domingo, 14 de junho de 2009

Padre, não sinto nada quando rezo...





Devo continuar rezando?

A atitude para com Deus não pode ser simplesmente respeitosa e distante; tem de ser também afetiva e cordial. É preciso envolver todo o nosso ser no relacionamento com Ele. Devemos amar a Deus com todo o coração e com todas as forças.
Mas um erro comum é identificar o amor a Deus exclusivamente com os sentimentos. A confusão entre a realidade da presença do amor de Deus e o desejo de sentir esse amor gera desassossego em muitas pessoas. Há muitos que julgam que esse relacionamento é sincero somente quando sentem algo. Dizem que seria hipocrisia rezar ou ir à igreja sem sentir nada, de forma fria ou mesmo de má vontade.

Talvez já tenhamos passado por épocas ou temporadas em que a nossa oração foi especialmente intensa, momentos em que nos parecia que podíamos tocar a presença de Deus, sentindo vivamente o seu amparo. Surge o desejo de que o nosso relacionamento com Deus seja sempre assim. Mas, olhando o dia de ontem ou a semana que passou, talvez só encontremos tentativas de orações que nos têm saído secas e distraídas, em que o coração parece frio e a cabeça distante. Pode ser que esteja havendo falta de esforço de nossa parte...

Almas muito santas, e que viviam bem próximas de Deus, também tinham dificuldades semelhantes a essas. Às vezes, durante um longo período, a sua oração era seca e sem brilho, mas persistiam porque viam nessa aparente esterilidade a mão paternal de Deus. Por exemplo, o bem-aventurado Josemaria Escrivá quando falava do seu relacionamento com Deus, dizia que se dava muitas vezes sem o apoio dos sentimentos: “Em algumas ocasiões, o Senhor me concedeu muitas graças; mas habitualmente ando a contragosto. Sigo o meu plano não porque me agrade, mas porque devo cumpri-lo, por Amor”. Santa Teresinha dizia: “Sinto que rezo o terço tão mal! Esforço-me em vão por meditar os mistérios do rosário, não consigo fixar a minha alma. Penso que a Rainha dos Céus, sendo minha Mãe, deve ver a minha boa vontade e contentar-se com isso”.

Não existe insinceridade quando se busca a coerência profunda de querer agradar a Deus, que conhece as nossas lutas por antepor valores mais altos ao gosto pessoal, à espontaneidade. Somos sinceros quando, vencendo as vozes do comodismo que se disfarça sob a forma de ausência de gosto ou de sentimento, fazemos o bem, fazemos o que é melhor, mais alto, mais digno, sem temer as renúncias que isso implica.

É o caso da mãe que acorda pela quarta vez na mesma noite para acalmar a criança que está irrequieta. O mais provável é que, às três da madrugada de uma noite mal dormida, não sinta nada - ou sinta apenas sono -, mas o seu amor não deixou de ser real só por causa disso. O sacrifício é o selo de garantia do amor. Às vezes, é Deus quem deseja que sintamos essa secura e frieza para provar o nosso amor. Se persistirmos com um empenho sério durante longo tempo, apesar de não sentirmos nada, isso será a melhor garantia de que o fazemos, não por gosto pessoal, mas unicamente por Deus.

Jesus fala de uma casa construída sobre a rocha. Para construir sobre rocha segura, que suporta todo o tipo de adversidades que possam sobrevir, a vida cristã deve estar edificada sobre práticas de piedade sólidas e estáveis, que se cumprem em quaisquer circunstâncias. Temos de substituir o “agora não estou disposto”, o “mais tarde ou no fim de semana terei tranquilidade suficiente”- que são buscas puras e simples do conforto dos sentimentos -, pelos hábitos submetidos a um esquema, à disciplina de um plano de vida espiritual progressiva e orientada. E veremos que essa fidelidade atrairá ou trará de volta os sentimentos. Devemos ter sempre muito cuidado de buscarmos em nossa oração o Deus das consolações e não as consolações de Deus.
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Pe. Manoel Augusto Santos

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