sábado, 23 de julho de 2011

A Graça sobrepuja os Milagres



Por: M. J. Scheeben

"Não bastaria afirmar que a graça supera as coisas naturais, excede ela também aos milagres operados por Deus. Sabemos manifestar-se a graça divina de preferência nas obras de sua misericórdia. Onde mais se evidencia esta misericórdia é ao conferir Deus sua graça ao homem.

Vejamos como interpreta Santo Agostinho esta notável promessa do Salvador: "Os que nele creem farão coisas maiores do que aquelas que Ele próprio realizou na terra" Como exemplo disto — fala ele — poderia servir o caso de S. Pedro que, com sua sombra, curava os enfermos, coisa esta que não se lê de Nosso Senhor". Esta verdade brilha, porém, com maior clareza ainda, na obra da justificação, em que devem os fieis cooperar pessoalmente, tanto no que a eles se refere, como ao próximo, cada qual a seu modo. É certo não sermos nós que produzimos a graça, mas não é menos certo também que, com o auxílio de Deus, podemos nos preparar a recebe-la, fazendo-nos dignos dela, infundindo animo aos outros; podemos, numa palavra, operar coisas maiores que os milagres de Cristo.

Tanto para Deus como para os homens, a graça é mais gloriosa que os milagres. Pelo milagre, operado ordinariamente sobre a matéria, Deus restitui a saúde ou a vida. Pela graça, sua ação termina-se na alma, torna, por assim dizer, a cria-la, eleva-a sobre a própria natureza, deposita nela o germe da vida sobrenatural, reproduz-se nela, imprime-lhe a imagem de sua própria substância.

Não será porventura o mais estupendo milagre da Onipotência divina?

A graça supera a criação do céu e da terra; não se pode compara-la, senão com a eterna geração do próprio Filho de Deus. É ela, por isto, sobrenatural, grande, misteriosa, já que, segundo a frase de S. Leão, "nos faz participantes da geração de Cristo" (Sermo 21, 3. MPL 54,192)

Quando os santos operam milagres, deles se vale Deus como de intermediários, de modo algum intervindo o próprio poder deles. Quando, porém, nos dá a graca, exige Deus de nós uma cooperação mais íntima: quer que, com seu auxílio, nos preparemos a recebe-la; quer que a aceitemos, conservemos e aumentemos.

Dignidade maravilhosa que nos conferiu o Senhor! Uniu-se Ele à nossa alma como o esposo à esposa. Pode nossa alma, pela virtude que recebe, reproduzir em si a imagem divina, converter-se em filha de Deus! Admirável o poder concedido por Deus à sua Igreja, de comunicar, mediante seus ensinamentos e Sacramentos, a graça a seus filhos!

Poderás desejar coisa melhor e colaborar em obra mais bela? Queres realizar coisas grandiosas, que causem admiração, já não digo aos homens mergulhados em sua loucura, mas aos próprios anjos? Queres transformar-te em espetáculo para os anjos e o mundo? Trabalha por adquirir e aumentar a graça em ti e em teu próximo. Se conhecessem os homens a grandeza de sua atitude, quando, por um arrependimento sincero, rompem com o pecado e começam uma nova vida! Aí tendes obra mais grandiosa que ressuscitar um morto, ou tirar um homem do nada.

"Se Deus te fez homem, diz S. Agostinho, e tu,- bem entendido-, com a graça de Deus te fazes justo, realizas uma coisa melhor do que a produzida por Deus"

Se mediante um ato de arrependimento pudesses restituir a vida a teu irmão, serias tão cruel em não querer faze-lo? Por um ato de contrição podes ressuscitar, não já teu corpo, mas tua própria alma, e livra-la da morte eterna. E apesar disto vacilas, recusas o maravilhoso socorro oferecido por Deus!

Ensina-nos São João Crisóstomo que excede em muito ressuscitar uma alma ferida a ressuscitar um corpo morto. Com efeito, a não ser que esteja completamente cego, como pode preferir alguem levar uma vida dissipada, falgazã, a introduzir uma alma na vida eterna e na glória celeste? Se desejamos milagres para a conservação de nossa vida terrena, por que não colaboremos no milagre que restitui a vida da alma?

O arrependimento, embora de maravilhosa eficácia, não é o único meio de obter a graça; todas as boas obras sobrenaturais, realizadas em estado de graça, aumentam-na em nossas almas. Cada grau de graça adquirido coloca-nos muito acima de nossa natureza e nos une mais intimamente a Deus.

Se estivera em nossas mãos operar milagres materiais, ou realizar com toda a facilidade grandiosos trabalhos, por certo tudo faríamos para usar semelhante poder. Ser-nos-ia uma questão de honra não deixar improdutivo este capital. Imitaríamos aos poetas e artistas que se esforçam em produzir, constantemente, obras cada vez mais belas.

Consideremos a eficácia de toda ação para aumentar a graça e merecer a glória eterna; não deixemos passar um só instante sem amar a Deus, sem suplicar-lhe e adora-lo; envergonhemo-nos de dar um suspiro que não seja para Ele. Alegremo-nos com os Apóstolos por termos sofrido ao menos alguma coisa por Deus. Se compreendessemos quanto vale para aumentar nossa dignidade um só ato de virtude, buscaríamos todas as ocasiões propícias para realiza-lo. Ninguém seria tão cruel que recusasse curar um enfermo ou tornar rico um pobre se o pudesse, mediante uma modesta esmola. Não somos nós muito mais crueis para com nossa alma quando, a tão pequeno preço, lhe negamos um aumento da glória celeste?

Impregnemos todas as nossas ações do espírito de fé e de caridade, convencidos de que, com cada uma delas, adquirimos um grau superior de graça, coisa que excede em beleza a toda a natureza, e sobrepuja em grandeza aos próprios milagres.

Já a aquisição da graça é um dos maiores milagres.

Como não nos deixarmos, então, tomar de assombro por semelhante fenômeno? -Primeiramente, por ser ele invisível, e depois porque, diferentemente dos outros milagres que raras vezes e apenas excepcionalmente se dão, a graça se adquire segundo uma lei geral. Entretanto, seus caracteristicos acima lembrados deveriam torna-la-para nós mais preciosa. Não é visível, visto afetar a alma e não ao corpo; não podemos ve-la, como tão pouco vemos Deus, a quem ela nos une. Deixaria Deus de ser infinito, se, pela natureza chegassemos a ve-lo. Do mesmo modo a graça, caso se torne visível, deixaria de ser tao maravilhosa.

É -nos dada a graça segundo uma lei geral. Podemos adquiri-la mediante determinadas ações, manifestando-se melhor assim o amor e o poder de Deus; e esta portentosa obra da graça, não a realiza Deus, como nos milagres, parcamente em casos raros e excepcionais, em determinadas pessoas apenas, mas a faz acompanhar todos os nossos atos; desaparece ela, por assim dizer, na corrente de nossa atividade ordinária.

Senhor! Desprezaremos este dom, porque o ofereces a todos, continuamente e com tanta facilidade? Se a um só homem o concedesses e por uma única vez, como poderia sequer pensar em repeli-lo? Senhor, excite tua generosidade em nós a lembrança de tua bondade. Faze, Senhor que guardemos este dom com todas as nossas forças e honremos tua benevolência.

Fonte: As Maravilhas da Graça divina - Quadrante

Nenhum comentário:

Postar um comentário