sexta-feira, 22 de julho de 2011

Chesterton


"Por último, e mais importante, é exatamente isto que explica o que é tão inexplicável para todos os críticos modernos da história do Cristianismo. Quero referir-me às monstruosas guerras em torno de pequenas questões de teologia, os arroubos de emoção acerca de um gesto ou de uma palavra. Era questão de apenas uma polegada, mas uma polegada é tudo quando se trata de estabelecer o equilíbrio. A Igreja não podia consentir um ínfimo desvio em algumas coisas, se quisesse continuar a sua grande e ousada experiência de equilíbrio irregular. Consentisse ela, uma vez, que uma idéia se tornasse menos poderosa, e logo outra idéia tornar-se-ia demasiadamente poderosa. Não era um rebanho de carneiros que o pastor cristão estava conduzindo, mas sim uma manada de touros e tigres, de idéias terríveis e doutrinas devastadoras, cada uma delas forte o bastante para retomar a falsa religião e devastar o Mundo.

Lembremo-nos que a Igreja foi, propositadamente, ao encontro de idéias perigosas: foi como um domador de leões. A idéia de um nascimento por obra e graça do Espírito Santo, a idéia da morte de um ser divino, do perdão dos pecados, da realização das profecias, tudo são idéias que – qualquer um pode ver -, não precisam mais do que um leve toque para tranformar em algo de blasfemo e feroz. Os artífices do Mediterrâneo deixaram um elo mais fraco, e logo o leão do pessimismo ancestral arrebentou as suas correntes nas esquecidas florestas do Norte. (Menção ao cisma protestante, iniciado na Alemanha, em face ao relaxamento moral e excessivo mundanismo da Corte Papal na Itália. Martinho Lutero não discerniu entre homens que erravam e a doutrina que era santa e a pregada por Cristo – Para reformar os costumes, funda sua doutrina na corrupção essencial da natureza humana, que retira do homem a liberdade, numa visão extremamente pessimista do homem – e deste cisma, veio a avalanche)

Podemos notar que, se um pequeno erro fosse cometido na doutrina, cometer-se-iam erros enormes e crassos no que diz respeito à felicidade humana. Uma frase mal expressa sobre a natureza do simbolismo teria despedaçado todas as melhores estátuas na Europa. Um deslize numa definição podia fazer parar todas as danças, fazer murchar todas as árvores de Natal ou quebrar todos os ovos de Páscoa. As doutrinas tinham de ser definidas dentro de rigorosos limites, de forma que o homem pudesse gozar as liberdades gerais que lhe eram concedidas.

Este é o impressionante romance da ortodoxia. Os homens habituaram-se, loucamente, a falar da ortodoxia como de alguma coisa pesada, estúpida e segura. Nunca houve coisa tão perigosa ou tão excitante como a ortodoxia. Era a sanidade: e ser são é mais dramático que ser louco. Era o equilíbrio de um homem atrás de cavalos lançados em louca correria, parecendo cair aqui e levanta-se acolá, mas conservando em todas as suas atitudes a graça da escultura e a precisão da aritmética.

A Igreja, nos seus remotos dias, avançou feroz e firme como um cavalo de guerra; no entanto, é absolutamente anti-histórico dizer-se que ela avançava como louca em direção a uma idéia, como acontece com o fanatismo vulgar. Ela sempre soube desviar-se para a direita ou para a esquerda, com o fim único de evitar enormes obstáculos. Por um lado, deixou a enorme massa do arianismo, escorada por todos os poderes do Mundo, para tornar o Cristianismo demasiadamente mundano. No instante seguinte, teve de se desviar novamente para fugir a um orientalismo que teria tornado o Cristianismo deveras dissociado deste mundo. A Igreja com sua ortodoxia nunca seguiu um caminho já aplanado, nem aceitou as convenções; A Igreja com sua ortodoxia nunca foi respeitável. Teria sido fácil, no calvinista do século XVII, ter caído no poço sem fundo da predestinação.

É fácil ser louco; é fácil ser herege. É sempre fácil deixar que cada época tenha a sua cabeça; o difícil é não perder a própria cabeça. É sempre fácil ser um modernista; assim como é fácil ser um snob. Cair em qualquer uma das ciladas explícitas de erro é exagero que um modismo depois de outro e uma seita depois de outra espalharam ao longo da trilha histórica do Cristianismo — isso teria sido de fato simples. É sempre simples cair; há um número infinito de ângulos para levar alguém à queda, e apenas um para mantê-lo de pé. Cair em qualquer um dos modismos, do agnosticismo à Ciência Cristã, teria de fato sido óbvio e sem graça. Mas evitá-los a todos tem sido uma estonteante aventura; e na minha visão a carruagem celestial voa esfuziante atravessando as épocas. Enquanto as monótonas heresias estão esparramadas e prostradas, a furiosa Verdade cambaleia, mas segue de pé"

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