sábado, 27 de agosto de 2011

Chesterton


" O mais estranho de todos os casos, envolve uma objeção real contra fé. A única objeção real contra a religião cristã é o fato dela ser uma religião.

O Mundo é um grande lugar, habitado por povos das mais diferentes espécies. O Cristianismo (parece-me razoável fazer esta afirmação) está limitado a um tipo de povo: surgiu na Palestina, e, politicamente parou na Europa. Esse argumento impressionou-me fortemente na mocidade, e senti-me como um arrastado para a doutrina que sempre fora pregada nas sociedades éticas, isto é, a doutrina segundo a qual existe uma grande e inconsciente igreja que pertence a toda a Humanidade, fundada sobre a onipresença da consciência humana. Os credos - dizia-se então - dividiam os homens, mas a moral ao menos acabava por uni-los. A alma podia procurar as mais estranhas e mais remotas terras e épocas, e, ainda assim, encontraria o essencial senso comum ético.

Podia encontrar Confúcio sob as árvores do Ocidente, mas encontra-lo-ia escrevendo: "Não roubarás". Podia decifrar os mais obscuros hieróglifos encontrados no mais primitivo deserto, e o seu significado, depois de decifrado, seria este: "os meninos devem dizer a verdade". Eu acreditava nesta doutrina da irmandade de todos os homens que diz respeito à posse de um senso moral, e nela acredito ainda, como acredito em outras coisas.

Eu ficava, então, muito irritado com o Cristianismo, porque sugeria (como eu supunha) a idéia de que todas as épocas e impérios dos homens tinham escapado, inteiramente, a esta luz da justiça e da razão. Mas encontrei depois, algo surpreendente. Verifiquei que as pessoas que diziam ser a Humanidade uma Igreja, de Platão a Emerson, eram as mesmas que afirmavam ter a moralidade mudado totalmente, afirmando, ainda, que o que era considerado certo em uma época já não o era em outra.

Se eu pedisse, digamos, um altar, responder-me-iam que não havia necessidade dele, pois os nossos irmãos nos haviam deixado claros oráculos e um credo, nos seus ideais e costumes universais. Mas, se eu, serenamente, argumentasse que um dos costumes universais do homem era ter um altar, então meus agnósticos mestres virar-se-iam completamente e responder-me-iam que os homens sempre tinham estado mergulhados nas trevas e nas supertições dos selvagens.

Verifiquei que seu constante desdém em relação ao Cristianismo era por ser ele a luz de um povo, enquanto deixava todos os outros morrerem nas trevas. No entanto, pude também observar que era para eles motivo especial de orgulho o fato de serem a ciência e o progresso a descoberta de um povo, enquanto todos os outros povos jaziam na escuridão. O seu principal insulto contra a Cristianismo era, efetivamente, para eles, motivo de glória, e parecia uma estranha injustiça toda a sua relativa insistência nesses dois aspectos.

Ao considerarmos algum pagão ou agnóstico, era forçoso lembrarmo-nos de que todos os homens tinham uma religião; ao considerarmos algum místico ou espiritualista, tínhamos apenas de ponderar as absurdas religiões que alguns homens professavam. Podíamos acreditar na ética de Epicteto (filósofo estóico) porque a ética nunca tinha mudado, mas não devíamos acreditar na ética de Bossuet (Bispo e orador sacro francês, notável pelos seus "Sermões") porque a ética tinha mudado. Operara-se uma mudança em duzentos anos, mas não em dois mil.

Tudo isso começava a parecer alarmante. Não que o Cristianismo fosse suficientemente mau para agregar em si todos os defeitos, mas qualquer vara era suficientemente boa para açoitar a religião cristã. A que poderíamos comparar esta coisa extraordinária que todos estavam ansiosos por contradizer, sem mesmo repararem que, assim procedendo, contradizem a si próprios?


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