domingo, 17 de junho de 2012

O Reino de Deus


Pela sua santidade, Papa Bento XVI



Na chamada à conversão está implícito como sua condição fundamental o anúncio do Deus vivo. O teocentrismo é fundamental na mensagem de Jesus e também deve ser o centro da nova evangelização. A palavra-chave do anúncio de Jesus é: Reino de Deus.

Mas Reino de Deus não é uma coisa, uma estrutura social ou política, uma utopia. O Reino de Deus é Deus. Reino de Deus significa: Deus existe. Deus vive. Deus está presente e age no mundo, na nossa, na minha vida. Deus não é uma remota "causa última", Deus não é o "grande arquitecto" do deísmo, que construiu a máquina do mundo e agora se encontra fora. Ao contrário: Deus é a realidade mais presente e decisiva em qualquer acto da minha vida, em todos os momentos da história.

Na sua conferência de despedida da cátedra na universidade de Monastério, o teólogo J. B. Metz disse coisas que dele não se esperavam. No passado, Metz ensinou-nos o antropocentrismo, o verdadeiro acontecimento do cristianismo teria sido a viragem antropológica, a secularização, a descoberta do secularismo no mundo. Depois, ensinou-nos a teologia política, o carácter político da fé; depois a "memória perigosa"; finalmente a teologia narrativa. Depois deste caminho longo e difícil hoje dizemos: o verdadeiro problema do nosso tempo é a "crise de Deus", a ausência de Deus, camuflada por uma religiosidade vazia. A teologia deve voltar a ser realmente teo-logia, um falar de Deus e com Deus.

Metz tem razão: para o homem, o "unum necessarium" é Deus. Tudo muda se Deus está ou não está presente. Infelizmente também nós cristãos vivemos muitas vezes como se Deus não existisse ("si Deus non daretur"). Vivemos segundo o slogan: Deus não está presente, e se está, não tem incidência. Por isso a evangelização deve, antes de mais nada, falar de Deus, anunciar o único Deus verdadeiro: o Criador, o Santificador, o Juiz (cf. Catecismo da Igreja Católica).


Para o reino de Deus e a evangelização, instrumento e veículo do reino de Deus, é sempre válida a parábola do grão de mostarda (cf. Mc 31-32). O reino de Deus recomeça sempre de novo sob este sinal. Nova evangelização não pode significar: atrair imediatamente com novos métodos mais requintados as grandes multidões que se afastaram da Igreja. Não não é esta a promessa da nova evangelização. Nova evangelização significa: não acontentar-se com o facto de que do grão de mostarda cresceu a grande árvore da Igreja universal, não pensar que é suficiente que nos seus ramos muito diferentes, as aves possam encontrar lugar mas ousar de novo com a humildade do pequeno grão, deixando para Deus quando e como crescerá (cf. Mc 4, 26-29). As grandes coisas começam sempre do pequeno grão e os movimentos em massa são sempre efémeros.

Na sua visão do processo da evolução, Teilhard de Chardin fala do "branco das origens" (le blanc des origines): o início das novas espécies é invisível e a investigação científica não o pode encontrar. As fontes são escondidas, muito pequenas. Por outras palavras: as grandes realidades iniciam-se em humildade. Deixemos de lado se e até que ponto Teilhard tem razão com as suas teorias evolucionistas; a lei das origens invisíveis diz uma verdade, uma verdade presente precisamente no agir de Deus na história: "Não te elegi porque és grande, ao contrário, és o mais pequeno de entre os povos; elegi-te porque te amo...", diz Deus ao povo de Israel no Antigo Testamento e exprime desta forma o paradoxo fundamental da história da salvação: sem dúvida, Deus não conta com os grandes números; o poder exterior não é o sinal da sua presença.

Grande parte das parábolas de Jesus indicam esta estrutura do agir divino e respondem desta forma às preocupações dos discípulos, os quais esperavam outro tipo de sucesso e de sinais do Messias, sucessos do género dos que Satanás ofereceu ao Senhor: dou-te todos os reinos do mundo, tudo isto... (cf. Mt 4, 9). Sem dúvida, Paulo, no final da sua vida, teve a impressão de ter levado o Evangelho aos confins da terra, mas os cristãos eram pequenas comunidades espalhadas no mundo, insignificantes segundo os critérios seculares.

Na realidade foram o germe que penetrou na massa a partir de dentro e levaram em si o futuro do mundo (cf. Mt 13, 33). Um antigo provérbio diz:"Sucesso não é um nome de Deus". A nova evangelização deve submeter-se ao mistério do grão de mostarda e não pretender produzir imediatamente a grande árvore. Nós ou vivemos demasiado na certeza da grande árvore que já existe ou na impaciência de possuir uma árvore maior, mais vital. Ao contrário, devemos aceitar o mistério que a Igreja é ao mesmo tempo grande árvore e pequeníssimo grão. Na história da salvação é sempre Sexta-Feira Santa e, contemporaneamente, Domingo de Páscoa


Também neste ponto se deve ter presente o aspecto prático. Deus não se pode dar a conhecer unicamente com as palavras. Não se conhece uma pessoa, se não sabemos directamente nada dela. Anunciar Deus é introduzir na relação com Deus: ensinar a rezar. A oração é fé em acto. E só na experiência da vida com Deus se manifesta também a evidência da sua existência. Eis por que são tão importantes as escolas de oração, de comunidade de oração. Existe complementariedade entre oração pessoal ("no próprio quarto", sozinhos perante os olhos de Deus), oração comum "paralitúrgica" ("religiosidade popular") e oração litúrgica.

Sim, a liturgia é, em primeiro lugar, oração; a sua especificidade consiste no facto que o seu sujeito primário não somos nós (como na oração privada e na religiosidade popular), mas o próprio Deus. A liturgia é actio divina, Deus age e nós respondemos à acção divina.

Falar de Deus e falar com Deus são duas acções que devem andar sempre juntas. O anúncio de Deus orienta para a comunhão com Deus na comunhão fraterna, fundada e vivificada por Cristo. Portanto a liturgia (os sacramentos) não é um tema paralelo à pregação do Deus vivo, mas a concretização da nossa relação com Deus. Neste contexto, seja-me permitida uma observação geral sobre a questão litúrgica.

O nosso modo de celebrar a liturgia com frequência é demasiado racional. A liturgia torna-se ensinamento, cujo critério é: fazer-se compreender - a consequência é com frequência a banalização do mistério, o prevalecer das nossas palavras, a repetição das fraseologias que parecem mais acessíveis e mais agradáveis ao povo. Mas isto é um erro não só teológico, mas também psicológico e pastoral. A onda do exoterismo, a difusão de técnicas asiáticas de distensão e auto-esvaziamento mostram que nas nossas liturgias falta algo.

Precisamente no nosso mundo de hoje precisamos do silêncio, do mistério supra-individual, da beleza. A liturgia não é invenção do sacerdote celebrante ou de um grupo de especialistas; a liturgia (o "rito") cresceu num processo orgânico ao longo dos séculos, leva em si o fruto da experiência de fé de todas as gerações. Mesmo se os participantes talvez não entendam todas as palavras, compreendem o significado profundo, a presença do mistério, que transcende todas as palavras. O celebrante não é o centro da acção litúrgica; o celebrante não está em frente do povo em seu nome não fala se si nem para si, mas "in persona Christi". Não contam as capacidades pessoais do celebrante, mas unicamente a sua fé, na qual se Cristo se torna transparente. "Ele deve crescer e eu diminuir" (Jo 3, 30).(grifos meus)

Fonte: AQUI

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