domingo, 23 de setembro de 2012

Sem sacrifícios?



Por Tihámer Toth




"Tudo isto, concordo, é admiravelmente belo. E também eu quero possuir um carater forte. Levar uma vida ideal é exatamente o meu desejo. Mas... não poderia encontrar-se um meio mais fácil de lá chegar? Não haverá, positivamente, outros meios? Não poderá obter-se um carater irrepreensível, mais comodamente - sem sacrifícios?

- Não, meu amigo. Neste ponto, é impossível tergiversar. "Aquele que quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me" - disse Jesus Cristo. Quem quiser estar junto dEle no reino dos Céus, não pode mais abandoná-LO no caminho pedregoso do Calvário.

De mais, dize-me, meu filho, que é que se dá gratuitamente neste mundo em que vivemos? Nada, absolutamente nada. Olha como os homens se afadigam noite e dia no trabalho, a quantas canseiras se sujeitam para adquirir os bens efêmeros da vida terrestre! Como querias então procurar-te este tesouro incomparável - um bom caráter - sem lhe pagar o preço?

"Oh! como ele é feliz!" - suspira tu, talvez, ao veres um amigo teu divertir-se. "Como deve ser bom viver assim à vontade, distrair-se a seu belo prazer!".

Como te iludes, meu filho, como te enganas! Se pudesses penetrar naquele coração que nada mais faz que sonhar com os gozos da terra, que julgas tu verias lá? - "Alegria e contentamento" - dirás. Ah! não. Não encontrarias lá mais que um grande vazio e um sorriso forçado.

Razão tem a Sagrada Escritura para dizer: "O ímpio assemelha-se ao mar em tempestade" (Is. XXVII, 20). O ímpio é fustigado pela tempestade das paixões, e, quando a tempestade amaina um pouco, balouça-se num sonho amargo.

Ouve o parecer do grande filósofo inglês John Stuart Mill: "Não se pode esperar de um homem que nunca se recusa uma coisa permitida, que ele renuncie a todas as coisas proibidas. Tempo virá, disso não tenho dúvida, em que as crianças e os jovens serão levados ao ascetismo e à abnegação, e em que lhes será ensinado, como nos tempos antigos, a renunciar aos seus desejos, a fazer frente aos perigos, e a impor-se sofrimentos voluntários". É por este mesmo motivo que o Catolicismo prescreve a abnegação, o ascetismo e a formação da vontade.

"Ascetismo?... Brrr!..." - pensarás talvez, porque te repetiram muitas vezes que, para praticar o ascetismo, era necessário martirizar-se a si próprio, renunciar a todos os prazeres e a todas as alegrias da vida.

Ora atende um pouco: o significado original da palavra grega de que esta expressão deriva é este: "trabalho delicado, minucioso" - e os gregos queriam significar com isto o treino e a sobriedade a que se sujeitavam os concorrentes que se preparavam para a luta a fim de porem em ação, chegado o dia próprio, o máximo das forças latentes dos seus corpos.

Também o caráter é o resultado de muitas lutas e de um longo treino. Jamais conseguiremos fazer "trabalho delicado" em nós mesmos, se não nos exercitamos nisso, e são precisamente exercícios de abnegação que a nossa religião santa nos prescreve para nos ajudar na formação do caráter.

Todos os grandes triunfos terrestres exigem renúncia e sacrifícios. - E tu querias obter o maior dos triunfos - a nobreza de caráter - assentado sobre fofa almofada!

Bem sabes, meu filho, que, se alguém quiser preparar-se para um concurso, o seu treino deve incidir sobre dois pontos bem diferentes. De um lado, deve exercitar diariamente os músculos. Suponhamos que se trata de um concurso de remadores. O concorrente levanta-se cedo e dirige-se a pé para o porto da associação. Salta para o barquinho e põe-se a remar. Três horas depois, regressa, todo banhado em suor, tostado do sol, a cair de fadiga. No dia seguinte recomeça, no outro dia também, e isto durante semanas, meses.

- Por outro lado, vive também o mais sobriamente possível, e priva-se dos prazeres que amolecem. Tem cuidado com a alimentação, para não aumentar de peso, abstém-se de fumar; do álcool também e por maioria de razão. Deita-se cedo e sempre à mesma hora, etc. Para que todas estas renúncias?

Por uma medalhinha de prata, pela gloria de chegar primeiro... - E parece-te a luta demasiado dura quando se trata de ganhar um caráter!

Repara ainda no que vou dizer-te:

Na vida toda a gente faz sacrifícios - este por uma coisa, aquele por outra. Olha o avaro: priva-se de todo o bem-estar e impõe-se uma vida de miséria. Come mal e só usa roupas velhas e quase rasgadas. Nunca passeia, para não gastar os sapatos. Refreia os mais pequenos e legítimos desejos. Vive sem alegrias e sem amigos. E para que tudo isto? Para amontoar riquezas. O avaro sacrifica a sua personalidade, a sua dignidade, mesmo a própria honra, ao dinheiro. São privações de mais, não é verdade?... - E objetivos cem vezes mais elevados e mais sublimes não mereceriam também alguns sacrifícios?

Sim, o avaro afadiga-se, dia e noite, sem pausa nem descanso, para adquirir uma fortuna - a maior fortuna possível. O vaidoso está pronto para arriscar a vida para granjear um nome. O jovem, em busca de prazeres, sacrifica o sono para correr de baile em baile; sua e agita-se noites seguidas... - Fariam eles metade que fosse de todos estes incômodos para ajudar o próximo?

"Um Santo e um malfeitor escondem-se em todo ser humano" - dizia Lacordaire, grande orador francês. O malfeitor, em ti, meu filho, não tem necessidade de ser bem tratado - cresce por si. Mas é-te necessário um treino perpétuo e, por vezes, penoso para assegurar o reino do Santo na tua alma.

Isto, com efeito, não pode fazer-se sem luta. O escultor que quiser produzir uma obra-prima tem de trabalhar o mármore bruto com indizível paciência; - aquele que quiser tornar a sua alma perfeita deve trabalhá-la do mesmo modo. Uma estátua perfeita exige tempo e trabalho árduo, devendo o artista ter sempre o ideal diante dos olhos. Quanto mais não exige o caráter! Aconselho-te, meu filho, que adotes a máxima de Carlos V: "Plus! Ultra!". Mais! Mais além!

Quando perguntaram a Zeuxis porque trabalhava os seus quadros com tanta minúcia, respondeu: "porque trabalho para a eternidade!" É exatamente, meu filho, o que tu deves fazer. Deves trabalhar para a eternidade. Poderia um tal trabalho ser pago demasiadamente caro?
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*Extaído do livro: TOHT, Tihámer. O jovem de caráter. [S.L]: Coimbra, 1963

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