quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A Vida da Graça - A caridade na terra supõe o sacrifício


A Vida Espiritual - Explicada e Comentada - de Adolfh Tanquerey

No céu amaremos sem necessidade de nos imolarmos. Neste mundo, porém, passam as coisas muito diversamente. No estado atual da natureza decaída, é-nos impossível amar a Deus com amor verdadeiro e efetivo, sem nos sacrificarmos por Ele.

É isto o que resulta do que mais acima dissemos acerca das tendências da natureza corrompida, que permanecem no homem regenerado. Não podemos amar a Deus, sem combater e mortificar essas tendências; e este combate, que principia com o desabrochar da razão, não termina senão com o último suspiro. Há sem dúvida momentos de trégua, em que a luta é menos viva; mas até mesmo então não podemos largar mão das armas, sem nos expormos a uma contra-ofensiva do inimigo.

É o que prova o testemunho da Sagrada Escritura.

1 - A Sagrada Escritura indica-nos claramente a necessidade absoluta do sacrifício ou da abnegação, para amar a Deus e ao próximo.

É a todos os seus discípulos que Nosso Senhor Jesus Cristo dirige este convite: Se alguém quer vir após de mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me. Para seguir e amar a Jesus, a condição essencial é renunciar-se a si mesmo, isto é, as tendências más da natureza, ao egoísmo, ao orgulho, a ambição, a sensualidade, a luxúria, ao amor desordenado do bem-estar e das riquezas e levar a sua cruz, aceitar os sofrimentos, as privações, as humilhações, os reveses da fortuna, as fadigas, as doenças; numa palavra, todas essas cruzes providenciais que Deus nos envia, para nos provar, arraigar na virtude e facilitar a expiação das nossas faltas.

Entao, mas só então, é que podemos ser seus discípulos e avançar nos caminhos do amor e da perfeição. Esta lição confirma-a Jesus Cristo, com o seu exemplo: Ele, que descera do céu expressamente para nos mostrar o caminho da perfeição, não seguiu outro senão o da cruz: Tota vita Christi crux fuit et martyrium.

Do presépio ao Calvário, o seu caminho é uma longa série de privações, humilhações, fadigas, trabalhos apostólicos, coroados pelas angústias e torturas da sua Paixão. E o comentario eloquente do Si quis vult venire post me; se houvesse outro caminho mais seguro, Ele no-lo teria mostrado; mas, como sabia que não há outro, trilhou-o, para nos arrastar em seu seguimento: E eu, quando for levantado da terra, todas as coisas atrairei a mim mesmo: Et ego, si exaltatus fuero a terra, omnia traham ad me ipsum

Assim o compreenderam os Apóstolos que nos repetem, com São Pedro, que, se Cristo sofreu por nós, foi para nos atrair em seu seguimento.

É igualmente a doutrina de Sao Paulo: para ele, a perfeição cristã consiste em nos despojarmos do homem velho, para nos revestirmos do novo. Ora, o homem velho é o complexo das tendencias más que herdamos de Adão, e a tríplice concupiscência que é necessário combater pela pratica da mortificação. E assim, diz ele claramente que os que querem ser discípulos de Cristo tem de crucificar os seus vícios e concupiscências. É condição essencial, de tal forma que ele mesmo se sente obrigado a castigar o seu corpo e a reprimir a concupiscência, para não se expor a reprovação: Castigo corpus meum et in servitutem redigo, ne forte cum aliis praedicaverim, ipse reprobus efficiar.

São João, o apóstolo do amor, não é menos categórico: ensina que, para amar a Deus, é necessário observar os mandamentos e combater a tríplice concupiscência que reina como senhora no mundo; e acrescenta que, se alguém ama o mundo e o que há no mundo, isto é, a tríplice concupiscência, não pode possuir o amor de Deus. Ora, para odiar o mundo e as suas seduções, é evidentemente necessário praticar o espírito de sacrifício, privando-nos dos prazeres maus e perigosos. O que, aliás, resulta do estado de natureza decaída, e da tríplice concupiscência, que temos de combater. Efetivamente, é impossivel amar a Deus e ao próximo, sem sacrificar generosamente o que se opõe a este amor.

Ora, a tríplice concupiscência repugna ao amor de Deus e do próximo, como demonstramos. É necessário, pois, combater sem tréguas nem quartel, se queremos progredir na caridade.

Demos alguns exemplos.

Os nossos sentidos exteriores precipitam-se com sofreguidão para o que os lisonjeia e põem em perigo a nossa fragil virtude. Que fazer para resistir a essas más tendencias? Nosso Senhor Jesus Cristo no-lo diz na sua energica linguagem: Se o teu olho direito é para ti ocasião de queda, arranca-o e lança-o para longe de ti; porque mais te vale perder um dos teus membros, do que ser todo o teu corpo lançado no inferno. O que quer dizer que é mister saber, por meio da mortificação, desviar os olhos, os ouvidos, todos os sentidos do que é ocasião de pecado: sem isso, nem salvação, nem perfeição.

O mesmo se diga dos sentidos internos, em particular da imaginação e da memória; quem não sabe a que perigos nos expomos, se não reprimimos desde o começo os seus devaneios?

As próprias faculdades superiores, a inteligencia e a vontade, estão sujeitas a muitos desvarios, a curiosidade, a independencia, ao orgulho; para as cativar sob o jugo da fé, da humilde submissão à vontade de Deus e de seus representantes, que de esforços não são necessarios, que de lutas sem tregua nem quartel!

É forçado, pois, confessa-lo: se queremos amar a Deus e ao proximo por Deus, é preciso saber mortificar o egoísmo, a sensualidade, o orgulho, o amor desordenado das riquezas; e assim, o sacrifício impõe-se como condição essencial do amor de Deus na terra.

Por outros termos; ninguém pode amar verdadeiramente a Deus senão desprezando-se a si mesmo, isto é, desprezando, combatendo as tendências más. Quanto ao que há de bom em nós, é preciso fazer dele homenagem ao seu primeiro autor e cultiva-lo com incessantes esforços.

A conclusão que se impõe é que, se é necessario, para ser perfeito, multiplicar os atos de amor, não o é menos multiplicar os atos de sacrificio, pois que neste mundo ninguem pode amar sem imolar-se. Em suma, pode-se dizer que todas nossas obras boas são ao mesmo tempo atos de amor e atos de sacrifício: enquanto nos desapegam das criaturas e de nós mesmos, são sacrificios; enquanto nos unem a Deus, são atos de amor.

Resta, pois, ver como e que se podem combinar estes dois elementos

Estudo sobre a Graça - veja AQUI

A Perfeição da vida cristã

Depois veremos: Parte respectiva do amor e do sacrificio na vida cristã

Nenhum comentário:

Postar um comentário