quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Crer em Deus?


Por Alfonso Aguilló

Será que Deus Realmente Existe?

Uma constante na história dos Povos.

A noção da existência de Deus povoa a mente humana desde os tempos mais imemoriais. Aparece com insistência em todos os lugares e em todas as épocas, mesmo nas civilizações mais arcaicas e isoladas que se tem notícia. Não existe nem um povo nem período algum da história sem religião. A existência de Deus foi sempre uma das grandes questões humanas, pois apresenta-se perante o homem com um caráter radicalmente comprometedor. O homem procura uma resposta para os grandes enígmas da condição humana, que não importa a época, surge no mais fundo do coração: o sentido e o fim da nossa vida, o bem e o mal, a origem e a razão de ser da dor, o caminho pra alcançar a verdadeira felicidade, a morte, o juízo, a retribuição depois da morte. Tudo aponta para o mistério que envolve nossa existência - as perguntas “de onde vim?" e "para onde vou", rumo àquela força misteriosa que está sempre presente no curso de todos os acontecimentos humanos e que impregna a vida de um íntimo sentido religioso.


Mas, para muitas pessoas, não interessa o que todos os povos fizeram ao longo da história. Não querem fazer a mesma coisa que os outros fizeram no passado.

Não quiz dizer que devamos fazer exatamente as mesmas coisas que os nossos antepassados. As pessoas fazem muito bem em procurar o seu próprio caminho e em ser diferentes dos que as antecederam. O que eu queria dizer é que nunca é supérfluo lançar um olhar sobre a história, ao menos porque isso pode fornecer uma certa perspectiva que sempre projeta luz sobre a vida de cada qual. Já dizia Aristóteles que, se a religião é uma constante na história dos povos, não pode ser senão porque pertence à própria essência do homem. Por mais fortes que tenham sido, às vezes, a hostilidade e a influência secularizante do ambiente, nunca o homem foi totalmente indiferente a questão religiosa. Onde quer que as instituições religiosas tenham sido suprimidas e os fiéis perseguidos de uma maneira ou de outra, as idéias e as obras da religião voltaram a brotar uma e outra vez. As perguntas sobre o sentido da vida, sobre o enígma do mal e da morte, sobre o que acontecerá depois da morte, são perguntas a que nunca se pôde fugir. Deus está na própria origem existencial do homem.

Pode-se Atribuir tudo ao acaso?

- Mas não se pode pensar que o Universo inteiro é, simplesmente fruto do acaso?

Desde os tempos mais remotos, o homem interrogou-se com espanto sobre qual seria a explicação para toda essa harmonia que existe na configuração e nas leis do Universo. Quando o homem de hoje - comenta José Ramón Ayllón - observa a complexidade e perfeição dos processos bioquímicos no interior de uma célula, ou a dos mais gigantescos fenômenos de movimento e transformação das galáxias; quando assoma ao mundo microfísico e propõe leis que tentam explicar os fenômenos que acontecem em escalas de até um bilionésimo de milímetro; ou quando aprofunda na estrutura em grande escala do Universo até os limites de mais de um bilhão de bilhões de quilômetros - contemplando todo esse espetáculo grandioso, cada dia com maior profundidade graças aos avanços da ciência - torna-se cada vez mais difícil sustentar que tudo obedece a uma evolução misteriosa governada pelo acaso, sem que haja nenhuma inteligência por trás.

Onde existe um plano, tem de haver alguém que planeja.

E por trás de uma obra tão complexa e de tais proporções, tem de haver um Criador cujo poder e sabedoria transcendem qualquer medida. Pensar que toda a harmonia do Universo e todas as complexas leis da natureza são fruto do acaso seria como pensar que as andanças de Dom Quixote de La Mancha, escritas por Cervantes, podem ter aparecido íntegras extraíndo as letras ao acaso de uma gigantesca marmita com uma sopa de letras. Recorrer a um gigantesco acaso para explicar as maravilhas da natureza é uma explicação demasiado ingênua.

-Mas não é possível também sustentar, como dizem alguns, que o mundo sempre existiu?

Quando vemos um livro, um quadro ou um edifício, pensamos imediatamente que, por trás dessas obras, deve haver, respectivamente, um escritor, um pintor e um arquiteto. Assim como a ninguém passa pela cabeça pensar que o Quixote surgiu de um imenso monte de letras que caíram por obra do acaso sobre umas folhas de papel e se ordenaram precisamente dessa forma tão engenhosa, também não se pode dizer que aquele edifício "está aí desde sempre", ou que aquele quadro "se pintou a si mesmo", ou coisas desse tipo. Não podemos seriamente sustentar que o mundo "se fez soznho" ou que " se criou a si próprio". É uma incompatibilidade absolutamente evidente.

Tem de Haver Uma causa Primeira?

"- Não conheço nenhum oleiro - disse o vaso de barro - Nasci por mim mesmo e sou eterno."- “Ficou louco, coitado. O barro subiu-lhe à cabeça."

Assim expressava Franz Binhack, na sua obra Topfer und Topf (“Oleiro e vaso"), com um certo toque de humor, o que há de ridículo na atitude de quem fecha os olhos ante a inevitável pergunta sobre a origem do primeiro ser. Se de uma torneira sai água, é porque existe um encanamento que transporta esta água. E essa tubulação recebe-la-á de outra, e essa, por sua vez, de outra. Mas, em algum momento, os canos vão acabar e chegaremos ao reservatório. Ninguém afirmaria que sempre há água na torneira simplesmente porque os canos tem um comprimento infinito.

"Do nada - afirma Leo J.Trese - não podemos obter coisa alguma. Se não temos bolotas, não podemos plantar um carvalho. Sem pais não há filhos. Portanto se não existisse um Ser que fosse eterno (isto é um Ser que nunca tivesse começado a existir) e onipotente (capaz de fazer do nada alguma coisa), não existiria o mundo, e nós também não existiríamos. "Um carvalho origina-se de uma bolota, mas as bolotas crescem nos carvalhos. Quem fez a primeira bolota ou o primeiro carvalho?"Alguns evolucionistas diriam que tudo começou a partir de uma massa informe de átomos. Está bem, mas... quem criou essa massa de átomos? De onde procediam? Quem foi que dirigiu a evolução desses átomos, conforme leis que podemos descobrir, e que evitaram um desenvolvimento caótico? Alguém teve de fazê-lo. Alguém que, desde toda a eternidade, tenha possuído uma existência independente. Houve um tempo em que não existiu nenhum dos seres deste mundo, cada um deles deverá sempre a sua existência a outro ser. Todos, tanto vivos como os inertes, são elos de uma longa cadeia de causas e efeitos. Mas essa cadeia tem de chegar até uma causa primeira. Pretender que um número infinito de causas pudessem dispensar-nos de encontrar uma causa primeira seria a mesma coisa que afirmar que um pincel pode pintar sozinho


Há quem diga que é suficiente saber que os seres simplesmente existem. Que pouco importa saber de onde procedem e que, portanto, não é preciso pensar mais nisso.

Então estaríamos perto de dizer que não se deve pensar. Porque renunciar a uma parcela tão importante do pensamento equivale a deixar de lado uma parcela importante da realidade. Se vemos um paletó pendurado em uma parede (o exemplo é de Frank Sheed), mas não reparamos que está sustentado por um cabide, e isso nos leva a pensar que os paletós desafiam as leis da gravidade e se penduram das paredes pelo seu próprio poder, então não viveríamos no mundo real, mas num mundo irreal que nós mesmos forjamos. Da mesma forma, se observamos que as coisas existem e não vemos com clareza qual é a causa pela qual existem, e isso nos leva a negar ou a ignorar essa causa, estaríamos saindo do mundo real.

Um Pequeno "Drible" Dialético

Mas alguns filósosfos afirmaram que a relação causa-efeito não é senão uma dialética alheia à natureza, na qual os fenômenos se repetem de maneira incessante sem que essa relação de causa e efeito exista senão no nosso entendimento.

Não parece que a noção de causa seja uma simples elucubração humana. É algo que comprovamos todos os dias e que a ciência não cessa de invocar. "Se vejo umas crianças - observa André Frossard - a experiência diz-me que não se fizeram por si mesmas. Talvez um filósofo afirme que não posso demonstrá-lo, mas também ele se veria em apuros para demonstrar que estou errado se afirmo que surgiram de umas couves". Rejeitar dessa maneira a relação causa-efeito parece um atentado contra o bom senso. Na realidade, os que pensam assim, depois, na vida diária, não são consequentes com essa teoria. Sabem, por exemplo, que se meterem o dedo numa tomada, receberão o choque correspondente , e por isso procuram não fazê-lo. Sabem que a relação entre esse ato e o choque elétrico não é uma "dialética alheia à natureza" que "só exista no seu entendimento"…até porque o seu entendimento não está nos dedos. Quando - negando a evidência das causas - se diz que tudo o que existe é fruto do acaso, renuncia-se explicitamente ao uso da razão. A fé cristã confia totalmente na reta razão, mediante a qual se pode chegar ao conhecimento de Deus. Para os que creêm, a razão é inseparável da fé e deve ser respeitada como o que é, ou seja, um dom divino.

Mas se se pode chegar a Deus com as luzes da razão, para que é necessária a fé?

Não é difícil chegar a reconhecer que Deus existe. Acabamos de ver alguns raciocínios que nos levam a Ele, e veremos ainda muitos mais. De qualquer modo, nem sempre esse trabalho é fácil. Além de exigir - como acontece com todo o conhecimento - uma maneira reta de pensar e um profundo amor à verdade, é preciso levar em conta que, em muitos casos, nós, os homens, renunciamos a continuar a discorrer racionalmente, quando que contrariam os nossos egoísmos ou as nossas más paixões. Penso que esta pode ser uma das razões pelas quais Deus se adiantou e, dando-se a conhecer mediante a "Revelação," como sabemos, nos estendeu a mão. Assim, além disso, todos os homens podem conhecer todas essas verdades de modo mais fácil, com maior certeza e sem erros.

Um Conto de Fadas para Adultos

- Muitas pessoas dizem que a teoria do big bang, como tal, é perfeitamente a auto-criação do Universo, e portanto não precisa de Deus para explicar seja o que for.

O big-bang e a auto-criação do Universo são duas coisas bem diferentes. A teoria do big-bang, como tal, é perfeitamente conciliêvel com a existência de Deus*. (*Essa teoria diz que todo o universo se teria originado de um ponto inicial de massa e energia quase infinitas, mas a teoria nada afirma sobre a origem deste ponto inicial.) Mas, quanto à teoria da auto-criação - que sustenta, mediante explicações mais ou menos engenhosas, que o Universo se criou a si próprio do nada - seria preciso objetar duas coisas: Primeiro, que desde o momento em que se fala de criação a partir do nada, estamos já fora do método científico, já que o nada não existe e, portanto, não é possível aplicar-lhe o método científico. E, segundo, que é necessária muita fé para pensar que uma massa de matéria ou de energia possa ter-se criado a si mesma. Tanta fé, que o próprio Jean Rostand - para citar um cientista de reconhecida autoridade mundial nesta matéria e, no seu tempo, pouco suspeito de simpatia pela doutrina católica - chegou a dizer que essa história da auto-criação é como "um conto de fadas para adultos".

Afirmação que André Frossard reforça ironicamente dizendo que "se deve admitir que algumas pessoas adultas não são muito mais exigentes que as crianças a respeito dos contos de fadas[...]:as partículas originais, sem qualquer impulso nem direção exteriores, começam a associar-se, a combinar-se aleatoriamente entre elas para passar dos quasares aos átomos e dos átomos a moléculas de arquitetura cada vez mais complicada e diversa, até produzirem, depois de milhares de milhões de anos de esforços incenssantes, um professor de astrofísica de óculos e bigode. É o supra-sumo das maravilhas. A doutrina da Criação não pedia senão um milagre de Deus. A da auto-criação exige um milagre a cada décimo de segundo". Um milagre contínuo, universal e sem autor.

Evolução: está certo, mas a partir do quê?

- Há quem entenda a história do Universo como a evolução dos organismos vivos que emergiram da matéria e alcançaram um certo grau de complexidade...

Para os que defendem essas teorias, parece que o mundo é apenas um questão de geometria extraordinariamente complexa. No entanto, por mais que algumas estruturas se compliquem, e por mais que se admita uma vertiginosa evolução da sua complexidade, essa evolução da substância material depara com pelo menos duas objeções importantes. A primeira é que a evolução nunca explicaria a origem primeira dessa matéria incial. A evolução transcorre no tempo; tem por pressuposto a Criação. A segunda é que a passagem da matéria para a inteligência humana é um salto ontológico - um salto no modo de ser de cada coisa - que não se pode dever a uma simples evolução fruto do acaso. Por muito que a matéria se desenvolva, não é capaz de produzir um só pensamento que lhe permita compreender-se a si mesma, do mesmo modo que - como exemplifica André Frossard - nunca veríamos um triângulo que, depois de um extraordinário processo evolutivo, notasse de repente, maravilhado, que a soma dos seus angulos internos é igual a cento e oitenta graus.

- Há algum inconveniente em que um católico acredite na evolução das espécies? Muitos dizem que não faz sentido que a Igreja continue relutante em aceitar um dado que está provado cientificamente.

Talvez não estejam bem informados, porque a Igreja Católica não tem inconveniente algum em aceitar a evolução do corpo humano a partir de um primata. Para conciliar a doutrina da evolução humana com a teologia católica, é suficiente admitir que Deus agiu num momento determinado sobre o corpo do primeiro casal, infundindo-lhes uma alma humana. Deus pôde, com efeito, ir formando o corpo do homem a partir de alguma espécie de primata em evolução, de acordo com um projeto desenhado por Ele, e quando esse primata alcançou o grau de desenvolvimento requerido, dotou-o de alma humana. A Igreja não tem nenhum inconveniente em que um católico aceite essa hipótese, se a considera digna de crédito.


- Então um católico não tem de acreditar ao pé da letra no relato da Criação que aparece no Gênesis?

Não é preciso acreditar ao pé da letra. O relato do ato da Criação que o Gênesis oferece, não pretende seu uma explicação científica sobre a origem do ser humano. As descrições de fenômenos físicos ou naturais que encontramos na Bíblia não pretendem proporcionar-nos diretamente ensinamentos em matéria científica, e os detalhes contidos nessas descrições também não afetam diretamente a doutrina da salvação. Observa-se perfeitamente que a narrativa do Gênesis é um esquema teológico, que não pretende ser histórico, mas proporcionar uma visão geral das verdades mais fundamentais, a fim de deixar claro que o mundo procede somente do poder de Deus. O modo como o processo se levou a cabo é uma questão que a Bíblia deixa completamente em aberto. O autor do Gênesis não se propunha dar aulas de astrofísica ou de biologia molecular. Dá a entender que todo o homem, e o homem todo, em corpo e alma, vem de Deus, depende de Deus e foi criado por Deus; que o Universo não é auto-suficiente e que Deus é o Criador e Senhor de todas as coisas. As aparentes divergências que parecem observar-se entre algumas narrativas bíblicas e os conhecimentos científicos atuais devem-se ao sentido matafórico ou figurado com que, em alguns casos, os autores sagrados escreviam, ou então a um modo diferente de expressar-se, de acordo com as aparencias sensíveis ou a maneira de falar do povo da época.

Deus pode caber na minha cabeça?

A grandeza de um homem está em saber reconhecer sua pequenez - Blaise Pascal

Reconhecer as nossas limitações

Se um aluno do colegial vai um dia à Universidade e assiste a uma aula de doutorado que trata de uma matéria especialmente complexa, não deve estranhar que perca com frequência o fio da explicação (se é que em algum momento chegou a tê-lo nas mãos). Pensará que isso é natural, já que a matéria está muito acima da sua compreensão. Algo de semelhante acontece com a compreensão da natureza de Deus que o homem pode alcançar. Se o estudante do nosso exemplo dissesse que tudo o que ouviu nessa aula é mentira pela simples razão de que ele não entendeu nada, seria preciso fazê-lo ver - educadamente, sem dúvida - que não é a sua capacidade de entender as coisas que faz com que elas sejam verdadeiras. A verdade não tem obrigação de ser correspondida inteiramente por todas as pessoas. E isto não quer dizer que as pessoas sejam tolas, nem que se deva renunciar a razão, mas apenas que é preciso reconhecer que temos limitações. Por isso, disse Pascal e era um grande cientista – que a "grandeza de um homem está em saber reconhecer a sua pequenez".Para voltarmos ao nosso exemplo, o professor de pós-graduação talvez possa tornar a matéria mais acessível, com exemplos ou simplificações mais ou menos felizes que ajudem o aluno a entende-la. E também poderá refutar, com maior ou menor acerto pedagógico, as objeções que o rapaz levante. Mas não conseguirá faze-lo entender todas as aulas perfeitamente e até as últimas consequências. Porque está em outro nível.

Pensar que alguém é tão inteligente que possa abarcar Deus por completo é de uma ingenuidade tão espantosa como presunçosa. É, mais ou menos, como se o aluno do nosso exemplo pensasse que entendeu perfeitamente tudo o que escutou na aula (neste caso provavelmente teria entendido algo muito diferente do que realmente foi explicado). Se alguém diz que Deus não existe porque não cabe por completo na sua cabeça, será preciso fazê-lo considerar que, já não seria Deus. E isso não tem nada a ver com a possibilidade de a razão humana demonstrar a existência de Deus. A razão é capaz de chegar a Deus, mas demonstrar a existência de Deus não é compreender inteiramente o ser de Deus. Para crer, é preciso reconhecer humildemente - e sei que é difícil ser humilde - as limitações da razão humana. Assim poderemos aproximar-nos de uma realidade que é muito superior a nós.

Mas Deus não poderia ter feito alguma coisa para que O conhecêssemos mais facilmente?

Penso que já fez muito, uma vez que se “Revelou”. Talvez seja o homem quem precise fazer alguma coisa mais. Além disso, quem somos nós para prescrever a Deus o modo mais adequado de Se dar a conhecer? Deus não quis obrigar o homem a reconhecê-lo forçosamente. A razão humana pode demonstrar a existência de Deus e conhecer bastante sobre a Sua natureza. Mas não pode chegar por si só a alcançar muitas outras verdades relativas à natureza de Deus. O fato de o homem não conseguir captar algumas verdades não tem porque por em causa essas verdades. Como explica Mariano Artigas, isso também acontece continuamente nas ciências. Por exemplo, ninguém duvida da existência das partículas sub-atômicas, apesar de chocarmos com dificuldades - que, por enquanto são insolúveis - quando tentamos explicar a sua natureza. Mas essas dificuldades não impedem que tenhamos muitos conhecimentos bem comprovados sobre essas partículas e que possamos utilizá-las como base de algumas tecnologias muito avançadas. A fé é compatível com a razão, mas é difícil para o homem chegar a compreendê-la em profundidade com o auxílio exclusivo da razão. Por isso, a “Revelação” constitui uma grande ajuda no laborioso caminho da inteligência humana.

Crer em Alguma Coisa Que Não Estou Certo que Exista?

Há homens que se declaram agnósticos porque dizem que ninguém conseguiu demonstrar-lhes de forma convincente que Deus existe. Dizem que não podem rezar a um ser de quem não sabem com certeza se existe, porque seria como lançar ao mar mensagens numa garrafa, sem saber se alguém as apanhará.No entanto, os náufragos em ilhas desertas lançavam ao mar garrafas com mensagens dentro; pelo menos, é o que se conta. E imagino que o faziam porque confiar em alguma coisa que não é uma certeza esmagadora e incontestável não tem por que ser uma atitude absurda. Absurdo seria ficar sem fazer nada por não saber com toda a certeza de alguém chegará algum dia a encontrar a garrafa.

Sim, mas eles optam por não arriscar nada, e por isso preferem não crer em nada, já que não há nada claramente demonstrado.

Com esse modo de pensar, seria preciso deixar de acreditar até que se é filho dos próprios pais - peço desculpas pelo exemplo um pouco contundente - como a única solução segura para evitar o risco de amar pais falsos. A maioria de nossos conhecimentos procede da fé humana, isto é, do testemunho de outras pessoas e, na maioria dos casos, não podemos comprová-los. E isso inclui dados tão simples como quem são os nossos pais, o nosso lugar e data de nascimento, a maior parte da geografia e da história, e um lomguíssimo etcétera. No entanto costumamos acreditar que o remédio que tomamos é o que está indicado na caixa, ou que as placas de sinalização das estradas nos vão mandar ao lugar indicado, ou que realmente existe aquele país distante que aparece nos mapas e do qual a imprensa tanto fala, mas que nunca visitamos. Porque isso é o que é sensato. Passamos a vida inteira - todos, também aqueles que dizem não acreditar em nada - tendo fé em muitas coisas, correndo riscos, confiando no que não está claramente provado. Fé quer dizer crédito ou confiança. Se quizéssemos demonstrar tudo, acabaríamos por ver-nos metidos num processo infinito em que a desconfiança absoluta limitaria drasticamente os nossos movimentos e atos, e a nossa vida ficaria reduzida ao pequeníssimo âmbito daquilo que cada qual pode compreender pessoalmente. Por isso, o fato de a fé em Deus exigir uma atitude de aceitação é também algo muito sensato. O que não seria sensato é o ceticismo absoluto, ou pedir um desproporcionado grau de segurança. E menos sensato ainda se só se exigisse isso em questões de religião ou de moral. A própria amizade, sem ir mais longe, requer o exercício da fé e da confiança, já que, sem elas, nenhum amigo seria digno desse nome. Assim o entendia um pensador da Antiguidade, que se perguntava: "Como posso afirmar que não se deve acreditar em nada sem conhecê-lo diretamente, se, no caso de não se acreditar em nada que a razão não possa demonstrar com toda a certeza, não existiriam nem a amizade, nem o amor".

Acreditar em alguma coisa que me complica a vida?

- Por vezes, a resistência a crer em Deus é, sobretudo, uma resistência da vontade para evitar complicações morais .

Se, dúvida, e por isso muitos agnósticos se amparam na desculpa de que não se pode conhecer com certeza a existência de Deus, para assim viverem na prática como se Ele não existisse. E resolvem as suas dúvidas intelectuais apostando, na prática, pela não existência de Deus, como uma segurança e assumindo uns riscos difíceis de conciliar com os raciocínios de que partem.* (A palavra agnóstico, em grego: agnosceo significa "não sei"). Essa atitude pode ser muito atraente para aqueles que procuram eludir algumas das obrigações morais que a existência de Deus traz consigo, pois lhes permite evitar o incômodo de refutá-las. Dessa maneira, o seu agnosticismo acaba por ser uma simples fachada intelectual que esconde alguns posicionamentos que talvez pareçam comodos, mas são, sem dúvida, muito pouco consistentes. Há outros - a quem talvez devessemos elogiar inicialmente pela sua sinceridade - que afirmam crer em Deus, mas preferem colocá-lo entre parênteses porque, por algum motivo mais ou menos inconfessado, não tem interesse em ver afetada a sua vida. É o indiferentismo, que, embora possa ser efetivamente sincero, não parece um exemplo de coerência. Outros professam uma espécie de agnosticismo estético, e fazem, equilíbrios difíceis entre o ceticismo e a busca da aprovação social, ou entre o medo ao compromisso e o medo ao "que dirão". Parecem pensar que a incredulidade é uma prova de elegância e sabedoria, e talvez seja por isso que chegam ao extremo de fingi-la. Em qualquer caso, são atitudes nascidas de decisões pessoais, que podem ser tomadas com toda a liberdade, certamente, mas que com frequência, não se baseiam numa argumentação intelectual muito rigorosa. A argumentação costuma vir depois da decisão, para justificá-la.

Agnosticismo e Cálculo de Probabilidades.

- Outros - e parece que o dizem honestamente - garantem que, se alguém os convencesse de que Deus existe, se converteriam. Mas que não podem forçar um fé que não possuem. Chegam a dizer que gostariam de ter a sorte de possuir essa fé que faz os outros tão felizes.

Poderíamos inverter-lhe o raciocínio: que sejam eles a demonstrar que Deus não existe ou não pode ser conhecido, e, então, seria você que se converteria à posição deles.

- Penso que uma pessoa dessas começaria por dizer que não tem nenhum interesse em converter-me, como parece que eu tenho.

Acho que todo ser humano que esteja realmente persuadido de conhecer alguma verdade deve ter o desejo de compartilhá-la com os outros. Procurar que os outros se aproximem daquilo que uma pessoa considera verdadeiro - respeitando-lhe sempre a liberdade, sem dúvida - é algo positivo.

Nesse caso, o meu interlecutor diria que, como também não se pode demonstrar que Deus não existe, mas a Sua existência oferece dúvidas, parece-lhe razoável apostar por qualquer das duas opções. Mas ele, na prática, vive como se Deus não existisse. Em última instância, vive de acordo com alguma coisa que não pode demonstrar. No fundo, tem fé em alguma coisa, na não-existência de Deus, mas com agravante de que, se efetivamente, no fim, vier a acontecer que Deus existe - como descobriremos pessoalmente dentro de não muito tempo - o mais provável é que ele tenha saído perdendo nessa aposta e pelos séculos dos séculos.

Mas dirá que, se no fim acontece que Deus não existe, é voce quem perde, e Ele, pelo contrário, sai ganhando.

Não é tão seguro assim afirmar que aqueles que vivem à margem de Deus levam uma vida mais feliz. Eles próprios reconhecem muitas vezes – você mesmo o comentava atrás - que até gostariam de ter a fé que torna os outros tão felizes. E é lógico que assim suceda, já que ter fé é sempre servir um valor mais elevado e todo o homem - queira ou não - é servo das coisas em que põe a sua felidade. De modo que,se no fim da vida se comprova que Deus existe, o agnótico terá apostado no erro de maior transcendência que pode haver. E mesmo que Deus não existisse, o que é ele sairia ganhando? Portanto, até por esta razão de probabilidade, parece bastante razoável apostar na fé. Pascal resumia-o assim : Prefiro errar crendo num Deus que não existe a errar não crendo num Deus que existe." Porque - acrescentava com o seu habitual pragmatismo de cientista – se depois não há nada, evidentemente nunca o saberei, quando me afundar no nada eterno; mas se existe alguma coisa, se existe Alguém, terei que prestar contas da minha atitude de rejeição".Por outro lado, se Deus existe, tem de haver uma religião, pois a religião é própria da relação natural entre qualquer ser racional e aquele que o criou. Assim como é natural que um filho se relacione com os seus pais, pela simples razão de que o trouxeram ao mundo, o natural no homem é manter um relacionamento com o seu Criador, e pode-se dizer que isso é religião.


Fonte: É Razoável Crer? Questões Atuais sobre a Fé – AGUILÓ Alfonso – Tradução: Roberto da Silva Martins - Editora Quadrante - São Paulo 2006 - Coleção Vértice; Pags.8-25

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