domingo, 28 de agosto de 2011

A Vida da Graça - Perfeição da Vida Cristã



A Vida Espiritual - Explicada e Comentada - de Adolfh Tanquerey

Toda e qualquer vida se deve aperfeiçoar, mas sobretudo a vida cristã, que, de sua natureza, é essencialmente progressiva e não atingirá o seu termo senão no Céu. Devemos, pois, examinar em que consiste a perfeição desta vida, a fim de, por esse meio, nós podemos orientar melhor nos caminhos da perfeição.

E, como sobre este ponto fundamental há erros e idéias mais ou menos incompletas, começaremos por eliminar as falsas noções da perfeição cristã, e exporemos em seguida a sua verdadeira natureza.

I. Falsas noções: Dos incrédulos - dos Mundanos - dos Devotos

II -Verdadeira noção: - a perfeição consiste na caridade - supõe neste mundo o sacrifício - combina harmonicamente estes dois elementos - abraça os preceitos e conselhos e tem graus e limites

Falsas noções da perfeição:

Estas falsas noções encontram-se no meio dos incrédulos dos mundanos e dos falsos devotos.

Aos olhos dos incrédulos, a perfeição cristã não passa dum fenômeno subjetivo que não corresponde a nenhuma realidade certa.

A) Vários entre eles, não estudam o que denominam os fenômenos místicos senão com preconceitos malévolos, sem distinguirem entre os verdadeiros e os falsos místicos: tais são Max Nordau, J. H. Leuba, E. Murisier I. Segundo eles, a pretensa perfeição dos místicos não é mais que um fenômeno mórbido, uma espécie de psiconeurose, de exaltação do sentimento religioso e até mesmo uma forma especial do amor sexual, como bem o mostram os termos de desposórios de matrimônio espiritual, de beijo, de abraços, de carícias divinas que tantas vezes caem da pena dos místicos

Evidentemente, estes autores, que apenas conhecem o amor profano, não compreenderam nada do amor divino. E assim, outros psicólogos, como W James, fazem-lhes notar que o instinto sexual não tem nada que ver com a santidade; que os verdas místicos praticaram a pureza heróica: uns não experimentaram nada ou quase nada das fraquezas da carne; outros venceram tentações violentas, empregando meios heróicos, por exemplo, revolvendo-se sobre espinhos.

Por conseguinte, se empregaram a linguagem do amor humano, é que não há outra mais apta para exprimir de maneira analógica as ternuras do amor divino. - Por outro lado, mostraram em todo o seu proceder, pelas grandes obras empreendidas e levadas a bom termo, que eram homens prudentes, ponderados, e que em todo caso não podemos senão bendizer as neuroses que nos deram Tomás de Aquino e Boaventura, Inácio de e Francisco Xavier, Teresa de Jesus e João da Cruz, Francisco de e Joana de Chantal, Vicente de Paulo e Mademoiselle Legras, BérulIe e Olier, Afonso de Ligório e Paulo da Cruz.

B) Outros incrédulos fazem justiça aos nossos místicos, duvidando da realidade objetiva dos fenômenos que descrevem: tais são Willian James e Máximo de Montmorand. Reconhecem que o sentimento religioso produz nas almas efeitos maravilhosos, um impulso invencível bem, uma dedicação sem limites para com o próximo, que o seu pretenso egoísmo não é, em última análise senão uma caridade eminentemente social, que tem a mais feliz influência, que a sua sede de sofrimento não impede de gozarem de inefáveis delícias e de difundirem em torno um pouco de felicidade; mas perguntam-se a si mesmos se eles não são vítimas de auto-sugestão e de alucinação.

- A estes diremos que efeitos tão abençoados não podem vir senão duma causa que lhes seja proporcionada; que, no seu conjunto, o bem real e duradouro não pode vir senão da verdade, e que, se só os místicos cristãos têm praticado as virtudes heróicas e produzido obras sociais úteis, é que a contemplação e o amor de Deus, que inspiram essas obras, são, não alucinações, mas realidades vivas e ativas.

Os mundanos, ainda quando conservam a fé têm muitas vezes sobre a perfeição, ou o que chamam a devoção, idéias falsíssimas.

A) Uns olham os devotos como hipócritas. Tartufos, que, sob a capa da piedade, escondem vícios odiosos, ou desígnios políticos ambiciosos, como o desejo de dominar as consciências e, por esse meio, de governar o mundo. _ É confundir o abuso com a coisa em si; e a continuação deste estudo nos mostrará que a simplicidade, a lealdade e a humildade são os
verdadeiros caracteres da devoção.

B) Outros consideram a piedade como uma exaltação da sensibilidade e da imaginação, uma espécie de emotividade, boa, quando muito, para mulheres e crianças, mas indigna de homens que se querem guiar pela razão e pela vontade. - E contudo, quantos homens estão inscritos no catálogo dos Santos, que se distinguiram por um bom senso proverbial, uma inteligência superior, uma vontade enérgica e constante?! Ainda aqui, pois, é confundir a caricatura com o retrato.

C) Enfim, outros há que pretendem que a perfeição é uma utopia irrealizável e, por isso mesmo, perigosa, que basta observar os mandamentos e sobretudo socorrer o próximo, sem perder o tempo em práticas minuciosas ou à procura de virtudes extraordinárias. - A leitura da Vida dos Santos basta para corrigir este erro, mostrando que a perfeição foi realizada na terra, e que a prática dos conselhos, longe de prejudicar a observância dos preceitos, outra coisa não faz que tomá-la mais fácil.

Até mesmo entre as pessoas devotas, há quem se engane sobre a verdadeira natureza da perfeição, pintando-a cada qual «segundo a sua paixão e fantasia »

A) Muitos, confundindo a devoção com as devoções, imaginam que a perfeição consiste em recitar grande número de orações e fazer parte de muitas confrarias, até mesmo com detrimento dos seus deveres de estado, que descuram por vezes, para se darem a este ou àquele piedoso exercício, ou com quebra da virtude de caridade para com as pessoas da casa. _ É substituir pelo acessório o principal, sacrificar o meio ao fim.

B) Outros entregam-se a jejuns e austeridades, a ponto de esgotarem as forças do corpo, e de tornarem incapazes de desempenhar bem os seus deveres de estado, e com isso julgam-se dispensados da caridade para com o próximo; não ousando tocar no vinho com a ponta da lingua, não terão receio de a «mergulhar no sangue do próximo pela malidicencia e calúnia». - Ainda aqui é alucinar-se no que há de mais essencial na perfeição, e descurar o dever capital da caridade por exercícios bons sem dúvida, porém menos importantes. - É análogo o erro os que caem os que dão ricas esmolas, mas não querem perdoar a seus inimigos ou não pensam em pagar as suas dívidas .

C) Alguns, confundindo as consolações espirituais com o fervor, creem-se perfeitos, quando se sentem inundados de alegria e oram com facildade; e ao contrário, imaginam-se relaxados, quando se vêem invadidos pelas securas e distrações. - Esquecem que o que vale aos olhos de Deus, é o esforço generoso e muitas vezes renovado, apesar dos desatres aparentes que se possam experimentar.

D) Outros, apaixonados de ação e obras exteriores, desleixam a vida interior, para se darem mais completamente ao apostolado. - É esquecer que a alma de todo o apostolado é a oração habitual, que atrai a graça e torna a ação fecunda.

Enfim, alguns, tendo lido livros místicos ou vidas de Santos, em que descrevem êxtases e visões, imaginam que a perfeição consiste nestes fenômenos extraordinários, e fazem esforços de cabeça e de imaginação, para lá chegarem. - Não compreenderam que, segundo o próprio testemunho dos místicos, tudo aquilo são fenômenos acessórios, que não constituem a santidade, nem se devem pretender; que o conformidade com vontade de Deus é muito mais seguro e prático.

Aplacado assim o terreno, poderemos, mais facilmente compreender em que consiste essencialmente a verdadeira perfeição.

(Depois veremos: A verdadeira noção da perfeição)

1 - A Vida da Graça - Um tesouro a adquirir
2 - Queda e Castigo
3 - Redenção
4 - Natureza da Graça
5 - Do Organismo da Vida Cristã
6 - União entre a alma e Deus
7 - Das Virtudes e dos Dons
8 - Da Graça Atual
9 - Da parte de Jesus Cristo na vida cristã
10 -Da parte de Virgem Maria na vida cristã
11 -Da parte do Homem na vida cristã
12 -Crescer na Vida Espiritual pelo Mérito

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