sábado, 12 de novembro de 2011

Credo - Décimo Segundo Artigo


Por São Tomás de Aquino

Creio na Vida Eterna

É muito conveniente que a declaração das verdades que devemos crer termine por este artigo - Creio na vida eterna -, porque a vida eterna é também a meta final de todos os nossos desejos.

Opõe-se essa verdade àqueles que afirmam que a alma morre com o corpo. Se esta afirmação fosse verdadeira, o homem teria a mesma condição dos animais, e aos que a fazem, aplica-se isto escrito nos Salmos: O homem posto em honrarias, não compreende as coisas. Pode ser comparado aos animais estúpidos, e a eles se assemelha (48,21).

A alma humana, pela imortalidade, assemelha-se a Deus; pela sensualidade, assemelha-se aos animais.

Por conseguinte, quem pensa que a alma morre com o corpo, perde a semelhança de Deus e nivela-se aos animais. Há ainda, contra essas idéias, o Livro da Sabedoria: "Não esperaram da justiça divina o prêmio de recompensa, nem consideraram a glória dada às almas Santas; porque Deus criou o homem para a imortalidade, e o criou segundo a imagem da própria natureza" (2,22-23).

Neste artigo devemos tratar inicialmente de em que consiste a vida eterna (e, após, de em que consiste a morte eterna).

Convém saber, em primeiro lugar, que na vida eterna o homem se une a Deus, já que é o próprio Deus o prêmio e a finalidade de todos os nossos trabalhos aqui na terra. Lê-se: Eu sou o teu protetor e a tua recompensa será grande (Gên 15,1). Esta comunhão consiste na perfeita visão . Lê-se: Agora nós vemos como que por um espelho, mas lá, face a face (1 Cor 13,12). Consiste ela também no supremo louvor, como diz Santo Agostinho: Veremos, amaremos e louvaremos (De Cavo Dei, 22). Lê-se ainda na Escritura: Haverá gozo e alegria, ação de graças e vozes de louvor (ls 51,3).

Sabemos que na vida eterna, em segundo lugar, há a perfeita saciedade dos desejos. A razão disto é que ninguém pode, nesta vida, ter os seus desejos satisfeitos, porque nunca um bem criado sacia o desejo humano de felicidade. Somente Deus o pode saciar, e o faz excedendo infinitamente. Por isso esse desejo não é satisfeito senão em Deus, conforme escreve Santo Agostinho: Fizestes-nos, Senhor, para Vós, e o nosso coração está inquieto até que repouse em Vós (Conf. 1).

Como os santos na pátria possuirão perfeitamente a Deus, evidentemente o seu desejo será saciado e ainda ultrapassado em glória. Eis pois que se lê no Evangelho: Entra no gozo do teu Senhor (Mt 25,21). Santo Agostinho acrescenta ainda: Não é o gozo pleno que penetrará nos que o irão desfrutar, mas estes é que entrarão plenamente no gozo. Lê-se também na Escritura: Serei saciado quando entrar na vossa glória (SI 16,15); e: Aquele que enche de bens o teu desejo (SI 102,5).

Tudo o que há de deleitável haverá ai plena e superabundantemente. Se os deleites é que foram desejados, ai haverá o sumo e perfeito deleite, porque é o deleite proveniente da posse do sumo bem, de Deus. Lê-se: Então colocarás as tuas delícias no Onipotente (Jo 22,26).

Se as honras é que foram desejadas, aí haverá todas elas.

O leigo deseja acima de tudo ser Rei; o clérigo, Bispo. Ambas as honras aí estarão, Lê-se; Fizestes de nós reis e sacerdotes para o nosso Deus (Ap 15,10). Lê-se também no Livro da Sabedoria, a respeito da vida dos justos após a morte: Ei-los considerados filhos de Deus (5,5). Se a ciência é que foi desejada, haverá aí a ciência perfeita, pois que conheceremos a natureza de todas as coisas e toda a verdade, bem como tudo que desejávamos saber. Mais. Tudo o que desejávamos possuir, o possuiremos na vida eterna. Lê-se: Com ela, todos os bens vieram igualmente a mim (Sab 7,11); e: Aos justos será dado o que desejaram (Prov 1,33).

A vida eterna consiste, em terceiro lugar, na perfeita segurança. Neste mundo não há segurança perfeita, porque, quanto mais se possuem muitos bens e quanto mais alguém se eleva, tanto mais se enche de temor e necessita de mais coisas. Não haverá, porém, na vida eterna, nem tristeza, nem trabalhos, nem temor. Lê-se: Afastado o temor dos males, gozarão da abundância (:Prov 1,33).

Consiste a vida eterna, em quarto lugar, na sociedade alegre de todos os bem-aventurados, na mais deleitável das sociedades, porque cada qual possuirá todos os bens em comunhão com os outros. Cada um amará o outro como a si mesmo; por isso, alegrar-se-á com o bem alheio, como se fosse o seu. Desse modo, quanto mais crescerem o gozo e a alegria de um, tanto mais aumentará o gozo de todos, conforme está escrito: É na grande alegria para todos habitar em Vós (SI 86,7). Tudo o que aqui foi descrito, os justos terão na pátria, e, além disso, muitos outros bens inefáveis.

Quanto aos maus, isto é, os que irão para a morte eterna, as suas dores e castigos não serão em menor proporção que o gozo e a alegria dos bens. É excessiva a pena dos maus, em primeiro lugar, pela separação de Deus e pela privação de todos os bens. Esta é a pena do dano, que corresponde a aversão a Deus, maior que a pena dos sentidos . Lê-se: Lançai o servo inútil nas trevas exteriores (Mt 15,30).

Os maus, nesta vida, possuem as trevas interiores, isto é, pecado; no inferno, estarão nas trevas exteriores.

É excessiva a pena dos maus, em segundo lugar, pelo remorso da consciência. Lê-se: Repreender-te-ei e colocar-te-ei diante de ti mesmo (SI 49,21); e: Gemendo estão sob a pressão do próprio espírito (Sab 5,13). Todavia, tais sofrimentos e gemidos serão inúteis, porque não provém do ódio ao mal, mas da dor do castigo.

É acrescida ainda mais, em terceiro lugar, a pena dos maus, pela fortíssima pena dos sentidos, que atormentará a alma e o corpo. É um castigo dolorosíssimo, conforme relatam os santos. Os condenados estarão sempre como que morrendo, mas jamais morrerão, e até sem a possibilidade de morrerem. Por isso a condenação é chamada de morte eterna. Estarão os condenados sofrendo sempre no inferno dores terríveis como as que envolvem os moribundos. Lê-se: Como ovelhas foram colocados no inferno, e a morte os devorará (SI 48,15).

Aumenta ainda mais a pena, em quarto lugar, com o desespero da salvação. Se a elas fosse dada esperança de libertação da pena, a pena ficaria, por certo, mitigada. Mas como toda esperança lhes foi tirada, a pena torna-se pesadíssima. Lê-se: O verme que os corrói não morrerá, e o fogo que os queima não se extinguirá (Is. 66,24).

Evidencia-se, desse modo, a diferença entre fazer o bem e fazer o mal: as boas obras conduzem à vida, as más, porém, arrastam para a morte.

Deveríamos sempre revocar no espírito todas essas verdades, porque, o fazendo, seríamos estimulados para fazer o bem e para repelir o mal.

De modo concludente, e muito significativo, colocou-se no término do Credo a vida eterna, para que ela fique cada vez mais gravada em nosso espírito, para a qual nos conduza o Senhor, Jesus Cristo, o Deus bendito pelo século dos séculos.

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