sábado, 16 de julho de 2011

A Vida da Graça - da Graça Atual


A Vida Espiritual - Explicada e Comentada - de Adolfh Tanquerey

Assim como na ordem da natureza necessitamos do concurso de Deus para passarmos da potência ao ato, assim na ordem sobrenatural não podemos pôr em ação as nossas faculdades sem o auxílio da graça atual

1 - Noção: A graça atual é um auxílio sobrenatural e transitório que Deus nos dá para nos iluminar a inteligência e fortalecer a vontade na produção dos atos sobrenaturais.

a) Opera, diretamente sobre as nossas faculdades espirituais, a inteligência e a vontade,não já unicamente para elevar essas faculdades à ordem sobrenatural, senão para as pôr em movimento, e lhes fazer produzir atos sobrenaturais.

Demos um exemplo: antes da justificação, ou infusão da graça habitual, a graça atual ilumina-nos acerca da malícia e dos temerosos efeitos do pecado, para nos levar a detestá-lo.

Depois da justificação, mostra-nos, à luz da fé, a infinita beleza de Deus e a sua misericordiosa bondade, a fim de no-lo fazer amar de todo o coração.

b) Mas, a par destas graças interiores, há outras que se chamam exteriores, e que, atuando diretamente sobre os sentidos e faculdades sensitivas, atingem indiretamente as nossas faculdades espirituais, tanto mais que muitas vezes são acompanhadas de verdadeiros auxílios interiores. Assim, a leitura dos Livros Santos ou duma obra cristã, a assistência a um sermão, a audição dum trecho de música religiosa, uma conversa boa são graças exteriores; é certo que, por si mesmas, não fortificam a vontade; mas produzem em nós impressões favoráveis, que movem a inteligência e a vontade e as inclinam para o bem sobrenaturaL

E por outro lado Deus acrescentar-Ihes-á muitas vezes moções interiores, que, iluminando a inteligência e fortificando a vontade, nos ajudarão poderosamente a nos convertermos ou tornarmos melhores. É o que podemos concluir daquela palavra do livro dos Atos dos Apóstolos, que nos mostra o Espírito Santo abrindo o coração duma mulher chamada Lídia, para que ela preste atenção à pregação de São Paulo. Enfim, Deus, que sabe que nós nos elevamos do sensível ao espiritual, adapta-se à nossa fraqueza, e serve-se das coisas visíveis, para nos levar à virtude.

2 - Seu modo de ação.

a) A graça atual influi sobre nós, de modo juntamente moral e físico: moralmente, pela persuasão e pelos atrativos, à maneira da mãe que, para ajudar o filho a andar, suavemente o chama e atrai, prometendo-lhe uma recompensa; fisicamente, acrescentando forças novas às nossas faculdades demasiado fracas para operar por si mesmas; tal a mãe que toma o filho nos braços e o ajuda não somente com a voz, senão também como gesto, a dar alguns passos para a frente.

b) Sob outro aspecto, a graça previne o nosso livre consentimento ou acompanha-o na realização do ato. Assim, por exemplo, vem-me o pensamento de fazer um ato de amor de Deus, sem que eu tenha feito alguma para o suscitar: é uma graça preveniente, um bom pensamento que Deus me dá; se a recebo bem e me esforço por produzir esse amor, faço-o com o auxílio da graça adjuvante ou concomitante. Análoga a esta distinção é a graça operante, pela qual Deus atua em nós sem nós, e a da graça cooperante, pela qual Deus atua em nós e conosco, com a nossa livre cooperação.

3 - Sua necessidade

O princípio geral é que a graça atual é necessária para todo o ato sobrenatural, pois que deve haver proporção entre o efeito e o seu princípio. Assim, quando se trata da conversão, isto é, da passagem do pecado mortal ao estado de graça, temos necessidade duma graça sobrenatural, para fazer os atos preparatórios de fé, esperança, penitência e amor, e até mesmo para o começo da fé, para aquele pio desejo de crer que é o seu primeiro passo. É também pela graça atual que perseveramos no bem no decurso vida e até à hora da morte.

É que, na verdade, para isso:

I) é mister resistir às tentações que acometem até as almas justas e que são tão violentas e pertinazes que as não podemos vencer sem o auxílio de Deus. E assim Nosso Senhor recomenda a seus Apóstolos, até mesmo depois da última Ceia, que vigiem e orem, isto é, que se apoiem não somente nos seus próprios esforços, mas sobretudo na graça para não sucumbirem à tentação

Além disso, porém, é necessário cumprir todos os deveres; e o esforço enérgico, constante, que este cumprimento requer, não se pode sem o auxílio da graça: Aquele que em nós começou a obra da perfeição, é o único que a pode levar a bom termo «o Deus de toda a graça, que nos chamou em Jesus Cristo à sua eterna glória, depois de haverdes padecido um pouco, Ele mesmo nos aperfeiçoará, fortificará e consolidará»( IPe 5,10)

Isto é sobretudo verdade, tratando-se da perseverança final que é um dom especial e um grande dom: morrer em estado de graça, a despeito de todas as tentações que nos vêm assaltar no último momento ou escapar a essas lutas por meio de morte súbita ou suave, em que a alma adormece no Senhor, é, na expressão dos Concílios, a graça das graças, que não se poderá nunca pedir demasiadamente, que não se pode merecer estritamente, mas que se pode obter pela oração e fiel cooperação com a graça, suppliciter emereri potest.

E quem deseja não somente perseverar, senão crescer cada dia em santidade, evitar os pecados veniais de propósito deliberado e diminuir o número de faltas de fragilidade, não tem ainda que implorar instantemente os favores divinos? Pretender que podemos viver muito tempo sem cometer qualquer falta que retarde o nosso adiantamento espiritual, é ir contra a experiência das melhores almas que exprobram tão amargamente as próprias culpas, é contradizer a São João, que nos declara que se iludem grandemente aqueles que se imaginam sem pecado. « S: dixerimus quoniam peccatum non habemus, ipsi nos seducimus, et verj tas non est in nobis" ; é contradizer o Concílio de Trento, que condena aqueles que afirmam que o homem justificado pode, durante toda a sua vida, evitar as faltas veniais sem um privilégio especial de Deus .

A graça atual é-nos, pois necessária, ainda mesmo depois da justificação, e eis o motivo por que os nossos Livros Santos insistem tanto sobre a necessidade da oração, pela qual se obtém essa graça da misericórdia divina. Também a podemos obter pelos nossos atos meritórios, ou, por outros termos, pela nossa livre cooperação com a graça; é que, na verdade, quanto mais fiéis nos mostrarmos em aproveitar as graças atuais que nos são distribuídas tanto mais inclinado se sente Deus a nos conceder novas mercês.

Conclusões

Devemos, pois, ter a maior estima da vida da graça; é uma nova vida que nos une e assemelha a Deus, com todo o organismo necessário à sua atividade. E é uma vida muito mais perfeita que a natural. Se a vida intelectual está muito acima da vida vegetativa e sensitiva, a vida cristã transcende infinitamente a vida simplesmente natural. E na verdade, esta é devida ao homem, desde que Deus se resolve a cria-lo, ao passo que a vida da graça supera todas as atividades e merecimentos das mais perfeitas criaturas. Pois, quem poderia reclamar o direito de ser constituído filho adotivo de Deus, e templo do Espírito Santo, ou o privilégio de ver a Deus face a face, como Ele se vê a Si mesmo?

Devemos, pois, estimar esta vida mais que todos os bens criados e considerá-la como o tesouro escondido, para cuja aquisição ninguém deve hesitar em vender tudo o que possui. Uma vez que se entrou na posse deste tesouro, é mister sacrificar tudo, antes que expor-se a perdê-lo. É a conclusão que tira o Papa São Leão: «Agnosce, o christiane, dignitatem tuam, et, divinae connatura e, noli in veterem vilitatem degeneri conversatione redire"

Ninguém mais que o cristão se deve respeitar a si mesmo, não certamente por causa dos próprios méritos, senão por causa desta vida divina de que participa, e por ser templo do Espírito Santo, templo sagrado cuja beleza não é licito contaminar: «Domum tuam decet sanctitudo in longitudinem dierum»

Mais ainda: devemos evidentemente utilizar, cultivar este organismo sobrenatural de que somos dotados. Se aprouve à divina Bondade nos elevar-nos a um estado superior, conceder-nos profusamente virtudes e dons que aperfeiçoam as nossas faculdades naturais, se nos oferece a cada instante a sua colaboração, para as fazermos render, seria mostrar-nos bem pouco reconhecidos à sua liberalidade rejeitar esses dons, não praticando senão atos naturalmente bons, ou não fazendo produzir mais que frutos imperfeitos à vinha da nossa alma. Quanto mais generoso se mostrou o doador, tanto mais ativa e fecunda deve ser a a colaboração que de nós espera. Isto nos aparecerá mais claramente ainda, depois de estudarmos a parte de Jesus na vida cristã.(Portanto, este será nosso próximo assunto)

Uma vida é pouco para louvarmos a Deus!

1 - A Vida da Graça - Um tesouro a adquirir
2 - Queda e Castigo
3 - Redenção
4 - Natureza da Graça
5 - Do Organismo da Vida Cristã
6 - União entre a alma e Deus
7 - Das Virtudes e dos Dons

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