sábado, 12 de julho de 2014

A natureza do Matrimónio, a Família e o Valor da Vida.

Por São João Paulo II




 "Um dia Jesus, dialogando com o seu auditório, teve de enfrentar uma tentativa da parte dos Fariseus que tinha em vista levá-1'O a aprovar as suas opiniões sobre a natureza do matrimónio. Jesus respondeu reafirmando o ensinamento da Sagrada Escritura: No princípio da criação, Deus fê-los homem e mulher. Por causa disso deixará o homem seu pai e sua mãe; e passarão os dois a ser uma só carne. Portanto, já não são dois, mas uma só carne. Aquilo, pois, que Deus uniu não o separe o homem (Mc 10, 6-9).

O Evangelho segundo São Marcos refere-se logo depois à descrição de uma cena que bem conhecemos. Esta cena mostra-nos a indignação de Jesus ao notar que os seus discípulos procuravam impedir que as pessoas trouxessem os seus filhos junto d'Ele. E disse: Deixai vir a Mim as criancinhas, não as afasteis, pois a elas pertence o reino dos Céus... Depois, tomou-as nos braços e abençoou-as impondo-lhes as mãos (Mc 10, 14-16). Ao propor-nos estas leituras, a liturgia hodierna convida-nos a todos a reflectir em três temas estritamente conexos entre si: a natureza do matrimónio, a família e o valor da vida.[..]
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3. Não hesito em proclamar, perante todos vós e perante todo o mundo, que cada vida humana — desde o momento da sua concepção e durante todas as fases que se seguem — é sagrada, porque a vida humana é criada à imagem e semelhança de Deus. Nada supera a grandeza nem a dignidade da pessoa humana. A vida humana não é apenas uma ideia ou uma abstracção; a vida humana é a realidade concreta de um ser que é capaz de amor e de serviço para com a humanidade.

Permiti-me que repita aquilo que disse durante a peregrinação à minha terra: "Se se inflige o direito do homem à vida no momento em que ele começa a ser concebido no seio materno, ataca-se indirectamente toda a ordem moral que serve para assegurar os bens invioláveis do homem. A vida ocupa entre eles o primeiro lugar. A Igreja defende o direito à vida, não só por respeito à majestade do Criador que é o primeiro dador desta vida, mas também por respeito ao bem essencial do homem" (João Paulo II, Homilia em Towy Targ; em L'Oss. Rom., ed. port., 15.7.79, p. 6).

4. A vida humana é preciosa porque é um dom de Deus cujo amor é infinito: e quando Deus dá a vida, dá-a para sempre. A vida é também preciosa porque é a expressão e o fruto do amor. É esta a razão pela qual a vida deve ter origem no contexto dó matrimónio e pela qual o matrimónio e o amor recíproco dos pais devem ser caracterizados pela generosidade em prodigar-se. O grande perigo para a vida da família numa sociedade cujos ídolos são o prazer, a comodidade e a independência, está no facto de os homens fecharem o coração e tornarem-se egoístas. O medo de um compromisso permanente pode transformar o amor mútuo entre marido e mulher em dois amores de si próprios — dois amores que existem um ao pé do outro, até acabarem por separar-se.

No sacramento do matrimónio o homem e a mulher — que pelo Baptismo se tornaram membros de Cristo e têm o dever de manifestar na sua vida as atitudes de Cristo — recebem a certeza do auxílio de que têm necessidade para o próprio amor crescer numa união fiel e indissolúvel e para conseguirem responder generosamente ao dom da paternidade. Como declarou o Concílio Vaticano II: "Por meio deste Sacramento, o próprio Cristo torna-se presente na vida dos cônjuges e acompanha-os, a fim de que possam amar-se mutuamente e amar os seus filhós, precisamente como Cristo amou a sua Igreja e se deu a si mesmo por ela" (Cfr. Gaudium et Spes, 48; Ef 5, 25).

5. Para que o matrimónio cristão favoreça o bem total e o desenvolvimento do casal, deve ser inspirado pelo Evangelho, e assim abrir-se à nova vida — nova vida dada e aceita generosamente. Os cônjuges são também chamados a criar uma atmosfera familiar em que os filhos sejam felizes e vivam plena e dignamente uma vida humana e cristã.

Para ser possível viver-se uma vida familiar alegre, impõem-se sacrifícios quer da parte dos pais quer da parte dos filhos. Cada membro da família deve tornar-se, de modo especial, o servo dos outros compartilhando as cargas deles. É necessário cada um ter a solicitude não só da própria vida, mas também da vida dos outros membros da família: das suas carências, das suas esperanças e dos seus ideais. As decisões a propósito do número dos filhos e dos sacrifícios que daí derivam não devem ser tomadas só em vista de aumentar as próprias comodidades e manter uma existência tranquila. Reflectindo neste ponto diante de Deus, ajudados pela graça que vem do Sacramento, e guiados pelos ensinamentos da Igreja, os pais recordarão a si próprios que é mal menor negar aos próprios filhos certas comodidades e vantagens materiais do que privá-los da presença de irmãos e irmãs que poderiam ajudá-los a desenvolver a sua humanidade e a realizar a beleza da vida em todas as suas fases e em toda a sua variedade.

Se os pais compreendessem plenamente as exigências e as oportunidades encerradas neste grande Sacramento, não deixariam de se unir a Maria no hino de louvor ao Autor da vida — a Deus —, que os escolheu como seus colaboradores.

6. Todos os seres humanos deveriam apreciar a individualidade de cada pessoa como criatura de Deus, chamada a ser irmão ou irmã de Cristo em razão da Encarnação e da Redenção Universal. Para nós a sacralidade da pessoa humana é fundada nestas premissas. E é nestas mesmas premissas que se funda a nossa celebração da vida — de toda a vida humana. Isto explica os nossos esforços para defender a vida humana de qualquer influência ou acção que a possa ameaçar ou debilitar, assim como os nossos esforços para tornar cada vida mais humana em todos os seus aspectos.

Por conseguinte, reagiremos todas as vezes que a vida humana for ameaçada. Quando o carácter sagrado da vida antes do nascimento for atacado, nós reagiremos para proclamar que ninguém tem o direito de destruir a vida antes do nascimento. Quando se falar de uma criança como de um peso ou se considera a mesma como meio para satisfazer uma necessidade emocional, nós interviremos para insistir em que todas as crianças são dom Único e irrepetível de Deus, que têm direito a uma família unida no amor. Quando a instituição do matrimónio for abandonada ao egoísmo humano e reduzida a um acordo temporâneo e condicional que se pode dissolver facilmente, nós reagiremos afirmando a indissolubilidade do vínculo matrimonial. Quando o valor da família for ameaçado por pressões sociais e económicas, nós reagiremos reafirmando que a família é necessária não só para o bem privado de cada pessoa, mas também para o bem comum de cada sociedade, nação e estado (João Paulo II, Audiência Geral, 3.1.79). Quando depois a liberdade for usada para sujeitar os fracos, esbanjar as riquezas naturais e a energia, e para negar aos homens as necessidades essenciais, nós reagiremos para reafirmar os princípios da justiça e do amor social. Quando os doentes, os anciãos ou os moribundos forem abandonados, nós reagiremos proclamando que eles são dignos de amor, de solicitude e de respeito.

Faço minhas as palavras que Paulo VI dirigiu o ano passado aos Bispos Americanos: "Estamos convencidos, além disso, que todos os esforços empreendidos para salvaguardar os direitos humanos beneficiam actualmente a vida em si mesma. Tudo o que se dirige — no direito ou nos factos — a banir a discriminação baseada na 'raça, origem, cor, cultura, sexo ou religião' (cfr. Octogesima Adveniens, 16), é serviço prestado à vida. Quando os direitos das minorias, são protegidos, quando os diminuídos mental ou fisicamente são assistidos, quando é concedida voz aos marginalizados da sociedade, em todos estes casos, são favorecidas a dignidade da vida humana, a plenitude da vida humana e a santidade da vida humana... Em especial, cada contribuição para melhorar o clima moral da sociedade e enfrentar a permissividade e o hedonismo, e ainda toda a assistência à família, que é a fonte da nova vida, tudo isso é favorecer os valores da vida" (Paulo VI, Discurso aos Bispos Americanos, em L'Oss. Rom., ed. port. 4.6.1978. p. 4).

8. Muito está ainda por fazer a fim de se conseguir ajudar aqueles cuja vida é ameaçada e reavivar a esperança daqueles que têm medo da vida. Requer-se coragem para resistir às pressões e aos falsos "slogans", para proclamar a dignidade suprema de cada vida, e exigir que a própria sociedade a proteja. Desejo pois dirigir uma palavra de louvor a todos os membros da Igreja Católica e das outras Igrejas cristãs, a todos os homens e mulheres da herança judeo-cristã, assim como a todos os homens de boa vontade, a fim de se unirem num esforço comum para a defesa da vida na sua plenitude e para a promoção de todos os direitos humanos:

A nossa celebração da vida faz parte da nossa celebração da Eucaristia. Nosso Senhor e Salvador, mediante a Sua morte e Ressurreição, tornou-se para nós "o pão da vida" e o penhor da vida eterna. N'Ele encontramos a coragem, a perseverança e a inventiva de que temos necessidade para promover e defender a vida nas nossas famílias e no mundo inteiro.

Queridos irmãos e irmãs: temos confiança em que Maria, Mãe de Deus e Mãe da Vida, nos dará a sua ajuda para que o nosso modo de viver reflicta sempre a nossa admiração e reconhecimento pelo dom do amor de Deus que é a vida. Sabemos que Ela nos ajudará a usar todos os dias que nos são dados como oportunidade para defender a vida antes do nascimento e para tornar mais humana a vida dos nossos irmãos, onde quer que eles se encontrem.

A intercessão de Nossa Senhora do Rosário, cuja festa celebramos hoje, nos conceda podermos todos chegar um dia à plenitude da vida em Cristo Jesus nosso Senhor. Ámen.

Fonte: Homilia de 7 de Outubro de 1979

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