A Doutrina Católica, a vida dos Santos, o Itinerário Espiritual do Cristão, me fascinam. Leio tudo incansavelmente e trago para o Blog. Que ele sirva de formação para perseverarmos na verdade da fé, defendendo-nos contra as astúcias do inimigo, para a Glória de Nosso Senhor.
domingo, 29 de março de 2009
Quando Eu Voltar
Por Pierre Charles
***
Jesus, retomando a palavra, disse: Um homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos ladrões, que o despojaram, e, tendo-lhe feito feridas, retiraram-se, deixando-o meio morto. Ora aconteceu que descia pelo mesmo caminho um sacerdote, o qual, quando o viu, passou de largo. Igualmente um levita, chegando perto daquele lugar e vendo-o, passou adiante. Um samaritano, porém, que ia de viagem, chegou perto dele, e, quando o viu, moveu-se de compaixão e, aproximando-se, cuidou de suas feridas, lançando nelas azeite e vinho. Pondo-o depois sobre o seu jumento, levou-o a uma estalagem e teve cuidado dele. No dia seguinte tirou dois denários, deu-os ao estalajadeiro e disse-lhe:· Tem cuidado dele; quanto gastares a mais, eu to satisfarei quando voltar (Lc 10, 30- 35).
Muito se tem falado do bom samaritano. Desde que Vós no-lo propusestes como exemplo, ou antes, desde que entrevimos a vossa bondade através da sua, ele se nos tornou caro e desejamos assemelhar-nos a ele. Isto é perfeito, meu Deus, ninguém ousa negá-lo; mas confesso que me sinto por vezes embaraçado, quando tento aplicar a vossa parábola a tantos cristãos de existência obscura e meritória. Nem todos podemos Socorrer feridos no caminho de Jericó. A Vossa Providência não nos permite desempenhar sempre este papel importante na salvação das almas. Quando somos forçados a dar aulas a crianças da aldeia durante cinqüenta anos, não podemos fugir a essa tarefa para percorrer montes e vales em busca de grandes pecadores.Quando se é na famíla a boa tia caridosa ou a avozinha amável, não ousa dizer que se derramou vinho e bálsamo em feridas profundas, nem que se salvou o próximo das garras dos ladrões.
Haveria muita declamação nesses dizeres. As almas sinceras fogem disso, e assim, não sabem por vezes traduzir na prática a lição do bom samaritano. A existência parece-lhes sem brilho e falha, porque nunca levaram até à hospedaria, deitado em arreios, grande ferido de que nos fala o Evangelho. Será que essas almas retas não descobrem nenhuma mensagem na Vossa parábola?
Quando resplandecem os faróis luminosos, desaparece a claridade das velas; a ação brilhante do bom samaritano parece ofuscar a virtude sólida e fiel do estalajadeiro, seu colaborador. Esse pobre staularius tem sido pouco considerado pela tradição. Quase não se tem pensado em interrogá-lo. No entanto, esse servo silencioso reflete tão bem a nossa imagem! A sabedoria divina colocou-o nesta história para nosso ensino. Refletindo nela, descobre-se que ele teve a maior parte do trabalho e mostrou a mais perfeita fidelidade.
O cavaleiro deixou em casa do estalajadeiro o ferido, todo coberto de ataduras, e disse-lhe: Cuida bem dele, meu caro amigo! Depois, tirou da bolsa dois denários, quantidade manifestamente insuficiente e que ele mesmo sabia não bastar para cobrir as despesas - quanto gastares a mais, eu to satisfarei. E finalmente, o último traço, que vem pôr em fuga a nossa prudência mercantil: Quando voltar, pagarei o resto. Eis um crédito bem pouco seguro! Era sabido que os viajantes corriam riscos nessa região, e essa indicação vaga - quando voltar - só podia tranqüilizar os ingênuos.
O samaritano começou magnificamente a sua empresa de salvamento, mas passou-a de modo igualmente magnífico ao estalajadeiro; se este recusasse entrar em acordo, ou se não cuidasse do infeliz, ficaria estéril o belo gesto inicial. E o caridoso homem se foi, no seu cavalo. - Quando voltar ... Deus sabe se voltará. No entretanto, o dono da hospedaria se fará enfermeiro. Nem sequer lhe pediram a opinião, nem teve tempo para responder. Ficou perplexo? Encantado? Não o sabemos.
Eis aí, Senhor, o meu verdadeiro modelo. Não tenho cavalo para correr pelos grandes caminhos, e nunca tive oportunidade de recolher feridos nos meus braços. Sou um humilde trabalhador ou um pobre enfermo, cravado no leito há vinte anos, ou o que o mundo chama, com certa crueldade, uma solteirona. Parece-me que Vós me tratais como o samaritano tratou o estalajadeiro. Não tenho que começar obras, mas simplesmente continuar a vossa, na obscuridade e no silêncio, com todo o coração, até ao fim.
Quando voltar. - Quando voltardes, meu Deus, pagareis todas as despesas que fiz a mais. Trouxestes-me penosos deveres, e ajuntastes ainda cuidado de toda a espécie de tarefas providenciais. Pedistes-me que tivesse toda a paciência necessária às obras do cuidado do lar e da educação, e arregastes em minha casa muitos trabalhos, incômodos como um ferido maçante, e que me atorntam dia e noite. Tem cuidado dele! Meu Deus, quantas vezes, antes mesmo de poder protestar, tenho ouvido estas palavras da vossa boca! Quantas vezes veio a mim o próximo, dizendo, sem cerimônia: Ocupa-te com isto!
E vi-me assaltado de objeções, e por vezes de paciência. Não tenho tempo, e além disso, tratam-me sem nenhuma consideração: roubam-me os dias, não me deixam descansar nem gozar em paz as minhas pequeninas alegrias; e não posso sequer mostrar-me mal-humorado. Pensam que o meu único ofício é prestar serviços. Assim murmurava eu, sabendo bem que tais murmurações eram insensatas e que não Vos alarmaríeis com elas.
Forçastes-me a conceder-Vos crédito. Fiz mais do que devia; dei com excesso - gastei a mais ... -. Vede a minha vida: há cortes em minhas fIorestas, cortes pela raiz, que nunca me foram pagos. Vede a minha vida! Se por acaso não voltardes, não ficarei ludibriado pela vossa manobra? - Quando voItar ...
É preciso esperar por Vós e viver de fé; assim o faço todos os dias, e posso dizer que esta experiência é benfazeja e reconfortante. Completar o que a vossa Providência começou, instruir crianças regeneradas pelo vosso batismo, curar homens resgatados pela vossa Paixão, falar cada dia aos que o vosso Espírito chamou, consolar os que receberam a promessa da vossa bem-aventurança, colaborar convosco sem trégua nem fraseados inúteis, eis o que Vos peço, meu Deus. Dai-me amar essa tarefa e aceitar, humildemente, ser o estalajadeiro da parábola, desempenhando o seu papel tão útil quão obscuro, sob um nome quase ridículo.
Quando não participamos desde o começo numa empresa, há muita probabilidade de que ela nos repugne, porque procuramos o brilho, e não o bem; preferimos parecer a ser. Livrai-me, Senhor, de minhas tolices. Fazei que aceite viver onde me colocastes, e que receba, sem medir sacrifícios, os feridos que a vossa Providência enviar a minha casa. Fazei que me contente com os mais ínfimos salários, e que, de todo o coração, acredite na vossa volta, não tanto para ser pago, quanto para Vos encontrar, Senhor, finalmente, face a face.
Fonte:CHARLES,Pierre - Generosidades - Editora Quadrante - pags.36 - 40 - São Paulo 1991
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário