segunda-feira, 18 de julho de 2011

O pão



Este texto é uma adaptação do capítulo sobre as Tentações de Jesus, retirado do Livro: Jesus de Nazaré - Papa Bento XVI

O adaptei porque tenho visto uma minoria de católicos que se enganam profundamente a respeito da verdadeira missão de Jesus, querendo dizer que este não veio para todos, mas sómente para os pobres. Mas quem são os pobres? Eu não tenho medo de dizer que todos nós somos pobres de Deus, carentes de sua misericórdia e de seu perdão que nos livra da morte.

Nos diz Bento XVI, enquanto Cardeal:

"São Mateus e São Lucas narram três tentações de Jesus, nas quais espelham a luta por causa da sua missão. O núcleo de toda tentação é colocar Deus de lado, o qual, junto as questões sobre o sentido da vida, aparece como algo secundário, se não mesmo de supérfluo e incômodo. Ordenar; construir o mundo de um modo autônomo, sem Deus; reconhecer como realidade apenas as realidades políticas e materiais e deixar de lado Deus, tendo-o como uma ilusão: aqui está a tentação que de muitas formas hoje nos ameaça.

Pertence à essência da tentação o seu aspecto moral: ela não nos convida diretamente para o mal, isso seria grosseiro. Ela pretende mostrar o que é melhor para nós: por finalmente de lado as ilusões e dedicar-se de todas as formas à melhoria do mundo. Além disso, ela se apresenta com a pretensão do verdadeiro realismo: o real é o que aparece (poder e pão); as coisas de Deus, ao contrário, aparecem como um mundo irreal, secundário, do qual não se tem nenhuma necessidade.

Trata-se portanto de Deus.

É Ele o real, a realidade mesma, ou não é nada? É o bem, ou devemos nós mesmos inventa-lo? A questão acerca de Deus é a questão fundamental que se levanta na encruzilhada da existência humana. O que é que o Redentor do mundo deve ou não fazer: é disto que se trata nas tentações de Jesus.

O tentador diz a Ele: “Se és o Filho de Deus, ordena que estas pedras se transformem em pão” ( Mt 4,3)....estas palavras serão ditas, pouco depois, pelos escarnecedores junto a cruz: “ Se és o Filho de Deus, então desce da cruz...” (Mt 27,40) . Escárnio e tentação andam aqui perfeitamente juntos: Para se tornar digno de fé, Jesus deve apresentar a prova para a sua pretensão. Esta exigência de prova percorre toda a história da vida de Jesus, visto que constantemente o acusam de não ter provado suficientemente pois não realizou o grande milagre que retirasse toda a ambigüidade e toda a contradição e que a todos clara e indiscutivelmente mostrasse que Ele era ou não.

E esta exigência a respeito de Deus, de Cristo e da Igreja tem sido constantemente mantida ao longo de toda a história: "Se tu existe, ó Deus, então tu mesmo te deves mostrar. Então deves retirar as nuvens do teu escondimento e dar-nos a clareza que pretendemos. Se Tu, Cristo, és realmente o Filho e não um dos iluminados, como sempre aparecem na história, então Tu deves mostrar isso de um modo muito mais claro do que fazes. E então Tu deves dar à Tua Igreja, se ela deve ser verdadeiramente deve ser Tua, uma outra medida de clareza, diferente daquela que na realidade tem"

O que o tentador propões na primeira tentação? Que Deus prove sua existência, transformando em pão as pedras do deserto. Trata-se, em primeiro lugar da fome de Jesus no sentido literal e São Mateus a vê de forma mais abrangente, como já durante a vida do Jesus terreno e como durante toda a história lhe fora e lhe será apresentada. O que há de mais trágico, o que mais contradiz a fé num Deus bom e a fé redentora do homem do que a fome da humanidade? A primeira prova de identidade do Redentor perante o mundo e para o mundo não deverá ser que Ele lhe dê pão e que acabe com toda a espécie de fome?

Durante o tempo da peregrinação pelo deserto, Deus tinha alimentado o povo de Israel com o pão descido do céu, como o maná. Pensava-se então poder reconhecer nisto uma imagem do tempo messiânico: não devia, e não deve o Redentor do mundo provar a sua identidade dando a todos de comer? Não é o problema da alimentação do mundo, e em geral, o problema social, o primeiro e autêntico critério pelo qual a redenção deve ser medida? Pode alguém com direito dizer-se Redentor se não satisfizer este critério? Do modo conceitual mais elevado, o marxismo fez disto o cerne da sua promessa de salvação: ele cuidaria para que acabasse toda a fome e que “o deserto se tornasse pão...”.

“Se és Filho de Deus...” – que desafio. E não se deve dizer o mesmo à Igreja: "se queres ser a Igreja de Deus, então te preocupa em primeiro lugar com o pão para o mundo, o resto virá a seguir." É difícil responder a este desafio, precisamente porque insistentemente nos chega e nos deve chegar aos ouvidos e à alma o grito dos famintos. O tema do pão está presente em todo o Evangelho e deve ser considerado em toda a sua amplitude.

Há ainda outras duas grandes histórias na vida de Jesus envolvendo o pão. A primeira é a multiplicação dos pães para as milhares de pessoas que seguiram Jesus até o deserto. Mas por que agora é feito o que antes tinha sido repelido como tentação? Os homens tinham vindo para escutar a palavra de Deus e tinham por isso abandonado todo o resto. E assim, como homens que tinham aberto o seu coração para Deus e para os outros, aqueles podem receber o pão com merecimento.

Este milagre do pão envolve três coisas:

A primeira é a procura de Deus, da sua palavra, da reta instrução para toda a vida ; depois o pão é pedido a Deus; finalmente a disposição recíproca para a partilha é um elemento essencial do milagre. Escutar Deus torna-se vida com Deus e isso conduz da fé ao amor, à descoberta do outro. Jesus não é indiferente à fome dos homens, às suas necessidades corporais, mas situa tudo isso no contexto correto e confere-lhe a devida ordem.

A segunda história do pão aponta para a terceira e é preparação para ela: a Última Ceia, que se torna Eucaristia da Igreja e o permanente milagre do pão de Jesus. Ele mesmo se tornou o grão de trigo que deve morrer, para que dê muito fruto ( Jo,12,24) Ele mesmo se tornou pão para nós, e essa multiplicação dos pães dura inesgotavelmente até o fim dos tempos. Assim compreendemos agora a palavra de Jesus, que Ele retira do AT ( Dt 8,3), para com ela repelir o tentador: “O homem não vive só de pão, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mt, 4,4).

A este respeito há uma expressão do jesuíta alemão Alfed Delp, condenado à morte pelos nazistas: “ O pão é importante, a liberdade mais importante, mas o mais importante de tudo é a adoração”.

Onde esta ordem dos bens não for respeitada, mas invertida, não haverá nenhuma justiça, não haverá mais cuidado com os homens que sofrem; mas precisamente aí o domínio dos bens materiais será desorganizado e destruído. Onde Deus é considerado uma grandeza secundária, onde pode ser deixado de lado por algum tempo ou por todo o tempo por causa de coisas mais importantes, aí precisamente fracassam essas coisas pretensamente mais importantes. Não é só o desfecho negativo da experiência marxista que o demonstra.

A ajuda do Ocidente para o desenvolvimento com base em princípios puramente técnicos e materiais – que não só deixa Deus de fora, mas também força o homem a d’Ele se afastar com o orgulho do seu saber fazer melhor – foi precisamente o tipo de ajuda que criou o Terceiro Mundo no sentido que hoje se entende. Esta “ajuda “ empurrou para o lado as estruturas religiosas, morais e sociais e instaurou no vazio a sua mentalidade tecnológica. Ela julgava poder transformar pedras em pão, mas gerou pedras em vez de pão.

Trata-se do primado de Deus.

Trata-se de O reconhecer como realidade, como a realidade sem a qual nada mais pode ser bom.

A história não pode ser regulada longe de Deus por estruturas simplesmente materiais.

Se o coração do homem não for bom, então nada pode tornar-se bom. E a bondade do coração só pode, em última instancia, vir D' aquele que é bom , que é bom em si mesmo. Pode naturalmente perguntar-se por que Deus não fez um mundo no qual a sua presença fosse mais evidente; por que Cristo não deixou atrás de si um outro esplendor da sua presença, mais adequado e irresistível.

Este é o mistério de Deus e do homem no qual não podemos penetrar.

Vivemos num mundo no qual tudo deve ser palpável, e Deus não apresenta nenhuma evidencia do que é palpável; Deus só pode ser procurado e encontrado se abrirmos o coração, se nos remetermos ao “êxodo” do “Egito”. Neste mundo temos de nos opor aos enganos das falsas filosofias e reconhecer que não podemos viver só de pão, mas, antes de mais nada, da obediência à palavra de Deus. E sómente onde esta obediência for vivida é que cresce a atitude que permite criar pão para todos".

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