Por Bento XVI
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"Os clássicos gregos e latinos me entusiasmavam; também da matemática já tinha começado a gostar. Sobretudo, descobri a literatura. A leitura de Goethe me fascinava; Schiller me parecia um pouco moralista demais. Eu gostava especialmente dos autores do século XIX: Eichendorff, Morike, Storn, Stifter, enquanto outros, como Raabe e Kleist, continuaram meio estranhos a mim. Naturalmente, eu mesmo comecei a fazer poesias, fervorosamente, e voltava-me com nova alegria para os textos litúrgicos, que tentava traduzir melhor e mais vivamente dos textos originais.
Estava muito disposto, cheio de confiança, diante das grandezas que cada vez mais se abriam no imensurável mundo do espírito. Ao lado disso, porém, havia aquela outra realidade: quase diariamente se lia no jornal a notícia de alguém morto em combate, e quase todo dia se devia celebrar uma missa de réquiem por algum jovem.
Havia, entre eles, cada vez mais colegas do ginásio, que pouco tempo atrás era companheiros cheios de alegria de viver e de esperança.
Serviço Militar e Prisão
Em razão da crescente perda de homens, os poderosos inventaram, em 1943, uma novidade. Haviam constatado que alunos de internatos tinham de viver mesmo em comunidades longe de casa e que, por isso, nada impedia que se mudasse o lugar de seu internato, a saber: para as baterias da defesa aérea (Flak).
Já que de qualquer maneira não podiam estudar o dia inteiro, parecia perfeitamente normal engajá-los durante o tempo livre no serviço de defesa contra aviões inimigos. Eu não morava mais no internato havia muito tempo; juridicamente, porém, eu pertencia ao seminário de Traunstein.
Assim, o pequeno grupo de seminaristas de minha classe – nascidos em 1926 e 1927 – foi convocado para a Flak, em Munique. Aos 16 anos de idade, agora tinha de aceitar um “internato” bem estranho. Tinham nos colocado em barracas como os soldados normais, que formavam uma minoria.
Haviam-nos posto em uniformes semelhantes e tínhamos que prestar essencialmente o mesmo serviço, com a diferença de que ao lado disso recebíamos ainda um reduzido ensino. Lecionavam ali os professores do famoso ginásio Maximiliano, de Munique. Essa foi uma experiência interessante, sob diversos aspectos.
Com os verdadeiros alunos desse ginásio, igualmente convocados para a Flak, formávamos agora uma classe, encontrando-nos diante de um mundo diferente. Nós, os de Traunstein, éramos melhores no latim e no grego; percebíamos, porém, que tínhamos vivido no interior e que a capital, com suas múltiplas ofertas culturais, abrira outros horizontes aos nossos colegas de classe.
Inicialmente, isso provocou muitos choques, mas afinal acabamos formando um grupo bastante homogêneo. Nossa primeira guarnição foi em Ludwigsfedl, ao norte de Munique, onde tínhamos que proteger uma filial da fábrica bávara de motores, onde se produziam motores de avião.
Depois, fomos para Unterfohring, a nordeste de Munique e, por pouco tempo, para Innsbruck, onde a estação da estrada de ferro fora destruída, e uma proteção parecia necessária. Quando cessaram os ataques ali, fomos finalmente transferidos para Gilching, ao norte do lago Ammer, com uma dupla tarefa: tínhamos que defender as fábricas de Dornier, de onde subiam para o ar os primeiros caças a jato, e devíamos, em termos gerais, impedir que os aviões dos aliados, que se ajuntavam nessa região para os ataques contra Munique, avançassem rumo à capital.
Não preciso contar detalhadamente os muitos aborrecimentos que o tempo na Flak trouxe consigo, especialmente para uma pessoa tão pouco militar como eu. Todavia, tenho também uma lembrança muito boa de Gilching. Eu pertencia ao serviço de comunicação telefônica, e o sargento que nos chefiava defendia inexoravelmente a autonomia do nosso grupo. Estávamos isentos de todos os exercícios militares, e ninguém tinha coragem de se intrometer em nosso pequeno mundo.
Essa autonomia chegou a seu ponto mais alto quando me foi concedida uma habitação na bateria vizinha e ali ganhei, por motivos inexplicáveis, um espaço só para mim – por assim dizer, um verdadeiro quarto individual, embora primitivo. Fora das minhas horas de serviço, podia agora fazer o que quisesse e me dedicar sem impedimento a meus interesses.
Além disso, havia lá um grupo surpreendentemente grande de católicos ativos, que organizaram até um ensino religioso e ocasionalmente conseguiam ir à igreja. Assim, paradoxalmente, esses meses ficaram gravados em minha memória como um tempo muito bom, de uma vida bastante independente.
É verdade, porém, que a situação histórica, na grande linha, estava longe de ser animadora. Na primavera houve um ataque direto contra a nossa bateria; conseqüência: um morto e vários feridos. No verão começaram grandes ataques sistemáticos contra Munique.
Nós podíamos ir à cidade três vezes por semana, para assistirmos às aulas no ginásio Max, mas era assustador ver cada vez mais destruição e verificar como a cidade caía aos poucos em ruínas. Cada vez mais a fumaça e o cheiro de incêndios enchiam o ar.
Finalmente, também as viagens normais por trem não eram mais possíveis. Nessa situação, a maioria do nosso grupo considerou a invasão dos aliados ocidentais na França, iniciada em julho, como sinal de esperança: no fundo havia grande confiança nas potências ocidentais, e a esperança de que seu sentimento de justiça ajudasse também a Alemanha a chegar a uma nova e pacífica existência.
Mas quem de nós iria ser testemunha disso? Ninguém podia ter certeza de voltar vivo daquele inferno para casa. No dia 10 de setembro de 1944, tendo chegado à idade militar, fomos dispensados da Flak, na qual tínhamos prestado serviço como estudantes.
Quando cheguei em casa, a convocação para o treinamento básico da infantaria alemã já estava sobre a mesa. No dia 20 de setembro, uma viagem interminável nos levou para a província de Burgenland, onde nos mandaram para um acampamento no triângulo entre a Áustria, a Tchecoslováquia e a Hungria; no grupo havia muitos amigos do ginásio de Traunstein. Aquelas semanas de treinamento são, para mim, uma lembrança deprimente.
Nossos chefes tinham pertencido, em grande parte, à assim chamada Legião Austríaca; eram, pois, nazistas de longa data, que sob o chanceler Dollfusz tinha estado na cadeia: ideólogos fanáticos, que nos tiranizavam brutalmente.
. Uma noite nos mandaram sair da cama e nos reuniram; estávamos sonolentos, vestidos em nossas roupas de treinamento. Um oficial da SS mandou que nos apresentássemos, um por um, e, aproveitando-se do nosso cansaço e confrontando-nos com o grupo reunido, tentou forçar-nos a nos alistarmos “voluntariamente” para o serviço na SS.
Muitos companheiros bondosos foram pressionados a entrar para aquele grupo criminoso. Eu, com mais alguns, tive a felicidade de poder dizer que pretendia me tornar um sacerdote católico. Zombando de nós e nos insultando, eles nos mandaram sair de lá. Mas esses insultos tiveram excelente sabor, pois nos libertaram da ameaça daquela opção “voluntária” e de todas as suas seqüelas.
Primeiramente, fomos treinados naquele ritual, inventado sem dúvida na década de 1930, orientado para uma espécie de culto da pá e do trabalho como força libertadora. Aprendemos cerimoniosamente, com rigor militar, a depor a pá, levantar a pá, jogar a pá no ombro, tudo solenemente; a limpeza da pá, na qual não podia ficar nenhum grãozinho de poeira, fazia parte dos elementos essenciais daquela pseudo-liturgia. Esse mundo de aparências desmoronou-se de um dia para outro quando, em outubro, a vizinha Hungria, em cuja fronteira estávamos localizados, rendeu-se às tropas russas, que nesse meio- tempo já tinham avançado bem dentro do país.
Parecia-nos que estávamos ouvindo de longe o estrondo da artilharia. A frente estava se aproximando. Acabou, então, o ritual da pá; dia após dia tínhamos que sair para levantar o assim chamado “dique do sudeste”: uma barreira contra tanques, trincheiras que tínhamos que cavar em meio à terra fértil das vinhas de Burgenland, com um enorme exército de trabalhadores, supostamente voluntários, de todos os países da Europa.
Como por milagre, ainda não havia sobre a mesa a convocação para o serviço militar, como era de esperar. Foram-me dadas quase três semanas de recuperação externa e interna. Depois fomos chamados para Munique, onde fomos distribuídos por diversos lugares de destino. O oficial responsável evidentemente estava longe de aprovar a guerra e o sistema hitleriano.
Mostrava muita compreensão e tentava conceder-nos o melhor possível, o mais proveitoso para cada um.A mim, por exemplo, ele encaminhou para o quartel de infantaria em Traunstein e me encorajou, com paternal bondade, a desfrutar ainda alguns dias livres em casa e a começar sem pressa. O clima que encontrei no quartel era agradavelmente diferente daquele do treinamento básico.
É verdade que o chefe da companhia gostava de gritar e, evidentemente, ainda acreditava piamente no nazismo. Mas os novos instrutores eram homens experimentados, que conheciam os horrores da guerra de frente, e não queriam tornar as coisas mais pesadas para nós do que já eram. Com o coração apertado, comemoramos o Natal em nossa barraca.
Conosco, os jovens, estavam de serviço na mesma turma vários pais de família, com quase 40 anos de idade, e que, apesar dos problemas de saúde, tinham sido convocados para as armas, no último ano da guerra. A saudade que sentiam das mulheres e dos filhos me comovia.
De qualquer maneira, já era bem ruim para eles estarem sujeitos à disciplina militar conosco, que éramos vinte anos mais novos. Depois dos treinamentos básicos, éramos frequentemente transferidos, cada vez para um lugar diferente nas redondezas de Traunstein, enquanto eu, por ter adoecido, fiquei a maior parte do tempo livre do serviço, a partir do início de fevereiro. É curioso que não tenhamos sido mandados para a frente, que se aproximava cada vez mais.
Depois continuamos
Fiquem com Deus.
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