terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Sobre a Fé - São Tomás de Aquino


O primeiro bem necessário para o cristão é a fé. Sem a fé ninguém pode ser chamado de fiel cristão.

A Fé produz quatro bens:

1- É a união da alma com Deus. Pela fé realiza-se uma espécie de matrimônio entre a alma e Deus, conforme se lê no Profeta Oséias: Desposar-te-ei na fé (2,20). Quando o homem é batizado, deve, em primeiro lugar, confessar a fé ao responder à pergunta – Crês em Deus? - porque o Batismo é o primeiro Sacramento da Fé. O Senhor mesmo disse: O que Crer e for batizado será salvo.

O Batismo sem fé é destituído de valor. Deve-se, portanto, ter por certo que ninguém pode ser aceito por Deus sem a fé. Sem a fé é impossível agradar a Deus, diz São Paulo (Heb 11,6). Santo Agostinho, comentando este texto da carta aos Romanos Tudo o que não procede da fé é pecado (14,23), assim se expressa: Onde não existe o conhecimento da verdade eterna e imutável, a virtude é falsa mesmo nas pessoas retas

2- Pela fé é iniciada em nós a vida eterna. E ela não consiste senão em conhecer a Deus, conforme lê-se em São João: ”Esta é a vida eterna que Vos conheçam como único Deus verdadeiro” (17,3). Esse conhecimento de Deus inicia-se aqui pela fé, mas é completado na vida futura, quando O conhecemos tal como é. Por isso lê-se na carta aos Hebreus: ”A fé é a substância das coisas que se esperam (11,1). Ninguém alcançará a bem-aventurança eterna, sem que tivesse primeiramente o conhecimento da fé, pois está escrito: Bem-aventurados os que não viram e creram (Jo 20,29).

3- O terceiro bem consiste: A vida presente é orientada pela fé. Para que o homem viva bem, é mister que conheça os princípios do bem viver. Se pelo próprio esforço devesse aprender esses princípios, ou não chegaria a conhece-los, ou só os poderia conhecer após um longo tempo. Mas a fé ensina todos os princípios do bem viver. Ora, ela ensina que há um só Deus, que Deus recompensa os bons e pune os maus, que existe uma outra vida, e outras verdades semelhantes. Esse conhecimento é suficiente para nos levar a praticar o bem e evitar o mal, pois diz o Senhor: o meu justo vive da fé.

Eis porque nenhum filósofo antes de Cristo, apesar do grande esforço intelectual que despendia, pôde chegar ao conhecimento de Deus e dos meios necessários para alcançar a vida eterna, como, depois do advento de Cristo, qualquer velhinha o pôde pela fé. Eis porque Isaias prefetizou esse advento nestes termos: Encheu-se a terra da ciência de Deus.

4- Pela fé vencem as tentações, conforme lê-se nas Escrituras: Os santos pela fé venceram os reinos (Hb 11,23). As tentações procedem do diabo, do mundo, ou da carne. O diabo tenta para que tu não obedeças nem te submetas a Deus. Ora, é pela fé que o repelimos, porque é pela fé que conhecemos que há um só Deus e que só Ele devemos obedecer. Por isso escreveu São Pedro: o diabo, vosso adversário, está rondando para ver se devora alguém: a ele deveis resistir pela fé (1 Pe 5,8).

O mundo nos tenta, seduzindo-nos na prosperidade, ou nos atemorizando nas advesidades. Mas ambas as tentações, vencemo-las pela fé. Ela nos faz crer numa vida melhor, e, por isso, desprezamos as prosperidades do mundo e não tememos as adversidades. Eis porque está escrito: Esta vitória que vence o mundo, a vossa fé (1 Jo 5,4). Além disso, a fé nos ensina a acreditar que há males maiores, isto é, que existe o inferno.

A carne nos tenta, conduzindo-nos para os deleites momentâneos da vida presente. Mas a fé nos mostra que por eles, se a eles indevidamente aderimos, perderemos os deleites eternos. Por isso nos aconselha o Apóstolo: Tende sempre nas mãos o escudo da fé (Ef 6, 16).

Por essas razões fica provado que é muito útil ter fé.

Mas pode alguém objetar: é insensatez acreditar naquilo que não se vê: não se deve crer senão naquilo que se vê. Respondo a esta objeção com os seguintes argumentos:

Primeiro: É a própria imperfeição da nossa inteligência que desfaz essa dúvida. Realmente, se o homem pudesse por si mesmo conhecer perfeitamente as coisas visíveis e invisíveis, seria insensanto acreditar nas coisas que não vemos. Mas o nosso conhecimento é tão limitado que nenhum filósofo até hoje conseguiu perfeitamente investigar a natureza de uma só mosca. Conta-se até, que certo filósofo levou trinta anos do deserto para conhecer a natureza das abelhas. Ora, se a nossa inteligência é assim tão limitada, é muito maior insensatez não querer acreditar am algo, a respeito de Deus, a não ser naquilo que o homem pode conhecer d’Ele por si mesmo. Lê-se no livro de Jó: Eis como Deus é grande e ultrapassa a nossa ciência.

Segundo: Considerando, por exemplo, um mestre que assimilou uma verdade e um aluno pouco inteligente que a entendeu diversamente, porque não a atingiu. Ora, esse aluno pouco inteligente deve ser considerado como bastante tolo. Sabemos que a inteligência dos Anjos ultrapassa a do maior filósofo, como a deste, a inteligência dos ignorantes. Portanto seria tolo o filósofo que não acreditasse nas coisas ditas pelos Anjos. Ele seria muito mais tolo se não acreditasse nas coisas ditas por Deus. Lê-se, a esse respeito, nas Escrituras: Foram-te apresentadas muitas verdades que ultrapassam a inteligência do homem (Ecle 3,25).

Terceiro: Se o homem não acreditasse senão nas coisas que vê, nem poderia viver neste mundo. Pode alguém viver sem acreditar em outrem? Como pode tu saber que este é teu pai? É , pois, necessário que o homem acredite em alguém, quando se trata de coisas que por si só não as pode conhecer. Ora, ninguém é mais digno de fé do que Deus. Por conseguinte, os que não acreditam nas verdades da fé não são sábios, mas tolos e soberbos. São Paulo refere-se a esses como sendo – soberbos e ignorantes… (1 Tim 6,4). Por isso São Paulo diz de si: Sei em quem acreditei e tenho certeza… (2 Tim 1,12). Tudo isso é confirmado no livro do Eclesiático: Vós que temeis o Senhor, acreditai n’Ele (2,8).

Quarto: Pode-se ainda responder dizendo que Deus comprova as verdades de fé. Se um rei enviasse suas cartas com o selo real, ninguém ousaria dizer que aquelas cartas não eram do próprio rei. É claro que as verdades nas quais os Santos acreditaram e que nos transmitiram como sendo de fé cristã, estão seladas com o selo de Deus. Tal selo é significado por aquelas obras que uma simples criatura não pode fazer, isto é, pelos milagres. Pelos milagres Cristo confirmou as palavras dos Apóstolos e dos santos.


Podes, porém, replicar, dizendo que ninguém viu esses milagres. É fácil responder esta objeção. É conhecido que todaa humanidade prestava culto aos ídolos e que a fé cristã foi perseguida, confirmando-o, além do mais, a história do paganismo. Converteram-se todos a Cristo, porém, em pouco tempo. Os sábios, os nobres, os ricos, os governos e os grandes converteram-se pela pregação de poucos homens rudes e pobres. Ora, não há saída: ou se conerteram porque viram milagres, ou não. Se foi porque viram milagres que se converteram, a tua objção não tem sentido. Se não o foi, respondo que não poderia haver maior milagre que esse de todos os homens converterem-se sem ter visto milagres. Deves te dar por vencido.

Eis porque ninguém pode duvidar da fé. Devemos acreditar mais nas verdades da fé do que nas coisas que vemos. Porque a vista do homem pode falhar, mas a ciência de Deus é sempre infalível.


Fonte: Exposição sobre o Credo – AQUINO, Santo Tomás – Edições Loyola - 5ª Edição: 2002. ps. 17-21.

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