" Analisei todos os casos e verifiquei que a chave continuava a ajustar-se perfeitamente. O fato de Swinburne irritar-se com a infelicidade e, ainda mais, com a felicidade dos cristãos, era facilmente explicável. Deixara de haver uma complicação de doenças no Cristianismo, e passara a haver tal complicação em Swinburne. .
As restrições dos Cristãos entristeciam-no só porque ele era mais hedonista do que deve ser um homem saudável. A fé dos Cristãos enfurecia-o, porque ele era mais pessimista do que um homem saudável deve ser. Da mesma forma os Maltusianos atacavam, instintivamente, o Cristianismo, não porque haja qualquer coisa especialmente antimaltusiana no Cristianismo, mas porque há alguma coisa um pouco anti-humana no Maltusianismo.
No entanto, não podia ser inteiramente verdade — julgava eu — que o Cristianismo fosse meramente sensato e equilibrado. Havia, realmente nele, um elemento de ênfase e, até, de frenesi, que tinha justificado os profanos na sua crítica superficial. O Cristianismo podia ser sensato — e eu começava a convencer-me, cada vez mais, de que, de fato, o era — mas, simplesmente, não era mundanamente sensato; não era meramente moderado e respeitável. Os seus ferozes cruzados e humildes santos podiam equilibrar-se mutuamente; no entanto, os cruzados eram muito ferozes e os santos muito humildes — muito além do que seria razoável.
No entanto, não podia ser inteiramente verdade — julgava eu — que o Cristianismo fosse meramente sensato e equilibrado. Havia, realmente nele, um elemento de ênfase e, até, de frenesi, que tinha justificado os profanos na sua crítica superficial. O Cristianismo podia ser sensato — e eu começava a convencer-me, cada vez mais, de que, de fato, o era — mas, simplesmente, não era mundanamente sensato; não era meramente moderado e respeitável. Os seus ferozes cruzados e humildes santos podiam equilibrar-se mutuamente; no entanto, os cruzados eram muito ferozes e os santos muito humildes — muito além do que seria razoável.
Ora, era justo que, chegado este ponto da minha especulação, eu me lembrasse do que pensara acerca do mártir e do suicida. A esse respeito, tinha-se operado esta combinação entre duas posições quase insanas, mas que de alguma forma atingiam a sanidade. Esta era apenas mais uma contradição, que eu já verificara ser verdadeira. Este era exatamente, um dos paradoxos que os céticos tem por base para julgar errado o credo e eu para julgá-lo correto. Por mais loucamente que os Cristãos pudessem amar o mártir ou odiar o suicida, nunca sentiram eles tais paixões de maneira mais louca do que eu as senti muito tempo antes de sonhar com o Cristianismo.
Então, a mais difícil e interessante fase do processo mental iniciou-se, e eu comecei a delinear, obscuramente esta idéia, por intermédio dos profundos pensamentos da nossa teologia. A idéia era a mesma que eu tinha esboçado no que dizia respeito ao otimista e ao pessimista, isto é, que precisamos não de um amalgama ou de um compromisso, mas de ambas as coisas no máximo de sua intensidade — amor e raiva, ambos ardentes. Neste momento, traçarei apenas a sua relação com a ética, mas não preciso lembrar ao leitor que a idéia desta combinação é sem duvida, central na teologia ortodoxa. A teologia ortodoxa tem especialmente, insistido em que Cristo não era um ser à parte de Deus e do homem, como um elfo, nem, também um ser metade humano e metade não, como um centauro, mas ambas as coisas ao mesmo tempo, ambas as coisas inteiramente — verdadeiro homem e verdadeiro Deus.
Deixem-me, agora, expor esta concepção da mesma forma como a descobri. Todos os homens sadios são capazes de ver que a sanidade é uma espécie de equilíbrio. Um homem pode ser louco e comer muitíssimo, ou ser louco e comer muito pouco. Têm, sem dúvida, surgido alguns modernistas, com versões vagas a respeito do progresso e da evolução, que procuram destruir o ‘méson', ou meio termo, de Aristóteles. Parecem sugerir que estamos destinados a morrer de fome pouco a pouco, ou a continuar para sempre comendo todas as manhas refeições cada vez maiores. Mas o grande truísmo do "méson" continua para todos os homens que pensam, e esses modernistas não tem perturbado nenhum equilíbrio, a não ser o próprio. Admitindo, porém, que todos temos de conservar certo equilíbrio, o principal interesse consiste em saber como tal equilíbrio pode ser conservado. Foi esta questão que o paganismo tentou resolver e foi esta a questão que julgo ter sido resolvida pelo Cristianismo, e resolvida de forma deveras estranha.
O paganismo declarou que a virtude estava no equilíbrio e o Cristianismo veio declarar que ela estava no conflito, na colisão de duas paixões aparentemente opostas. De fato, elas não eram, realmente, inconsistentes, mas eram tais que se tornava difícil manterem-se simultaneamente. Consideremos, por um momento, a questão do mártir e do suicida e consideremos, ainda, caso da coragem. Nenhuma outra qualidade tem, até, agora, afetado tanto 0 cérebro e embaralhado tanto as definições dos sábios meramente racionalistas. A coragem é quase uma contradição nos seus termos. Significa um forte desejo de viver, que toma a forma de uma absoluta prontidão para morrer. "Aquele que perder a sua vida salva-la—á", este não é um lema de misticismo para santos e heróis, é um conselho diário para alpinistas e marinheiros. Podia estar impresso no guia do alpinista ou num manual de instrução militar.
Este paradoxo é todo 0 principio da coragem, mesmo que se trate de uma coragem absolutamente terrena ou de uma coragem absolutamente brutal. Um homem isolado pelo mar poderá salvar sua vida, se arrisca-la, lançando-se ao precipício. Ele só pode escapar da morte, aproximando-se continuamente dela, até que reste apenas uma polegada de distancia. Um soldado cercado pelos inimigos, se quiser salvar-se, precisa combinar um forte desejo de viver com uma extraordinária despreocupação em relação à morte. Não deve, apenas, agarrar-se a vida, pois, nesse caso, seria um covarde e não escaparia. Não deve, tampouco esperar pela morte, pois seria, então, um suicida e também não escaparia. Deve procurar a vida com um ímpeto de furiosa indiferença para com ela; deve desejar a vida como quem deseja água e, no entanto, deve beber a morte como quem bebe vinho.
Nenhum filósofo, penso eu, expressou ainda este romântico enigma com a devida lucidez; eu, certamente, também não o fiz. Mas o Cristianismo fez mais; estabeleceu-lhe limites nas terríveis sepulturas do suicida e do herói, apontando a distancia que separa aquele que morre por amor à vida daquele que morre por amor à morte. E isto tem mantido, desde então, acima das lanças européias, o pendão do mistério da Cavalaria: a coragem cristã que é um desdém pela morte, e não a coragem chinesa, que é um desdém pela vida.
Deixem-me, agora, expor esta concepção da mesma forma como a descobri. Todos os homens sadios são capazes de ver que a sanidade é uma espécie de equilíbrio. Um homem pode ser louco e comer muitíssimo, ou ser louco e comer muito pouco. Têm, sem dúvida, surgido alguns modernistas, com versões vagas a respeito do progresso e da evolução, que procuram destruir o ‘méson', ou meio termo, de Aristóteles. Parecem sugerir que estamos destinados a morrer de fome pouco a pouco, ou a continuar para sempre comendo todas as manhas refeições cada vez maiores. Mas o grande truísmo do "méson" continua para todos os homens que pensam, e esses modernistas não tem perturbado nenhum equilíbrio, a não ser o próprio. Admitindo, porém, que todos temos de conservar certo equilíbrio, o principal interesse consiste em saber como tal equilíbrio pode ser conservado. Foi esta questão que o paganismo tentou resolver e foi esta a questão que julgo ter sido resolvida pelo Cristianismo, e resolvida de forma deveras estranha.
O paganismo declarou que a virtude estava no equilíbrio e o Cristianismo veio declarar que ela estava no conflito, na colisão de duas paixões aparentemente opostas. De fato, elas não eram, realmente, inconsistentes, mas eram tais que se tornava difícil manterem-se simultaneamente. Consideremos, por um momento, a questão do mártir e do suicida e consideremos, ainda, caso da coragem. Nenhuma outra qualidade tem, até, agora, afetado tanto 0 cérebro e embaralhado tanto as definições dos sábios meramente racionalistas. A coragem é quase uma contradição nos seus termos. Significa um forte desejo de viver, que toma a forma de uma absoluta prontidão para morrer. "Aquele que perder a sua vida salva-la—á", este não é um lema de misticismo para santos e heróis, é um conselho diário para alpinistas e marinheiros. Podia estar impresso no guia do alpinista ou num manual de instrução militar.
Este paradoxo é todo 0 principio da coragem, mesmo que se trate de uma coragem absolutamente terrena ou de uma coragem absolutamente brutal. Um homem isolado pelo mar poderá salvar sua vida, se arrisca-la, lançando-se ao precipício. Ele só pode escapar da morte, aproximando-se continuamente dela, até que reste apenas uma polegada de distancia. Um soldado cercado pelos inimigos, se quiser salvar-se, precisa combinar um forte desejo de viver com uma extraordinária despreocupação em relação à morte. Não deve, apenas, agarrar-se a vida, pois, nesse caso, seria um covarde e não escaparia. Não deve, tampouco esperar pela morte, pois seria, então, um suicida e também não escaparia. Deve procurar a vida com um ímpeto de furiosa indiferença para com ela; deve desejar a vida como quem deseja água e, no entanto, deve beber a morte como quem bebe vinho.
Nenhum filósofo, penso eu, expressou ainda este romântico enigma com a devida lucidez; eu, certamente, também não o fiz. Mas o Cristianismo fez mais; estabeleceu-lhe limites nas terríveis sepulturas do suicida e do herói, apontando a distancia que separa aquele que morre por amor à vida daquele que morre por amor à morte. E isto tem mantido, desde então, acima das lanças européias, o pendão do mistério da Cavalaria: a coragem cristã que é um desdém pela morte, e não a coragem chinesa, que é um desdém pela vida.
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