segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Um pouco de Bondade


Por Padre Leo Trese

11,00

Joe Heims, que trabalha no turno da tarde, deve estar chegando para a aula de catecismo que lhe dou duas vezes por semana. Enquanto espero por ele e tomo umas notas sem importância, lembro-me da primeira vez que o vi.

Não se atrevia a dizer-me que queria fazer-se católico. Ainda bem que a mãe o fosse, ele não era batizado. Achava que já era tempo de dar esse passo.

Conversando com ele umas coisas e outras, para pô-lo à vontade, soube que vivia a alguns quilometros de distância, em outra paróquia. Então, por que vinha à minha? "Bem - explicou-me -, há já algum tempo que queria falar com um padre, mas tinha receio. O outro dia, estava com Charlie Orts no seu posto de gasolina, e ele me disse que o senhor era uma pessoa acessível e que nunca se aborrecia com ninguém. Por isso resolvi procurá-lo".

Fechei os olhos numa súbita mas fervorosa ação de graças, por Charlie não me conhecer tão bem como imagina. A partir de então, Joe e eu começamos a encontrar-nos.

Enquanto continuo a esperá-lo, penso na enorme importância que tem um pouco de bondade. É uma semente tão pequena como o grão de mostarda do Evangelho, e os seus ramos também se estendem muito longe.

A medida que os anos passam e me envolvo cada vez mais na rotina do dia-a-dia, os meus sonhos de juventude, de realizar um trabalho verdadeiramente missionário, vão-se desvanecendo pouco a pouco. E como se torna cada vez mais difícil ir visitar os outros, refugio-me na esperança de ser um sacerdote de quem os outros, impelidos pela graça, se possam aproximar sem constrangimento e cheios de confiança.

Resolvo pois, pedir com mais insistência ao Senhor a virtude da amabilidade e a vigilância necessária para prevenir qualquer fracasso nesse terreno.

Porque é tão fácil falhar! É fácil descarregar nos coroinhas o mal humor matutino. É fácil repreender os menininhos que passam correndo e gritando pelo gramado em frente da minha janela, perturbando meu descanso.

É fácil ser brusco quando alguém me telefona uma hora absurda, para fazer uma pergunta a que já respondi nas advertências finais do domingo passado. É fácil exasperar-me com o presidente da Confraria cuja irresponsável juventude fez cair por terra um projeto mimado. É fácil substituir um membro do conselho paroquial, obstinado e arrogante na sua ignorância.

Tudo isso é fácil. Em contra partida, é difícil sorrir e ser amável quando tenho uma forte dor de cabeça e anseio por um pouco de compreensão. É difícil conservar a calma quando pais negligentes querem batizar um bebê em dia e hora determinadas, quando deviam te-lo trazido 6 meses antes.

É difícil...Mas pra que citar mais casos? É dificil parecer-me com Jesus Cristo!

E necessário também. Necessário, sim, se sequer enfrentar o dia do juízo com um pouco de esperança. Repassando estes meus 20 anos de sacerdócio, não consigo lembrar-me de um só cristão que tenha abandonado a Igreja porque o seu pároco era alcólatra ou um limbertino.

Mas não me bastam os dedos das mãos para contar os ex-católicos que me disseram: "Briguei com o padre"; "Tive uma discussão com o padre Griper"; "O vigário expulsou-me e disse-me que não aparecesse mais"; "O padre disse-me que eu era pessoa de maus bofes" e assim sucessivamente com as variantes sobejamente conhecidas dos que frequentam uma paróquia. Em muitos casos, eram simples subterfúgios, naturalmente. Mas ...

Seria maravilhoso, penso que nos os padres fossemos conhecidos como "homens mais amáveis do mundo". Já passaram os tempos em que o clero era considerado a classe mais culta. Hoje, nesta época de materialismo e descrença, também não acreditam que sejamos o grupo mais honrado do mundo. E os nossos próprios compromissos com o espírito da sociedade fazem por em dúvida que sejamos os paladinos do ascetismo.

Mas a amabilidade...essa deveria ser-nos fácil! Deveria, ainda que não se trate de nenhuma virtude de classe, mas individual.

Lembro-me de repente do funeral da padre Félix, enquanto desenho as sombrancelhas no rosto que o meu lápis esboçou tão desajeitadamente. Assisti ao seu enterro na semana passada. Em quase todos os bancos pude obeservar olhos úmidos e narizes vermelhos, e não era por estarem resfriados: choravam.

Como eu conhecia o padre Félix, pude ler o que lhes ia na alma: "Era um homem tão afável!". Nunca tinha pensado nisso antes, mas reparei então que já assistira ao funeral de muitos sacerdotes em que a gente tinha os olhos absolutamente secos.

Como foi horrível o quadro que se desenhou diante de mim: os verdadeiros filhos em Cristo do sacerdote, que acompanham impassíveis o enterro do seu pai!.

Chorarão em meu funeral? pergunto-me a mim mesmo, enquanto rasgo a folha rabiscada e a jogo no cesto dos papéis. Não é que eu tenha agora nenhum prazer especial em imaginar caras banhadas em lágrimas. Mas as lágrimas podem inclinar o justo Juiz a admitir que merecemos misericórdia por termos sido misericordiosos.

Que homenagem maravilhosa seria para um padre se se pudesse gravar na sepultura, sem receio de nenhum desmentido: "Foi amável".

Mas soa a campainha. É Joe que chega.

Fonte: Vaso de Argila

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