segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Dos diversos graus de perfeição


Perfeição Cristã - AQUI

"Os graus pelos quais a alma se eleva a perfeição, são numerosos; não se trata aqui de os enumerar todos, senão de assinalar os principais estágios.

Ora, segundo a doutrina comum, exposta por Santo Tomas, distinguem-se três estagios principais, ou, como geralmente se diz, três vias: a dos principiantes, a das almas em progresso, a dos perfeitos, segundo o fim principal que se tem em vista.

a) No primeiro estágio, o principal cuidado dos principiantes é não perder a caridade que possuem: fazem, pois, esforços para evitarem o pecado, sobretudo o pecado mortal, e para triunfarem das más inclinações, das paixões e de tudo quanto lhes poderia fazer perder o amor de Deus . É a via purgativa, cujo fim e purificar a alma das suas faltas.

b) No segundo estágio, quer-se progredir na pratica positiva das virtudes, e fortificar a caridade. O coração, já purificado, está por isso mesmo mais aberto a luz divina e ao amor de Deus: a alma compraz em seguir a Jesus em imitar as suas virtudes, e, como segui-lo é caminhar na luz, por isso esta via se chama iluminativa. A alma aplica-se a evitar não somente o pecado mortal, mas ainda o venial.

c) No terceiro estágio, os perfeitos nao tem mais que um cuidado: aderir a Deus e ter nele as suas delícias. Procurando constantemente unir-se a Deus, estão na via unitiva. O pecado faz-lhes horror, porque receiam desagradar a Deus e ofende-lo; as virtudes atraem-nos, sobretudo as virtudes teologais, porque são meios de se unirem a Deus. E assim a terra Ihes parece um desterro e, como São Paulo, desejam morrer, para irem estar com Cristo

Isto não são mais que breves indicações, que voltaremos a desenvolver mais tarde, em que seguiremos uma alma desde o primeiro estagio, que e a sua purificação, até a união transformadora que a prepara para a visao beatífica.

Dos limites da perfeição na terra.

Quando lemos a vida dos Santos, mormente dos grandes contemplativos, ficamos assombrados de ver a que alturas sublimes se pode elevar uma alma generosa que nada recusa a Deus. A nossa perfeição na terra tem contudo, limites que é mister nao querer ultrapassar, sob pena de recair num grau inferior, ou até mesmo no pecado.

1.° É certo que não se pode amar a Deus tanto como Ele merece ser amado: porque Deus é infinitamente amavel, e, sendo, como é, finito o nosso coração, não O pode amar, nem sequer no céu, senão com amor limitado.

Pode-se, pois, uma alma esforcar por ama-lo sempre mais e mais, e, segundo São Bernardo, a medida de amar a Deus e ama-lo sem medida. Não esqueçamos, porém, que o amor verdadeiro consiste menos em piedosos sentimentos que em atos da vontade, e que o melhor meio de amar a Deus é conformar a nossa vontade com a sua,

2.° Na terra não é possível amar a Deus sem interrupção nem desfalecimento. Pode-se indubitavelmente, com graças de eleição, que não são recusadas as almas de boa vontade, evitar todo o pecado venial de propósito deliberado, mas não toda a falta de fragilidade; na terra não somos jamais impecáveis, como a Igreja proclamou em diversas circunstancias.

A) Na idade média, os Begardos haviam sustentado que "o homem, na vida presente, é capaz de adquirir tal grau de perfeição que se torna absolutamente impecável e não possa crescer mais em graça". Donde concluiam que aquele que atingiu esse grau de perfeição não tem obrigação de jejuar nem orar, porque nesse estado a sensualidade esta de tal modo sujeita ao espírito e a razão, que se pode conceder ao corpo tudo quanto lhe apetecer; já não tem obrigação de observar os preceitos da Igreja nem de obedecer aos homens, nem sequer de praticar os atos das virtudes, o que é próprio do homem imperfeito.

Doutrinas são estas grandemente perigosas, que de fato vão rematar na imoralidade; quando alguém se julga impecável não se exercita ja nas virtudes, dentro em breve é presa das paixões mais ignóbeis. É o que sucedeu aos Begardos; e assim o Concílio de Viena os condenou, com toda a razão, em 1311.

B) No seculo XVII, Molinos renova este erro ensinando que pela contemplação adquirida se chega a tal grau de perfeição que não se cometem mais pecados nem mortais nem veniais. Bem demais veio ele mostrar com o seu exemplo, que com máximas, que parecem tão elevadas, pode alguem andar muito exposto a cair em desordens escandalosas. Foi justamente condenado por Inocencio XI, em 19 de Novembro de 1687; quando lemos as proposições que ele ousara sustentar, ficamos aterrados com as consequencias espantosas a que conduz esta pretensa impecabilidade. Sejamos, pois, mais modestos, não pensemos senão em nos corrigir das faltas de propósito deliberado e em diminuir o numero das faltas de fragilidade.

3.° Neste mundo, não é possivel amar a Deus constantemente, nem sequer habitualmente, com amor perfeitamente puro e desinteressado que exclua todo ato de esperança. Seja qual for o grau de perfeição a que tenha chegado, há obrigação de fazer de tempos a tempos atos de esperança; ninguem pode, pois, de maneira absoluta, ficar indiferente para com a sua salvação. É certo que houve Santos, que, nas provações passivas, momentaneamente se conformaram com a sua reprovação de modo hipotetico, isto é, no caso em que ela fosse determinada por Deus, protestando contudo que nesse caso nao queriam cessar de amar a Deus; sao hipóteses que geralmente se devem por de parte, porque de fato Deus quer a salvação de todos os homens.

Mas podemos, de vez em quando, fazer atos de amor puro, sem pensar absolutamente nada em nós, por conseguinte, sem esperar ou desejar atualmente o céu.

Tal é, por exemplo, este ato de amor de Santa Teresa : "Se Vos amo, Senhor, nao é pelo céu que Vós me tendes prometido; se temo ofender-Vos, não é pelo inferno com que seria ameaçada; o que me atrai para Vós, Senhor, sois Vós, somente Vós; e ver-Vos cravado na cruz, o corpo pisado, nas ansias da morte. E o vosso amor a tal ponto se apoderou do meu coração que, ainda quando não houvera céu, eu Vos amara; ainda quando não houvera inferno, eu Vos temera. Vós não tendes que me dar coisa alguma, para provocar o meu amor; pois que, ainda quando não esperara o que espero, Vos amara como Vos amo"

Habitualmente, em nosso amor de Deus há mistura de amor puro e de amor de esperanca, o que quer dizer que amamos a Deus por Si mesmo, porque e infinitamente bom, e tambem porque é a fonte da nossa felicidade.

Estes dois motivos nao se excluem, pois Deus quis que em O amar e glorificar encontrassemos a nossa felicidade. Não nos inquietemos, pois, desta mistura, e, pensando no céu, digamo-nos somente que a nossa felicidade consistira em possuir a Deus, em O ver, amar e glorificar; então o desejo e a esperança do céu não impedem que o motivo dominante das nossas ações seja verdadeiramente o amor de Deus.

Conclusão

Assim pois, amor e sacriffcio, eis toda a perfeição cristã.

Ora, com a graça de Deus, quem não pode realizar esta dupla condição? Será porventura tão dificil amar Aquele que é infinitamente amável e infinitamente amante?

O amor, que se nos pede não é coisa extraordinaria; e o amor dedicação, e o dom de si mesmo, e em particular a conformidade com a vontade divina. Queres amar, é pois amar; observar os mandamentos por Deus, é amar: orar, é amar; cumprir os deveres do próprio estado para agradar a Deus, é tambem amar; mais ainda, recrear-se, tomar as suas refeições com a mesma intenção, é amar; prestar serviço ao próximo por Deus, é amar. Não há nada, pois, mais facil, com a graça , que praticar constantemente a divina caridade e, por isso mesmo avançar incessantemente para a perfeição.

É certo que o sacrificio parece mais custoso; não se nos pede, que o amemos por si mesmo; basta ama-lo por Deus, ou, por outros termos, compreender que na terra não se pode amar a Deus, sem renunciar ao que é obstaculo ao seu amor. Então, o sacrificio torna-se toleravel, e bem depressa amavel.

Acaso a mãe, que passa longas noites a cabeceira dum filho doente, não aceita jubilosamente as suas canseiras, quando tem a esperança e sobretudo a certeza de lhe salvar a vida? Ora nós, é certo que temos, não só esperança senao certeza de agradar a Deus, de procurar a sua glória, e, ao mesmo tempo, de nossa alma, quando, por amor de Deus nos impomos os sacrificios que Ele reclama.

E não temos nós, para nos sustentar, os exemplos e auxilios do Homem Deus? Nao sofreu Ele tanto e mais que nós para glorificar a Seu Pai e salvar as nossas almas? E nós, seus discipulos, incorporados nele pelo batismo, alimentados do seu Corpo e Sangue, hesitariamos em sofrer em uniao com Ele, por amor dele e com as mesmas intenções que Ele?

E não é verdade que a cruz tem suas utilidades, sopara os corações amantes: "Na cruz está a salvação nos diz a imitação de Cristo, na cruz a vida, na cruz a proteção contra os nossos inimigos, na cruz uma suavidade celeste"

Concluamos pois, com S. Agostinho: "Para os corações amantes não hã trabalhos exessivamente custosos; encontra-se neles até mesmo prazer, como aqueles que amam a caça, a pesca, as vindimas, o negócio... É que, na verdade, quando se ama uma coisa, ou nao se sofre, ou ama-se o sofrimento"

E demo-nos pressa em avancar, pelo caminho do sacrifício e do amor, para a perfeição, pois é para nós um dever.


Fonte: A Vida Espiritual explicada e comentada - Adolfh Tanquerey.

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