domingo, 8 de março de 2009

Mérito



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Fonte: A Fé Explicada - padre Léo Trese - Editora Quadrante.

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Certa vez, li na secção de pequenas notícias de um jornal, que um homem construiu uma casa para a sua família. Ele mesmo executou quase todas as obras, investindo todas as suas economias nos materiais. Quando a terminou, verificou com horror que se tinha enganado de propriedade e que a tinha construído no terreno de um vizinho. Este, tranquilamente se apossou-se da casa, enquanto o construtor não pôde fazer outra coisa senão chorar o dinheiro e o tempo perdidos.

Por lamentável que nos pareça a história deste homem, não chega a ter importância se a compararmos com a pessoa que vive sem a graça santificante. Por nobres e heróicos que sejam as suas acões, não tem valor aos olhos de Deus. Se não recebeu o Batismo ou está em pecado mortal, essa alma separada de Deus vive os seus dias em vão. As suas dores e tristezas, os seus sacrifícios e bondades, tudo está desprovido de valor eterno, desperdiça-se diante de Deus. Não existe mérito no que é esse faz.

Então, que é esse Mérito?

O Mérito foi definido como:

Aquela propriedade de uma obra boa que habilita quem a realiza a receber uma recompensa. Estou certo de que todos concordamos em afirmar que, em geral, agir bem exige certo esforço. É fácil ver que alimentar um faminto, doente ou fazer um favor ao próximo requer certo sacrifício pessoal. Vê-se facilmente que estas ações têm um valor, merecem, ao menos potencialmente, um recompensa. Mas esta recompensa não pode ser pedida a Deus se Ele não teve parte nessas ações, se não existe comunicação entre Deus e aquele que as faz. Se um operário não quer que o incluam na folha de pagamento, não poderá exigir seu salário, por mais que trabalhe.

Por isso, só a alma que está em graça santificante pode adquirir méritos pelas suas ações. É esse estado que dá valor de eternidade a uma ação. As ações humanas, se são puramente humanas, não têm nenhuma significação sobrenatural. Só adquirem valor divino r quando se tomam obras do próprio Deus. E as nossas ações são em certo sentido obra de Deus quando Ele está presente numa alma pela graça santificante.

Diante de Deus, em sentido estritamente jurídico, não há mérito da parte do homem. Entre Ele e nós, a desigualdade é infinita, pois dEle, que é nosso Criador, recebemos tudo. [...] Aliás, o próprio mérito do homem depende de Deus, pois as suas boas ações procedem, em Cristo, das inspirações e do auxílio do Espírito Santo [...] A caridade de Cristo em nós constitui a fonte de todos os nossos méritos diante de Deus. A graça, unindo-nos a Cristo com um amor ativo, assegura a qualidade sobrenatural dos nossos atos e, por conseguinte, o seu mérito tanto diante de Deus como diante dos homens. Os santos sempre tiveram viva consciência, de que seus méritos eram pura graça" (ns. 2007 e 2011; cf. ns.. 2571-85 e 2588-9). E isto é tão verdadeiro que a menor das nossas ações adquire valor sobrenatural quando a fazemos em união com Deus. Tudo o que Deus faz, ainda que o faça através de instrumentos livres, tem valor divino. Isto permite que a menor das nossas obras, desde que moralmente boa, seja meritória enquanto tivermos a intenção, ao menos habitual, de fazer tudo por Deus.

Se o mérito é "a propriedade de uma obra boa que habilita quem a realiza a receber uma recompensa", a pergunta imediata e lógica será: Que recompensa? As nossas ações sobrenaturalmente boas merecem o quê?

A recompensa é tripla:

1 - uma aumento de graça santificante
2- a vida eterna
3- maior glória no céu.

Sobre a segunda parte desta recompensa - a vida eterna - é interessante ressaltar um aspecto: para a criança batizada, o céu é uma herança que lhe cabe pela sua adoção como filha de Deus , incorporada em Cristo; mas para o cristão no uso da razão, o céu é tanto herança como recompensa que Deus promete aos que O servem.
Quanto ao terceiro elemento do prêmio - uma maior glória no céu - vemos que é consequência do primeiro. O nosso grau de glória dependerá do grau de união com Deus, da medida em que a graça santificante tiver empapado a nossa alma. A nossa capacidade de glória no céu crescerá tanto quanto crescer a graça em nós.

No entanto, para alcançarmos a vida eterna e o grau de glória que tenhamos merecido, devemos, é claro, morrer em estado de graça. O pecado mortal arrebata todos os nosso méritos, como a falência de um banco arruína as economias de toda uma vida. E não há maneira de adquirir méritos depois da morte, nem no purgatório, nem no inferno, nem sequer no céu. Esta vida - e só esta vida - é o tempo de prova, o tempo de merecer.

Mas é consolador saber que os méritos que podemos perder pelo pecado mortal se restauram tão logo a alma se reconcilia com Deus por um ato de contrição perfeita ou por uma confissão bem feita. Os méritos revivem no momento em que a graça santificante volta à alma. Em outras palavras, o pecador contrito não tem que começar de novo: o seu tesouro anterior de méritos não está perdido para sempre.

Pra você e pra mim, que siginifica na prática, viver em estado de graça santificante?

Para responder à questão, observemos dois homens que trabalham juntos no mesmo escritório. Para quem os observa casualmente, os dois são muito parecidos. Tem a mesma categoria de trabalho, ambos são casados e tem família, ambos levam essa vida que poderíamos qualificar como "respeitável". Um deles, porém, é o que chamaríamos de "indiferente". Não pratica nenhuma religião e poucas vezes, para não dizer nenhuma, pensa em Deus. A sua filosofia é que a felicidade de cada qual depende dele mesmo, e por isso, deve procurar tirar da vida tudo o que esta pode oferecer. "Se eu não o consigo - diz ele - ninguém fará por mim".

Não é um mau homem. Pelo contrário, em muitas coisas despesperta admiração. Trabalha como um escravo porque quer triunfar na vida e dar à família tudo o que haja de melhor. Dedica-se sinceramente aos seus: orgulhoso da mulher, a quem considera uma companheira encantadora e generosa, devotado filhos, nos quais vê uma prolongação de si mesmo. "Eles são a única imortalidade que me interessa", diz ele aos seus amigos. É um bom amigo, apreciado por todos os que o conhece, moderadamente generoso e consciente dos seus deveres cívicos. A sua laboriosidade, sinceridade, honradez e delicadeza não se baseiam em princípios religiosos: "Isso é decente ou honesto - explica -; tenho que fazê-lo por respeito a mim mesmo e aos outros".

Temos aqui em breves traços o retrato do homem "naturalmente" bom. Todos nós tropeçamos com ele alguma vez e, ao os externamente, enchemo-nos de vergonha pensando em mais de uma pessoa que se chama cristã, mas parece encontrar-se se muito abaixo na escala moral. E, apesar disso, sabemos que esse homem falha no mais importante. Não faz o que é decente, não se comporta com respeito por si mesmo e pelos seus, porque ignora a única coisa realmente necessária, o fim para que foi criado: amar a Deus e provar esse amor cumprindo vontade divina. Precisamente por ser tão bom em coisas menos transcendentais, a nossa compaixão por ele é maior, a nossa oração por ele mais compassiva.

Dirijamos agora a nossa atenção ao outro homem.

Eesse que trabalha sentado à mesa, diante de um computador ou no balcão contíguo. À primeira vista, parece uma cópia do primeiro; não há diferença: em posição, família, trabalho e personalidade. Mas existe uma diferença incalculável que os olhos não podem apreciar facilmente, porque reside na intenção. A vida do segundo não se baseia no "decente" ou no "respeito por si mesmo", ou, menos, não principalmente. Os afetos e aspirações naturais, partilha com todo o gênero humano, nele se transformam afetos e aspirações mais altos: o amor a Deus e o desejo de cumprir a sua Vontade.

A sua esposa não é apenas a companheira no lar; é também companheira no altar. Ele e ela estão associados a Deus e ajudam-se mutuamente a caminhar para a santidade, cooperam com Deus na criação de novos seres humanos destinados à glória eterna. O amor que dedica aos filhos não é a mera extensão do amor por si mesmo; vê-os como uma solene prova de confiança que Deus lhe dá, considera-se como simples administrador

O seu trabalho é mais do que uma oportunidade de ganhar a vida e progredir. É parte da sua paternidade sacerdotal, é meio para atender às necessidades materiais da sua família e parte do plano querido por Deus para ele. Realiza assim o melhor que pode o seu trabalho, porque compreende que ele próprio é um instrumento nas mãos de Deus para completar a obra da Criação no mundo.

"O trabalho humano procede imediatamente das pessoas criadas à imagem de Deus e chamadas a prolongar, umas para as outras, a obra da criação dominando a terra. O trabalho é, pois, um dever: Se algum de vós não quer trabalhar, também não coma (2 Tes 3, 10). O trabalho honra os dons do Criador e os talentos recebidos. Também pode ser redentor. Suportando em união com Jesus, o artesão de Nazaré e o crucificado do Calvário, o que o trabalho tem de penoso, o homem colabora de maneira com o Filho de Deus na sua obra redentora e mostra-se discípulo de Cristo, carregando a cruz de cada dia na atividade que é chamado a realizar. O trabalho pode ser um meio de santificação e uma animação das realidades terrenas no Espírito de Cristo" (CIC. n. 2427).

A Deus só pode oferecer o melhor, e este pensamento acompanha-o ao longo do dia. A sua cordialidade natural está impregnada de espírito de caridade; a sua generosidade, aperfeiçoada pelo desprendimento; a sua delicadeza, imbuída da compaixão de Cristo. Talvez não pense freqüentemente nestas coisas mas também não passa o dia dependente de si mesmo e das suas virtudes. Começou a jornada com o ponto de mira bem centrado: em Deus e longe de si. "Meu Deus - disse ele -, ofereço-te todos os meus pensamentos, palavras e ações, e as contrariedades de hoje ... " Talvez tenha dado ao seu dia o melhor dos com assistindo à missa.

Mas existe outra coisa que é imprescindível para fazer homem um homem autenticamente sobrenatural. A reta intenção é necessária, mas não basta. O seu dia deve não só dirigir-se a Deus, como deve ser vivido em união com Ele, para que tenha valor eterno. Em outras palavras, esse homem deve viver estado de graça santificante.

Em Cristo, a mais insignificante das ações tinha valor infinito, porque a sua natureza humana estava unida à sua natureza divina. Tudo o que Jesus fazia, Deus o fazia. De modo semelhante - mas só semelhante -, o mesmo se passa conosco.
Quando estamos em estado de graça, não possuímos a natureza divina, mas participamos da natureza de Deus, compartilhamos a vida divina - de uma maneira especial. Em conseqüência, qualquer coisa que façamos - exceto o pecado -, Deus o faz por nós.

Deus, presente presente na nossa alma, vai dando valor eterno a tudo o que fazemos.

As mais caseiras das ações - limpar o nariz da criança ou trocar uma lâmpada - merece um aumento de graça santificante e um grau mais alto de glória no céu, se a nossa vida está Deus.

Eis o que significa viver em estado de graça santificante, eis o que significa ser um homem sobrenatural.

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