazer aceitar e praticar o sacrifício; mas longe de excluir a este último, exige da sua Filotea muita abnegacao e sacrifício; se o faz com muita moderação e docura na forma, e para melhor chegar ao seu fim. E isto o que aparece desde o primeiro capítulo da Introdução à vida devota.

Ora, observar os mandamentos, seguir os conselhos e inspirações da graça, é seguramente praticar um alto grau de mortificação. Demais, o santo exige que Filotea comece por se purificar não somente dos seus pecados mortais, mas ainda dos veniais, da afeição às coisas inúteis e perigosas e das más inclinações. E, quando trata das virtudes, não esquece o seu lado mortificado; o que ele pretende unicamente, é que tudo seja condimentado com o amor de Deus e do próximo.

B) Por outro lado, a Escola Inaciana e a Francesa do século sem esquecerem que o amor de Deus e o fim que se deseja atingir e que deve vivificar todas as ações, põem no primeiro plano, sobretudo para os principiantes, a abnegacão, o amor da cruz ou a crucificação do homem velho, como o mais seguro meio de chegar ao amor verdadeiro e efetivo. Parecem recear que, se não se insiste neste ponto ao princípio, muitas almas virão a cair na ilusão, imaginando-se já muito avante no amor de Deus, quando a sua piedade e mais sensivel e aparente que real; daí essas quedas deploráveis, quando se apresentam as tentações graves e se cai na aridez.

Por outro lado, o sacrificio, intrepidamente aceito por amor de Deus, conduz a uma caridade mais generosa e constante, e o exercicio habitual do amor de Deus vem coroar o edificio espiritual.

Conclusão prática:

Sem querermos dirimir esta controversia, vamos propor algumas conclusões admitidas pelos homens ponderados de todas as escolas.

A) Há dois excessos que se devem evitar:

a) o de querer lançar demasiadamente cedo as almas no que se chama a vida do amor, sem as exercitar ao mesmo tempo nas praticas austeras da abnegação quotidiana. E então que se favorecem as ilusões e muitas vezes quedas deploráveis: quantas almas que, experimentando essas consolações sensíveis com que Deus mimoseia os principiantes, e crendo-se arraigadas na virtude, se expõem as ocasiões do pecado, cometem imprudencias e caem em faltas graves?! Um pouco mais de mortificação, de humildade verdadeira, de desconfiança de si mesmas, uma luta mais corajosa contra as suas paixões te-las-ia preservado dessas quedas.

b) Outro excesso é não falar senão de abnegação e mortificação, sem mostrar que não são mais que meios para chegar ao amor de Deus ou manifestações desse amor. Com isso, algumas almas de boa vontade, mas ainda pouco animosas, sentem-se enfadadas e até desalentadas. Teriam mais ardor e energia, se se lhes mostrasse que esses sacrificios se tornam muito mais faceis, quando se fazem por amor de Deus.

Evitados estes excessos, o diretor saberá escolher para o seu penitente o caminho que melhor convém ao seu carater como as inspirações da graça.

a) Ha almas sensíveis e afetuosas, que não tomam gosto a mortificação senão depois de terem praticado durante algum tempo o amor de Deus. É bem verdade que este amor é muitas vezes imperfeito, mais ardente e sensivel que generoso e duradouro. Mas, se houver cuidado em aproveitar estes primeiros fervores, para mostrar que o amor verdadeiro não pode preservar sem sacrificio, se se conseguir fazer praticar, por amor de Deus, alguns atos de penitencia, reparação e mortificação, exatamente os que mais necessários são para evitar o pecado pouco a pouco se vai a virtude robustecendo e a vontade fortificando, até que chega o momento em que elas compreendem que o sacrificio deve caminhar a par com o amor de Deus.

b) Se, pelo contrário, se trata de caracteres energicos, acostumados a proceder por dever, pode-se, sem deixar de lhes por diante dos olhos a união com Deus com fim, insistir ao principio na abnegação como pedra de toque da caridade, levando-os a exercitar-se na penitencia, humildade e mortificação, sem deixar de temperar estas virtudes austeras com um motivo de amor de Deus ou de zelo das almas.

Assim, jamais se separara o amor do sacrifício, e mostrar-se-a que estes dois elementos se combinam e aperfeicoam mutuamente

Estudo completo sobre a Graça - veja AQUI


Depois veremos: A perfeição consiste nos preceitos ou nos conselhos?

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