sábado, 19 de novembro de 2011

O Breviário.


Por Padre Leo Trese

10,30

Enquanto me preparo para recitar a Hora Média, penso que tem muita razão os que chamam o Breviário de "minha esposa".

Há uma lua de mel logo depois do diaconato, quando o recém-ordenado e o Breviário são praticamente inseparáveis e dizemos com um fremito de orgulho: "Tenho que ir rezar o Breviário".

Depois chegam o sacerdócio e esses anos friamente realistas em que o lemos todo de enfiada, numa corrida contra-relógio para recitar o final junto com a s últimas badaladas da meia-noite.

E então o Opus Dei se transforma em Onus diei (a Liturgia das Horas é chamada de opus dei, obra de Deus. - onus diei peso ou carga do dia) e deseja-se secretamente que venham os de Roma fazer o trabalho de um sacerdote americano, ao menos durante uma semana.

Vem mais tarde os anos da maturidade e dos cabelos grisalhos, em que esse sócio, vestido de negro e ouro, se converte num companheiro reconfortante e mesmo amado, em que existe uma verdadeira afeição no ósculo que lhe damos quando nos erguemos do genuflexório, com os joelhos rangendo por causa do reumatismo.

Finalmente, chega um dia em que o sacerdote já não pode ler mais; o Breviário está ali, junto da sua cama, como um silencioso companheiro que o conforta enquanto ele se debilita cada vez mais. E quando o sacerdote vai repousar eternamente, nenhum vestido de viuva é tão comovente como as páginas amareladas e gastas do livro que deixou atrás de si.

Mas os anos do meio foram os mais duros. Foram duros porque eu os tornei duros.

Foram difíceis porque me deixei arrastar por essa heresia vulgar de antepor o trabalho à oração e pela minha desordem juvenil. Não tinha estabelecido um horário com momentos fixos para as coisas essenciais. Desperdiçava as horas do dia como um perdulário desperdiça o seu dinheiro; e me preocupava com o preço.

Havia, além disso, a dificuldade da lingua. No colégio, ensinaram-nos tão bem a lingua de Cícero e de Santo Agostinho que ainda hoje tremo quando um rapaz se aproxima de mim e me pergunta: "Padre, como é que se traduz esta frase?"

Mas o transcrever do tempo trouxe-me, se não sabedoria, pelo menos hábitos de ordem.

Assegurava-me um sábio diretor de retiros que, ao recitar o Ofício divino, eu era o porta-voz do Corpo Místico e que a Ecclesia orans - a Igreja que ora - era quem suplicava a Deus através de mim, sem levar em conta o grau de compreensão com que lia. Fez-me entender também o mérito da obediência, um mérito que cresce com a dificuldade do dever a cumprir. Pouco a pouco, diminuiu a minha relutância.

Mas houve outros fatores que me ajudaram a riscar o Ofício divino da lista dos meus adversários. Convenci-me de que há certas coisas que são incompatíveis com a oração: o rádio por exemplo. Compreendi com certa facilidade que era pouco menos que pecaminoso querer rezar durante a transmissão de um jogo de futebol ou enquanto o último noticiário bloqueava toda a comunicação com o céu.

Apesar disso, durante muito tempo achei que uma música suave ajudava, até que pude verificar que mesmo uma música suave absorve um mínimo de atenção - que roubamos a Deus.

Mais adiante, durante certas reuniões com a minha família ou em outra casa paroquial, cheguei a abandonar a conversa ou o jogo de cartas e retirar-se para a sala contígua, disposto a acabar a leitura do Breviário.

A vozes, as piadas e os risos soavam claramente aos meus ouvidos, de modo que não perdia nada. Nada, a não ser o mérito de uma oração sincera. Por uma graça imerecida, compreendi finalmente que tinha que reservar um tempo fixo para essa leitura, um tempo em que nada a não ser uma emergencia me perturbasse, um tempo que me permitisse terminá-la antes do anoitecer.

Por isso, atualmente rezo o Ofício das leituras e as Laudes antes da Missa, a Hora Média às 10,30 ou pelo menos antes do almoço; as Vésperas sempre antes do jantar, e as Completas antes de recolher-me. Há ocasiões em que as circunstâncias exigem um reajustamento, mas, para que haja exceções, é necessário que haja primeiro uma regra.

Com todas estas reflexões, não rezei ainda a Hora Média. Abro o livro resolutamente. Faz hoje um desses maravilhosos dias de primavera que nos convidam a viver. Porei o maior cuidado nos versículos que exprimem esse estado de espírito: Exultai, justos no Senhor! .

Há outros dias (que deveriam ser mais) em que me inclino para a penitência; então procuro frases como: Por vossa imensa bondade, apagai, Senhor, a minha culpa.

E outros em que me sinto agradecido, talvez pela conversão de um grande pecador ou (sejamos sinceros) por ter recebido um estipendio mais generoso: adquirem então especial significado para mim determinados versículos como: Bendiz, ó minha alma, ó Senhor e, do fundo do meu coração, o seu santo nome.

É uma tolice recitar o Ofício de acordo com os estados de animo, mas não há dúvida de que assim fixo o espírito e dou mais vitalidade à oração, detendo-me, aqui e acolá numa palavra ou frase que corresponda aos meus sentimentos atuais.

Bem , Senhor, aqui estou eu, o inculto Léo, que vos fala em nome da Igreja universal. É admirável ver como Vos contentais com tão pouco Senhor.

Talvez seja por causa disso que vou fazer com que alguma alma se salve na Rússia ou alguém na minha paróquia se veja livre de uma tentação.

Fonte: Vaso de Argila

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