"Comecei, então, a compreender que esta dupla paixão era a chave cristã para a ética em toda parte.
Em todo lugar o credo tornava moderado o embate contínuo entre duas impetuosas emoções.
Tomemos, por exemplo, a questão da modéstia, do equilíbrio entre o mero orgulho e a mera prostração.
O pagão comum, assim como 0 agnóstico comum, diria, simplesmente que estava contente consigo mesmo, mas essa auto-satisfação não seria insolente: havia muitos outros melhores e piores, Seus méritos eram limitados, mas reconheceria que ele os tinha alcançado. Em resumo: caminhava com a cabeça erguida, mas não, necessariamente, com o nariz empinado. Esta é uma posição humana e racional, mas está sujeita à objeção que apontamos contra o acordo entre o otimismo e o pessimismo — a ”resignação" de Mathew Arnold. Sendo uma mistura de duas coisas, é uma diluição de duas coisas: não está presente em sua força plena, nem contribui com toda a sua cor.
Este orgulho próprio não levanta o coração como a língua das trombetas, nem nos convida a nos vestirmos de carmim e ouro. Por outro lado, esta ligeira modéstia racionalista não purifica a alma com fogo nem a torna clara como o cristal; não torna o homem uma criança (como uma estrita e almejada humildade) sentada na grama. Não faz com que esse homem olhe para cima e veja maravilhas, porque Alice teve de se tornar pequena para ser a Alice no País das Maravilhas. E assim se perde não só a poesia de ser orgulhoso, como, também, a poesia de ser humilde.
O Cristianismo procurou por este mesmo estranho expediente, salvar ambas as poesias. Separou as duas idéias e exagerou-as, ambas. Por um lado, o homem tinha de ser mais presunçoso do que jamais fora e, por outro, tinha de ser mais humilde do que nunca. Considerado como Homem, sou a principal das criaturas; considerado como um homem, sou o maior dos pecadores.
Toda a humildade que significaria pessimismo, toda aquela humildade que fizera com que o homem encarasse todo o seu destino sob um ponto de vista vago ou desprezível — toda essa humildade tinha de desaparecer. Não mais voltaríamos a ouvir o lamento do Eclesiastes de que a Humanidade não tinha qualquer preeminência sobre os brutos, ou o terrível grito de Homero ao exclamar que o homem era apenas a mais triste de todas as feras que habitavam a selva. O homem era uma estátua de Deus caminhando pelo jardim; o homem tinha preeminência sobre todos os brutos;o homem era triste apenas porque era não uma fera, mas um deus decaído. Os Gregos tinham falado de homens rastejando sobre a terra, como se estivessem agarrados a ela; agora o homem tinha de caminhar sobre a Terra, como para domina-la.
E assim o Cristianismo fez surgir a idéia da dignidade do homem, que apenas podia ser expressa por meio de coroas raiadas como o sol, e de leques de plumas de pavão.
No entanto, fez surgir ao mesmo tempo um pensamento acerca da abjeta pequenez do homem, que apenas podia ser expressa por meio de jejuns e não de uma fantástica submissão, nas pálidas cinzas de S. Domingos e nas brancas neves de S. Bernardo.(menção as penitencias destes santos).
Quando o homem chegou a pensar em si mesmo, deparou-se-lhe uma perspectiva e um vácuo suficientes para qualquer espécie de fria abnegação e da mais amarga verdade. Foi então que o homem realista pode avançar —- enquanto avançou em direção a si mesmo, abriu—se logo uma vasta clareira para o feliz pessimista. Deixem-no dizer o que quiser contra si próprio, menos blasfemar do objetivo original do seu ser; deixem-no chamar—se de tolo, e até de tolo condenado (embora isso seja tipicamente calvinista), mas não se poderá dizer que os tolos não são dignos de salvação. Ele não deverá dizer que um homem, considerado como homem pode não ter valor.
Aqui mais uma vez o Cristianismo superou a dificuldade de combinar extremos opostos, conservando-os ambos, e conservando-os ambos em seus extremos. A Igreja era positiva em ambos os pontos. Dificilmente alguém pode ter tão pouca auto-estima, bem como dificilmente pode alguém ter em tão alta com a sua própria alma.
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