sábado, 9 de julho de 2011

O vendedor e o Sacerdote...


Por Padre Léo Trese

Mal acabo de tirar o sobretudo, ouço a campainha da porta tocar imperiosamente. Vejo o visitante através dos vidros: pelo aspecto, é um vendedor.Terei de adiar estes momentos de descanso em que costumo dar uma cachimbada na santa paz do Senhor. Sempre que a vontade de Deus se choca com a minha, sobrevém-me um gesto de impaciência.Por que há de haver vendedores? Por que não nos deixam fazer os pedidos por telefone ou por carta?

Isso era antes. Agora a minha impaciência se aplaca enquanto estendo a mão para o trinco da porta. Há muito tempo que aprendi ser cortês com as visitas, e o andar dos anos não conseguiu desvanecer em mim os efeitos da lição...Era um homem baixinho,de cara redonda, propenso a obesidade, que vendia extintores de incendio. Eu não precisava de nenhum extintor, e, por outro lado, tinha um compromisso muito importante - um encontro com outros três padres e uma bola de golfe.

Disse-lhe muito cavalheirescamente que não precisava de nada, mas ele era pior do que a peste e estava absolutamente convencido de que eu nunca tinha visto nada de semelhante ao seu produto... Não poderia entrar e fazer uma demonstração? O padre Vinicius tinha comprado três e dizia que eram uma maravilha. Era só um minuto.Derrubei-o no meio do combate. Se o homem tivesse um pouco de bom senso, teria percebido que eu me tinha posto ao ataque: "Não me ouviu dizer que não estou interessado? Não quero perder nem o seu tempo, nem o meu, compreendeu?"
Receio que as minhas palavras tenham sido muito mais duras que essas. Voltou-se, bateu com a porta e vi-o descer as escadas.

Foi então que lhe notei um remendo nas costas do paletó, os tacões dos sapatos nas últimas e o cabelo a precisar de um bom corte.

Impressionou-me o remendo - o remendo e a graça de Deus, já que sou pouco inclinado a impulsos generosos...Esqueci imediatamente o jogo de golfe (aliás, pareceu-me que estava começando a chover). Chamei-o e tentei mostrar-me gentil, pedindo-lhe desculpas. Sentamo-nos, mostrou-me o artefato, disse-lhe o que tínhamos e ele concordou em que estávamos bem servidos. Depois, enquanto eu puxava do meu cachimbo e ele de um cigarro, conversamos um pouco.

Disse-me que vivia num Estado vizinho com uma mulher e quatro filhos. A mulher era católica e ele tinha começado a aprender o Catecismo e estava quase preparado para receber o batismo.(Como a notícia me preturbou! Era um catecúmeno e eu, um padre, quase o tinha posto fora de minha casa!).Quando nos despedimos, já éramos amigos e ele tinha um terço que eu lhe fizera escorregar timidamente para as mãos. Senti-me feliz de ve-lo voltar-se no fundo das escadas e sorrir-me.

Começava mesmo a chover. Decidi ir até à escola; as crianças já não me viam há uma semana. A partir de então, foi-me muito mais fácil suportar a tortura do telefone e da porta. Sempre que era tentado a responder com um latido, bastava-me evocar a visão de uma mulher pondo um remendo num paletó. Vendedores de velas, representantes de vinhos, comerciantes de roupa e de sabão... quando lhes abro a porta, sorrio-lhes e convido-os a entrar antes de lhes perguntar o que vem vender.

O meu tempo é de Deus e o tempo de Deus é todo das almas.

Esse homem que traz um mostruário pode ser um bom paroquiano de qualquer outro padre e reservar parte das suas comissões ganhas com tanta dificuldade, para ajudar a Igreja e para enviar os filhos à escola paroquial; este outro com seu bloco de encomendas assomando pelo bolso, pode ser um convertido ou a parte não-católica de um casamento misto. E esse tão charlatão, que ostenta um emblema maçonico, faz parte do grande rebanho pelo qual Cristo morreu. Dentre eles alguns - ou todos - levarão para sempre a impressão que eu lhes tiver causado, eu, um homem de Deus.

Por isso lhes digo: "Entre. Lamento não precisar de nada, mas sente-se um pouco e descanse". A cortesia é tão barata e tão fácil!

Tão fácil?

Talvez tenha exagerado um pouco. Sinceramente, não posso dizer isso de mim com tanta certeza, quando se trata de um vendedor obstinado, de um pai enfadonho ou de uma criança que me aparece com um terço para benzer. Pelo menos duas ou três vezes por ano, tenho que pedir perdão a alguém. É nos momentos de maior tensão e esforço que a cortesia custa mais e os períodos mais perigosos são a abertura das aulas, a Semana Santa e a última semana do Advento. E como dói pedir desculpas, especialmente qdo sei que sou eu que tenho razão e não o outro! Mas o outro não é padre; não é dele que se espera que se pregue com o bom exemplo; não é ele que precisa da disciplina nem da penitência de pedir perdão como eu preciso.

É encatador observar como de um pedido de desculpas pode nascer uma íntima amizade. Os melhores presentes que recebi no último natal foram de duas pessoas a quem me obriguei a pedir desculpas. Não é que eu queira recomendar que se peçam desculpas como maneira de fazer bons negócios... Mas há muitas feridas no Corpo Místico de Cristo que se poderiam curar facilmente com uma palavrinha de sincero pesar. Ou melhor ainda, feridas que, se a paciência estivesse a postos, não seria necessário curar porque não se teriam produzido.

A minha mão ainda está agarrada ao trinco da porta. Demorei muito tempo em abri-la, e o meu amigo, do outro lado, faz um gesto suspeito de quem se prepara para chamar de novo. De modo que, toca a sorrir! Ele ganha o seu pão duramente e talvez também tenha um remendo nas costas do paletó.

Fonte: Vaso de Argila

(Depois continuaremos nosso estudo da Graça de Deus)

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