Por Dr. Rafael Vitola Brodbek
Sabemos que Deus existe não só pela fé como pela razão. Como católicos, temos ainda outro dado: Deus é um só! Entendamos, todavia, que a unicidade de Deus não é conhecida apenas pela luz da fé, senão também pela ciência racional. É impossível do ponto de vista lógico que haja mais de um Deus! Vejamos o que acabamos de expor.
Deus, pela própria natureza das coisas, é infinitamente perfeito. O Pe. Emmanuel André, conhecido teólogo que viveu de 1826 a 1903, em obra já citada, explica-nos que “Deus é essencialmente um e único. Ele não poderia, de modo algum, ser vários deuses, como há vários homens. Quem diz Deus, diz o poder, a sabedoria infinita, a bondade por essência. Se pudesse haver vários deuses, cada um deles seria limitado por algum lado, nenhum seria Deus. Logo só pode haver um Deus.” (ANDRÉ, Pe. Emmanuel. op. cit., III)
Podemos explicitar seu exemplo por uma simples analogia. Sendo Deus perfeito, pode-se comparar tal atributo como uma linha reta infinita, sem começo nem fim. Ora, supondo existir mais de um Deus, devemos visualizar tantas linhas quantos deuses houvesse. Ocorre que, dessa maneira, a linha tida por perfeita ou infinita, representando Deus, já não teria o atributo da perfeição, eis que o que há nela falta a uma outra, e o que falta nela há em uma outra, o que seja seu lugar no espaço. Só é perfeito aquilo em que nada lhe falte, e se falta a uma dessas linhas um pequeno detalhe que seja – o lugar no espaço de uma linha, que é diferente do lugar de outra –, não estamos mais falando de perfeição. Aliás, como duas coisas perfeitas podem ser diferentes, se a perfeição é que lhes dá ausência do oposto? Faltando a uma das linhas uma característica essencial, seu lugar no espaço, não é ela perfeita. Se um ser não é perfeito, não é Deus. Como é impossível haver mais de uma linha infinita que seja perfeita (pois se ocupassem lugares diferentes, já não seriam perfeitas, e ocupando lugares idênticos não seria mais de uma), é impossível haver mais de um Deus.
A razão corrobora a fé monoteísta!
Ajuda-nos, como de costume, Santo Tomás de Aquino: “Verifica-se também que é necessário que haja um só Deus. 1 – Se existirem muitos deuses, cada um deles será denominado deus por equivocidade ou por univocidade: se por equivocidade, a denominação não tem sentido, até porque nada me impediria, neste caso, de chamar de pedra o que outrem chama de deus; se por univocidade, concordarão os diversos deuses em gênero e em espécie. Ora, como já foi provado, Deus não pode ser gênero, nem espécie dividida por muitos integrantes. Logo, é impossível haver muitos deuses. 2 – Ademais, é impossível que aquilo que individualiza uma essência comum contenha simultaneamente os seus diversos indivíduos, pois, embora existam muitos homens, é impossível que este homem não seja senão um só homem. Ora, se a essência fosse por si mesma individualizada e não por outra realidade, ser-lhe-ia impossível multiplicar-se em muitos indivíduos. Ora, a essência divina é individualizada por si mesma, porque em Deus a essência identifica-se com o que Ele é, pois já foi provado que Ele é a sua própria essência. Logo, é impossível que não exista senão um só Deus. 3 – Finalmente, uma forma pode-se multiplicar de duas maneiras: uma, pelas diferenças, como forma geral: o calor, por exemplo, multiplica-se pelas diversas espécies de calor; outra, pelo sujeito, como, por exemplo, a brancura multiplica-se pelos diversos indivíduos brancos. A forma que não se pode multiplicar pelas diferenças, se não está como forma existente num sujeito, é impossível que seja multiplicada: a brancura, por exemplo, se não estivesse existindo nos indivíduos, seria uma só realidade subsistente. Ora, a essência divina é o próprio ser de Deus, que, como foi provado acima, não pode receber diferenças. Sendo, pois, o próprio ser divino como uma quase forma subsistente por si mesma, porque Deus é o seu próprio ser, é impossível que a essência divina não seja também senão uma só. Logo, é impossível que haja muitos deuses.” (Comp. Th., Prima Pars, c. XV)
Deus, portanto, é único, tem uma essência, uma natureza, uma substância una. “Em Deus, a natureza divina não se multiplica assim, ela não pode se multiplicar assim: e no entanto, sendo essencialmente una em si mesma, ela é comum a três Pessoas distintas. O Pai possui a natureza divina, o Filho a possui, o Espírito Santo a possui; e é a mesma e única natureza nos três. Assim, o Pai, o Filho e o Espírito Santo não são três deuses, mas um só Deus. Se eles fossem três deuses, haveria três naturezas divinas; ora, não pode haver mais do que uma. Essa natureza única não é dividida entre as três Pessoas, como se cada uma possuísse um terço; ela é inteira em cada, como a natureza humana é inteira em cada homem. O mistério consiste justamente nisso que a natureza divina é inteira em cada uma das três Pessoas sem ser por isso multiplicada ou triplicada. (...) Isso vem do fato que, diz Santo Anselmo, acrescentar Deus a Deus nunca dá mais do que um Deus, assim como somar a eternidade à eternidade nunca dá mais que uma eternidade, como juntar uma superfície a uma superfície sempre dá uma superfície. A concepção da natureza divina que ela seja una e indivisível; é assim impossível que ela seja multiplicada. O catecismo exprime essa verdade, quando diz: o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus; não são três deuses, mas um só Deus em três Pessoas.” (ANDRÉ, Pe. Emmanuel. op. cit., III)
O dogma da Santíssima Trindade justamente é este: embora uno na Sua natureza, Deus é trino em Suas Pessoas; embora uno na Sua essência, Deus é trino em Sua existência hipostática. Há uma só natureza divina, a qual não é dividida entre os três. Cada Pessoa isolada é inteiramente Deus. E juntas são ainda um só Deus. “A fé católica é que veneremos a um só Deus na Trindade, e a Trindade na unidade, sem confundir as Pessoas nem separar a substância. Porque uma é a Pessoa do Pai, outra a do Filho, e outra a do Espírito Santo; mas o Pai, o Filho e o Espírito Santo são uma só divindade, a qual corresponde igual glória e majestade.” (Símbolo de Santo Atanásio) O Filho é Aquele que, num determinado momento histórico, irá assumir nossa natureza humana, encarnando-Se, e tomando o nome de Jesus Cristo.
Como nos foi revelado esse mistério, proposto pela Igreja como dogma em seus primeiros concílios? Já no Antigo Testamento, há várias alusões à Trindade. Deus, todavia, não quis revelar tal mistério de modo mais claro para os judeus, pois eles estavam ainda muito propensos ao politeísmo e poderiam facilmente confundir-se e adotar uma religião que negasse a natureza única divina. Era preciso fixar bem na mente dos israelitas que há um só Deus, era necessário educá-los no monoteísmo. Entendida a unidade, aí sim poderia Deus ensinar a Trindade, como de fato o fez quando enviou Jesus. No batismo de Cristo (cf. Mt 3,17), há uma manifestação trinitária por excelência: o Pai fala acerca do Filho batizado, e sobre o qual repousa o Espírito Santo. Ao enviar Seus Apóstolos para pregar o Evangelho, Nosso Senhor é claro ao afirmar que eles deveriam ensinar a todas as pessoas a santa doutrina e batizá-las “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.” (Mt 28,19) A Igreja, aos poucos, em face das muitas heresias que, pretendendo perscrutar esse mistério, o entenderam equivocadamente, vai clareando seu ensino e explicitando aquilo que fora revelado. Como sabemos, toda a doutrina já foi revelada, mas só são explicitados determinados pontos da mesma com o passar dos anos, a pesquisa teológica e o surgimento de problemas reais que precisam ser enfrentados pelo firme Magistério da Igreja, o qual, quando propõe um ensino como infalível, tem direito de receber o assentimento da fé.
Três grandes heresias atacaram o coração do dogma trinitário. E foi contra elas que a Igreja precisou lutar logo nos primeiros séculos. Dessa luta, comandada por gigantes como Santo Atanásio de Alexandria, São Basílio Magno, São Gregório Nazianzeno e São Gregório de Nissa. Esses Padres da Igreja souberam ler nas páginas da Escritura o correto entendimento da verdade acerca da unidade e da Trindade em Deus, principalmente com a ajuda dos escritos de Santo Inácio de Antioquia, São Clemente de Roma, São Justino, Taciano, Teófilo de Antioquia, Atenágoras de Atenas, Santo Irineu de Lião, Santo Hipólito e Tertuliano. Mais tarde, com base nesses desenvolvimentos, o grande Santo Agostinho, Bispo de Hipona, irá expor, em obra magistral intitulada De Trinitate, uma compilação do autêntico entendimento católico sobre o tema, e Santo Tomás de Aquino reunirá esse conhecimento, prestando à Igreja uma ajuda inestimável nesse assunto.
Podemos explicitar seu exemplo por uma simples analogia. Sendo Deus perfeito, pode-se comparar tal atributo como uma linha reta infinita, sem começo nem fim. Ora, supondo existir mais de um Deus, devemos visualizar tantas linhas quantos deuses houvesse. Ocorre que, dessa maneira, a linha tida por perfeita ou infinita, representando Deus, já não teria o atributo da perfeição, eis que o que há nela falta a uma outra, e o que falta nela há em uma outra, o que seja seu lugar no espaço. Só é perfeito aquilo em que nada lhe falte, e se falta a uma dessas linhas um pequeno detalhe que seja – o lugar no espaço de uma linha, que é diferente do lugar de outra –, não estamos mais falando de perfeição. Aliás, como duas coisas perfeitas podem ser diferentes, se a perfeição é que lhes dá ausência do oposto? Faltando a uma das linhas uma característica essencial, seu lugar no espaço, não é ela perfeita. Se um ser não é perfeito, não é Deus. Como é impossível haver mais de uma linha infinita que seja perfeita (pois se ocupassem lugares diferentes, já não seriam perfeitas, e ocupando lugares idênticos não seria mais de uma), é impossível haver mais de um Deus.
A razão corrobora a fé monoteísta!
Ajuda-nos, como de costume, Santo Tomás de Aquino: “Verifica-se também que é necessário que haja um só Deus. 1 – Se existirem muitos deuses, cada um deles será denominado deus por equivocidade ou por univocidade: se por equivocidade, a denominação não tem sentido, até porque nada me impediria, neste caso, de chamar de pedra o que outrem chama de deus; se por univocidade, concordarão os diversos deuses em gênero e em espécie. Ora, como já foi provado, Deus não pode ser gênero, nem espécie dividida por muitos integrantes. Logo, é impossível haver muitos deuses. 2 – Ademais, é impossível que aquilo que individualiza uma essência comum contenha simultaneamente os seus diversos indivíduos, pois, embora existam muitos homens, é impossível que este homem não seja senão um só homem. Ora, se a essência fosse por si mesma individualizada e não por outra realidade, ser-lhe-ia impossível multiplicar-se em muitos indivíduos. Ora, a essência divina é individualizada por si mesma, porque em Deus a essência identifica-se com o que Ele é, pois já foi provado que Ele é a sua própria essência. Logo, é impossível que não exista senão um só Deus. 3 – Finalmente, uma forma pode-se multiplicar de duas maneiras: uma, pelas diferenças, como forma geral: o calor, por exemplo, multiplica-se pelas diversas espécies de calor; outra, pelo sujeito, como, por exemplo, a brancura multiplica-se pelos diversos indivíduos brancos. A forma que não se pode multiplicar pelas diferenças, se não está como forma existente num sujeito, é impossível que seja multiplicada: a brancura, por exemplo, se não estivesse existindo nos indivíduos, seria uma só realidade subsistente. Ora, a essência divina é o próprio ser de Deus, que, como foi provado acima, não pode receber diferenças. Sendo, pois, o próprio ser divino como uma quase forma subsistente por si mesma, porque Deus é o seu próprio ser, é impossível que a essência divina não seja também senão uma só. Logo, é impossível que haja muitos deuses.” (Comp. Th., Prima Pars, c. XV)
Deus, portanto, é único, tem uma essência, uma natureza, uma substância una. “Em Deus, a natureza divina não se multiplica assim, ela não pode se multiplicar assim: e no entanto, sendo essencialmente una em si mesma, ela é comum a três Pessoas distintas. O Pai possui a natureza divina, o Filho a possui, o Espírito Santo a possui; e é a mesma e única natureza nos três. Assim, o Pai, o Filho e o Espírito Santo não são três deuses, mas um só Deus. Se eles fossem três deuses, haveria três naturezas divinas; ora, não pode haver mais do que uma. Essa natureza única não é dividida entre as três Pessoas, como se cada uma possuísse um terço; ela é inteira em cada, como a natureza humana é inteira em cada homem. O mistério consiste justamente nisso que a natureza divina é inteira em cada uma das três Pessoas sem ser por isso multiplicada ou triplicada. (...) Isso vem do fato que, diz Santo Anselmo, acrescentar Deus a Deus nunca dá mais do que um Deus, assim como somar a eternidade à eternidade nunca dá mais que uma eternidade, como juntar uma superfície a uma superfície sempre dá uma superfície. A concepção da natureza divina que ela seja una e indivisível; é assim impossível que ela seja multiplicada. O catecismo exprime essa verdade, quando diz: o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus; não são três deuses, mas um só Deus em três Pessoas.” (ANDRÉ, Pe. Emmanuel. op. cit., III)
O dogma da Santíssima Trindade justamente é este: embora uno na Sua natureza, Deus é trino em Suas Pessoas; embora uno na Sua essência, Deus é trino em Sua existência hipostática. Há uma só natureza divina, a qual não é dividida entre os três. Cada Pessoa isolada é inteiramente Deus. E juntas são ainda um só Deus. “A fé católica é que veneremos a um só Deus na Trindade, e a Trindade na unidade, sem confundir as Pessoas nem separar a substância. Porque uma é a Pessoa do Pai, outra a do Filho, e outra a do Espírito Santo; mas o Pai, o Filho e o Espírito Santo são uma só divindade, a qual corresponde igual glória e majestade.” (Símbolo de Santo Atanásio) O Filho é Aquele que, num determinado momento histórico, irá assumir nossa natureza humana, encarnando-Se, e tomando o nome de Jesus Cristo.
Como nos foi revelado esse mistério, proposto pela Igreja como dogma em seus primeiros concílios? Já no Antigo Testamento, há várias alusões à Trindade. Deus, todavia, não quis revelar tal mistério de modo mais claro para os judeus, pois eles estavam ainda muito propensos ao politeísmo e poderiam facilmente confundir-se e adotar uma religião que negasse a natureza única divina. Era preciso fixar bem na mente dos israelitas que há um só Deus, era necessário educá-los no monoteísmo. Entendida a unidade, aí sim poderia Deus ensinar a Trindade, como de fato o fez quando enviou Jesus. No batismo de Cristo (cf. Mt 3,17), há uma manifestação trinitária por excelência: o Pai fala acerca do Filho batizado, e sobre o qual repousa o Espírito Santo. Ao enviar Seus Apóstolos para pregar o Evangelho, Nosso Senhor é claro ao afirmar que eles deveriam ensinar a todas as pessoas a santa doutrina e batizá-las “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.” (Mt 28,19) A Igreja, aos poucos, em face das muitas heresias que, pretendendo perscrutar esse mistério, o entenderam equivocadamente, vai clareando seu ensino e explicitando aquilo que fora revelado. Como sabemos, toda a doutrina já foi revelada, mas só são explicitados determinados pontos da mesma com o passar dos anos, a pesquisa teológica e o surgimento de problemas reais que precisam ser enfrentados pelo firme Magistério da Igreja, o qual, quando propõe um ensino como infalível, tem direito de receber o assentimento da fé.
Três grandes heresias atacaram o coração do dogma trinitário. E foi contra elas que a Igreja precisou lutar logo nos primeiros séculos. Dessa luta, comandada por gigantes como Santo Atanásio de Alexandria, São Basílio Magno, São Gregório Nazianzeno e São Gregório de Nissa. Esses Padres da Igreja souberam ler nas páginas da Escritura o correto entendimento da verdade acerca da unidade e da Trindade em Deus, principalmente com a ajuda dos escritos de Santo Inácio de Antioquia, São Clemente de Roma, São Justino, Taciano, Teófilo de Antioquia, Atenágoras de Atenas, Santo Irineu de Lião, Santo Hipólito e Tertuliano. Mais tarde, com base nesses desenvolvimentos, o grande Santo Agostinho, Bispo de Hipona, irá expor, em obra magistral intitulada De Trinitate, uma compilação do autêntico entendimento católico sobre o tema, e Santo Tomás de Aquino reunirá esse conhecimento, prestando à Igreja uma ajuda inestimável nesse assunto.
As heresias principais que entenderam erradamente a Santíssima Trindade ou atacaram o ensino católico acerca de tal doutrina foram o sabelianismo, o arianismo e o macedonianismo.
O sabelianismo, monarquianismo, ou modalismo, foi um erro defendido por Sabélio, que negava a Trindade de Pessoas. Com o intuito de melhor assegurar a unidade de natureza em Deus, confundindo os termos, sustentavam os sabelianos que o Pai, o Filho e o Espírito Santo eram tão somente modos de manifestação divina, ou de compreensão do Criador. Para eles não havia três Pessoas distintas, mas uma só – confundindo a existência trina das Pessoas com a natureza una de Deus –, que se manifestava de três modos. Para Sabélio, “Pai, Filho e Espírito Santo são apenas nomes diferentes de um ser único.” (ZILLES, Mons. Urbano. “Jesus Cristo. Quem é este?” Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999; p. 218) O Papa Calixto I excomungou Sabélio e seus sequazes modalistas.
Querendo, por sua vez, assegurar a diferença entre as Pessoas, Ario, sacerdote da Igreja de Alexandria, negou a divindade de Cristo, o Filho, atribuindo-Lhe uma natureza diferente. Se Sabélio confundiu os termos, dizendo que eram o Pai, o Filho e o Espírito Santo da mesma natureza e a mesma Pessoa, o arianismo irá dizer que, sendo Pessoas distintas, são também de naturezas distintas. Como veremos, a posição católica está justamente em que há – como bem distingue Sabélio, ao contrário de Ario – a uma só natureza divina em três Pessoas distintas – como diz Ario, negando o “ensino” sabeliano. Ario considerava o Filho “como criatura do Pai” (Idem. op. cit.), pois para ele “Cristo não era Deus” (Idem. op. cit.). “Considerava, numa perspectiva neoplatônica, que só o Pai é eterno, incriado e imutável e, em sentido estrito, merece o nome de Deus. O Filho, criado do nada, é a primeira e mais excelente das criaturas. (...) ...não é da mesma substância do Pai.” (idem. op. cit.) Contra os erros de Ario foi convocado o Concílio Ecumênico de Nicéia I, em 325, a partir do qual o movimento foi perdendo força, principalmente pela atuação militante de Santo Atanásio, que não deu quartel à heresia. Retirando-se do Oriente, foi encontrar apoio somente nos bárbaros que iriam invadir o Império Romano, sendo finalmente vencidos pela constante oposição que lhe fizeram Santa Clotilde e os reis francos convertidos ao catolicismo.
Outra heresia anti-trinitária foi uma espécie de arianismo do Espírito Santo. O heresiarca Macedônio aceitou a divindade do Filho, mas negou a do Espírito, sendo por isso convocado outro sínodo, o Concílio Ecumênico de Constantinopla I. O macedonianismo pregava que, embora o Filho seja Deus, participe da mesma divindade de Deus, ainda que seja uma Pessoa distinta, o Espírito Santo é uma criatura, uma espécie de anjo enviado pelo Criador para executar Suas ações no mundo. Santo Atanásio novamente ataca as proposições heréticas e consegue ver em Constantinopla confirmada a doutrina católica, que será mais tarde desenvolvida pelos Padres Capadócios, por São Máximo, o Confessor, e por Santo Agostinho.
Qual é, pois, a ortodoxia, i.e., a doutrina correta, a verdade revelada por Deus, e guardada pela Igreja Católica, e explicitada pela mesma através de seu Magistério? Qual a autêntica verdade católica acerca da Trindade de Pessoas em Deus? Que diz o dogma que versa sobre o mistério da Santíssima Trindade? Sabemos que existe um mistério – Santíssima Trindade –, que, por isso mesmo, é inacessível em sua plenitude, mas que, sendo revelado por Deus, foi ensinado pela Igreja, que o definiu em dogma com termos bem precisos, já citados em parte: há um só Deus em três Pessoas, uma só natureza divina existente em três Hipóstases divinas. Os grandes teólogos, principalmente os santos aludidos acima, ajudaram a desenvolver o entendimento do mistério e do dogma. Santo Tomás de Aquino, na Idade Média, utilizou a razão para associar-se ao dado revelado e nos fornecer uma fantástica exposição sobre a Trindade. Vimos que o Pai, o Filho e o Espírito Santo têm a mesma natureza e ainda assim são Pessoas distintas.
Ora, tal distinção não pode existir em função da natureza, eis que ela é a mesma para todas as três Pessoas. Por outro lado, as Pessoas divinas também não se distinguem por suas perfeições nem por suas obras exteriores. Assim, nenhuma das Pessoas é mais poderosa ou mais sábia, pois, sendo igualmente o mesmo e único Deus, todas as três têm a mesma sabedoria e o mesmo poder. Tendo, enfim, pelo mesmo poder, idêntica onipotência – sob pena de não ser Deus quem não a tenha –, não se distinguem pelas obras exteriores as Pessoas divinas. A distinção está, como bem ensinou o Aquinate, nas relações de origem: o Pai não provém de nenhuma Pessoa; o Filho é gerado pelo Pai; o Espírito Santo procede do Pai e do Filho. São essas relações de origem, relações de oposição, que distinguem uma Pessoa da outra. Bem definiu o Concílio Ecumênico de Florença, realizado no medievo, que “tudo é uno, a não ser quanto a oposição de relações.” (DS 703/1330)
O Pai não é o Filho, unicamente porque este é gerado por aquele, enquanto o Filho não é o Espírito Santo exatamente porque este é procedido do primeiro e do Pai. O Pai é igual ao Filho e ao Espírito Santo em sua natureza, mas destes se distingue pela sua relação de origem: é causa não proveniente de nenhuma Pessoa. O Filho é igual ao Pai e ao Espírito Santo em sua natureza, mas destes se distingue pela sua relação de origem: é gerado pelo Pai. O Espírito Santo é igual ao Pai e ao Filho em sua natureza, mas destes se distingue pela sua relação de origem: procede do Pai e do Filho. Notemos que, por sua perfeição, característica própria de Deus, pela mesma natureza eterna, a não proveniência do Pai, a geração do Filho, e a processão do Espírito Santo, são igualmente eternas. O Filho, como veremos, não é gerado em um dado momento histórico, mas, segundo a linguagem do Credo, “nascido do Pai antes de todos os séculos.” (Símbolo Niceno-constantinopolitano) O Espírito Santo, por Sua vez, não procede do Pai e do Filho em uma circunstância histórica. O Filho é gerado eternamente, i.e., desde sempre, não iniciou a ser gerado. O Espírito Santo procede eternamente, i.e., desde sempre, não iniciou a proceder.
Como se dá essa geração do Filho e essa processão do Espírito Santo é o tema deste item. O Pai, causa sem proveniência, é perfeito, e, por Sua perfeição, é levado a contemplar-Se. Nós, seres humanos, quando vemos algo belo, que reflete a perfeição divina, somos inclinados a contemplar essa beleza, temos a tendência de contemplação da beleza. Quanto mais Deus que pode contemplar de maneira mais excelente, e, ainda por cima, é a própria beleza e perfeição. O Pai, ao contemplar Sua perfeição, forma dela um conceito. Nós também, sempre que olhamos para algo, formamos, em nossa mente, um conceito, uma palavra. O Pai, quando contempla Sua perfeição, forma, então uma conceito dessa perfeição, e tal conceito é tido como Verbo, Logos (pois são termos para expressar essa palavra, esse conceito que é formado em quem contempla algo). Ora, se o Pai, que Se contempla, é perfeito, Seu Verbo também o é, pois o objeto da contemplação é o próprio Deus e Sua perfeição. A imagem que é formada em Deus pela contemplação de Si mesmo é da mesma natureza que o objeto da contemplação. Se o Pai contempla a Si, a imagem, o conceito, o Verbo, o Logos, formado pela contemplação é da mesma Sua natureza. Ao contemplar uma bola, formamos o conceito de uma bola. Ao contemplar um quadro, formamos o conceito de um quadro. Ao Deus contemplar Deus, forma-se o conceito de Deus. Essa contemplação que forma um conceito é chamada geração, sendo que o Verbo gerado é o Filho.
Assim, o Filho é da mesma natureza do Pai, pois sendo Este quem contempla, Aquele é a própria imagem da contemplação. Por outro lado, quando vemos algo belo, e o conhecemos, o amamos. Assim, o Pai ao contemplar-Se, gera o Filho, e, por conhecê-Lo – afinal, é da mesma natureza, e possui, como atributo divino, a onisciência, i.e., o pleno conhecimento de tudo e todas as coisas –, O ama. Por sua vez, se o Filho também é Pessoa – pois o conceito da perfeição em Deus é igualmente perfeito e, portanto, Pessoa, com os mesmos atributos e a mesma natureza –, é capaz de amar o Pai. Esse Amor entre o Pai e o Filho, entre o Contemplador e a Imagem formada pela contemplação, é propriamente o Espírito Santo. Como é o amor entre uma perfeição e outra, trata-se também de uma perfeição e, por isso mesmo, pessoal. Assim, o Amor entre o Pai e o Filho é também Pessoa, igualmente perfeita e divina. A inteligência é o ponto de entendimento da geração do Filho, e a vontade o da processão do Espírito Santo. O ato de intelecção perfeitíssimo do Pai ao contemplar-Se gera uma Imagem também perfeitíssima e, por isso, ela é Deus. Como é uma Imagem, um conceito da natureza de Deus, o Filho tem a mesma natureza do Pai. O ato de vontade perfeitísismo do Pai e do Filho ao Se amarem gera um Amor também perfeitíssimo e, por isso, ele é Deus. Como é um Amor da natureza de Deus – do Pai pelo Filho e do Filho pelo Pai –, o Espírito Santo tem a mesma natureza do Pai e do Filho.
O Pai é tem esse nome porque d´Ele é que saem as demais Pessoas divinas. O Filho é assim chamado por causa de Sua geração do Pai. É Jesus Cristo chamado Filho em sentido próprio, uma vez que Sua filiação é dada por natureza – nós, como veremos, somos filhos de Deus pela graça. O Espírito Santo, porém, em Seu nome não explicita nenhuma diferença, uma vez que também o Pai e o Filho são espíritos e santos. O nome próprio do Espírito Santo, segundo Santo Agostinho, é Amor, pois que é o amor entre o Pai e o Filho. Como esse amor é mútuo, e tudo que o Pai tem também o tem o Filho, o Espírito Santo não é gerado somente pelo Pai, mas pelo Pai e pelo Espírito Santo, ainda que nesse sentido fosse originalmente mudo o Credo de Constantinopla. A Igreja acrescentou ao Símbolo que o Espírito procede do Pai “e do Filho” (em latim, Filioque), o que foi negado por Fócio, Patriarca de Constantinopla, condenado pela autoridade eclesiástica e deposto de sua dignidade por usurpar o trono patriarcal. Fócio deu origem ao cisma, consumado em 1054, pelo Patriarca Miguel Cerulário, ocasiando o surgimento da Igreja “ortodoxa”.
Como já ensinamos, à Trindade de Pessoas não se opõe a unidade de natureza. Devemos crer na unidade da natureza divina e na Trindade de Pessoas divinas. Podemos falar, face à distinção das Pessoas por Suas relações de origem, em atividades de cada uma delas no seio da Trindade, verdadeiras funções hispostática, i.e., personalíssima, ad intra. A função eterna, hipostática, do Pai, no seio da Trindade, na vida divina ad intra, é ser a causa, o princípio, a fonte da divindade. O Filho possui a função de ser gerado. Por Sua vez, o Espírito Santo é aquele que procede de ambos. Contudo, para que se evitem confusões – e já as temos demais no ambiente atual da Igreja! –, diferenciemos o termo “causa” como filosoficamente entendido e como se o formula em teologia. Na filosofia, a causa antecede a conseqüência; são dois eventos historicamente separados. Todavia, campo da teologia trinitária, quando dizemos que o Pai é causa do Filho e do Espírito Santo, não estamos separando-Os de modo que pareça ter havido um tempo no qual um d’Ele não existia, conforme já expusemos itens acima. Se o Filho é gerado pelo Pai, não há um evento histórico, datado, dessa geração, que se dá eternamente. Desde todo o sempre, o Filho é gerado pelo Pai, e o Filho procede dos dois. “Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos.” (Credo Niceno-constantinopolitano) Por isso, o Pai é Pai: n’Ele está a fonte da divindade, embora desde sempre tenham existido o Filho e o Espírito Santo, e os três, juntos ou isoladamente, sejam igualmente adoráveis, co-eternos e perfeitamente divinos. As três atividades ad intra são conhecidas como paternidade, geração e expiração (ou processão), e correspondem, à luz do que se viu aos movimentos próprios de cada Pessoa designando Sua origem que a distingue das outras, ainda que tenham todas a mesma, única e indivisível natureza divina.
Quanto à atividade ad extra de Deus é ela comum a todas as Pessoas. Falamos de atividade ad extra quando queremos designar a ação das Pessoas da Trindade Santíssima no mundo criado, fora do seio da Trindade. São atividades extradivinas, i.e., que não se relacionam somente com as próprias Pessoas divinas, como que a distingui-las, mas com as coisas criadas por Elas. Toda atividade externa é obra conjunta da Trindade. Não podemos dizer, assim, que só o Pai cria, que só o Filho redime dos pecados, que só o Espírito Santo santifica as almas. Não é possível dizer que, fora das relações intradivinas, alguma das Pessoas da Trindade executa algo que outra não faz. Tudo é comum. Quem age não é uma Pessoa divina isolada, mas as três, pois contata-se a natureza divina com o universo criado, seja ele visível – homem, animais, plantas, pedras etc – ou invisível – anjos, demônios, almas no céu, no inferno ou no purgatório. Dessa maneira, na Criação agem tanto o Pai, quanto o Filho e o Espírito Santo, e o mesmo na Redenção, na Santificação e em qualquer ação de Deus fora de Si mesmo.
Embora isso seja verdade – que as atividades ad extra são comuns às três Pessoas da Trindade – costuma-se atribuir a cada uma delas uma função especial. Assim, sem negar que cada atividade externa é comum a todas as Pessoas divinas, a Tradição da Igreja, por relacionar cada uma das três atribuições principais de Deus no mundo com a origem de alguma Hipóstase – já vimos que Hipóstase significa Pessoa –, soube identificar nessas atribuições a ação especial: do Pai, na Criação; do Filho, na Redenção dos homens do pecado; do Espírito Santo, na Santificação das almas. Claro que tanto o Pai quanto o Filho e o Espírito Santo criam, mas, por relacionar-se especialmente com a atividade ad intra de paternidade, tal atribuição de Criação é identificada como sendo própria do Pai. Ainda tanto o Pai quanto o Filho e o Espírito Santo redimem, salvam, mas, por relacionar-se especialmente com a atividade ad intra de ser gerado – e nisso, sendo o conceito formado pela contemplação, o Filho é também a Sabedoria de Deus, pois é gerado pela via da intelecção –, tal atribuição é identificada a Salvação, pois ela é obra da sabedoria. Por fim sabemos que tanto o Pai quanto o Filho e o Espírito Santo santificam, mas, por relacionar-se especialmente com a atividade ad intra de proceder – e a processão se dá pela via da vontade, pela manifestação do amor entre o Pai e o Filho –, tal atribuição de Santificação é identificada como sendo própria do Espírito Santo, pois o homem é santificado por amar a Deus e corresponder, pela fé, a Seu amor. Outros teólogos ensinam que as atribuições de cada Pessoa podem se dividir em obras de Onipotência para o Pai, obras de Sabedoria para o Filho, e obras de Amor para o Espírito Santo, advertindo que, ainda assim, os três atributos pertencem a cada uma das Pessoas em comum, pois fazem parte da própria natureza divina, única e indivisível.
Como cristãos, nosso dever é adorar a Santíssima Trindade, pois assim adoramos todas e cada uma das Pessoas divinas, iguais e distintas, sem confusão nem separação: “Na verdade, é justo e necessário, é nosso dever e salvação dar-vos graças, sempre e em todo o lugar, Senhor, Pai santo, Deus eterno e todo-poderoso. Com osso Filho único e o Espírito Santo sois um só Deus e um só Senhor. Não uma única pessoa, mas três pessoas num só Deus. Tudo o que revelastes e nós cremos a respeito de vossa glória atribuímos igualmente ao Filho e ao Espírito Santo. E, proclamando que sois o Deus eterno e verdadeiro, adoramos cada uma das pessoas, na mesma natureza e igual majestade.” (Missal Romano; Prefácio da Santíssima Trindade) Quando fazemos o sinal-da-cruz, invocando Deus “em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”, estamos prestando culto à Trindade e dizendo que acreditamos nesse mistério, que professamos esse dogma. Ainda hoje, infelizmente, muitos dos que se dizem cristãos negam a divindade de Jesus Cristo, e não crêem no mistério da Santíssima Trindade, tendo-o por falso e errado. Entre esses novos arianos, que não acreditam na Trindade de Pessoas em Deus – e, portanto, pensam que Jesus é apenas um homem –, estão a seita dos testemunhas de Jeová, os espíritas (kardecistas, participantes de cultos africanos, e membros da Legião da Boa Vontade), e mesmo certo ramo dos mórmons. Há ainda alguns protestantes que não crêem na Trindade, embora a grande maioria deles, a despeito de seus outros muitos erros, a confessem. Até quem se diz católico e faz o sinal-da-cruz nem sempre acredita na Santíssima Trindade ou nem sabe o que significa. É nossa responsabilidade ensiná-los.
O sabelianismo, monarquianismo, ou modalismo, foi um erro defendido por Sabélio, que negava a Trindade de Pessoas. Com o intuito de melhor assegurar a unidade de natureza em Deus, confundindo os termos, sustentavam os sabelianos que o Pai, o Filho e o Espírito Santo eram tão somente modos de manifestação divina, ou de compreensão do Criador. Para eles não havia três Pessoas distintas, mas uma só – confundindo a existência trina das Pessoas com a natureza una de Deus –, que se manifestava de três modos. Para Sabélio, “Pai, Filho e Espírito Santo são apenas nomes diferentes de um ser único.” (ZILLES, Mons. Urbano. “Jesus Cristo. Quem é este?” Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999; p. 218) O Papa Calixto I excomungou Sabélio e seus sequazes modalistas.
Querendo, por sua vez, assegurar a diferença entre as Pessoas, Ario, sacerdote da Igreja de Alexandria, negou a divindade de Cristo, o Filho, atribuindo-Lhe uma natureza diferente. Se Sabélio confundiu os termos, dizendo que eram o Pai, o Filho e o Espírito Santo da mesma natureza e a mesma Pessoa, o arianismo irá dizer que, sendo Pessoas distintas, são também de naturezas distintas. Como veremos, a posição católica está justamente em que há – como bem distingue Sabélio, ao contrário de Ario – a uma só natureza divina em três Pessoas distintas – como diz Ario, negando o “ensino” sabeliano. Ario considerava o Filho “como criatura do Pai” (Idem. op. cit.), pois para ele “Cristo não era Deus” (Idem. op. cit.). “Considerava, numa perspectiva neoplatônica, que só o Pai é eterno, incriado e imutável e, em sentido estrito, merece o nome de Deus. O Filho, criado do nada, é a primeira e mais excelente das criaturas. (...) ...não é da mesma substância do Pai.” (idem. op. cit.) Contra os erros de Ario foi convocado o Concílio Ecumênico de Nicéia I, em 325, a partir do qual o movimento foi perdendo força, principalmente pela atuação militante de Santo Atanásio, que não deu quartel à heresia. Retirando-se do Oriente, foi encontrar apoio somente nos bárbaros que iriam invadir o Império Romano, sendo finalmente vencidos pela constante oposição que lhe fizeram Santa Clotilde e os reis francos convertidos ao catolicismo.
Outra heresia anti-trinitária foi uma espécie de arianismo do Espírito Santo. O heresiarca Macedônio aceitou a divindade do Filho, mas negou a do Espírito, sendo por isso convocado outro sínodo, o Concílio Ecumênico de Constantinopla I. O macedonianismo pregava que, embora o Filho seja Deus, participe da mesma divindade de Deus, ainda que seja uma Pessoa distinta, o Espírito Santo é uma criatura, uma espécie de anjo enviado pelo Criador para executar Suas ações no mundo. Santo Atanásio novamente ataca as proposições heréticas e consegue ver em Constantinopla confirmada a doutrina católica, que será mais tarde desenvolvida pelos Padres Capadócios, por São Máximo, o Confessor, e por Santo Agostinho.
Qual é, pois, a ortodoxia, i.e., a doutrina correta, a verdade revelada por Deus, e guardada pela Igreja Católica, e explicitada pela mesma através de seu Magistério? Qual a autêntica verdade católica acerca da Trindade de Pessoas em Deus? Que diz o dogma que versa sobre o mistério da Santíssima Trindade? Sabemos que existe um mistério – Santíssima Trindade –, que, por isso mesmo, é inacessível em sua plenitude, mas que, sendo revelado por Deus, foi ensinado pela Igreja, que o definiu em dogma com termos bem precisos, já citados em parte: há um só Deus em três Pessoas, uma só natureza divina existente em três Hipóstases divinas. Os grandes teólogos, principalmente os santos aludidos acima, ajudaram a desenvolver o entendimento do mistério e do dogma. Santo Tomás de Aquino, na Idade Média, utilizou a razão para associar-se ao dado revelado e nos fornecer uma fantástica exposição sobre a Trindade. Vimos que o Pai, o Filho e o Espírito Santo têm a mesma natureza e ainda assim são Pessoas distintas.
Ora, tal distinção não pode existir em função da natureza, eis que ela é a mesma para todas as três Pessoas. Por outro lado, as Pessoas divinas também não se distinguem por suas perfeições nem por suas obras exteriores. Assim, nenhuma das Pessoas é mais poderosa ou mais sábia, pois, sendo igualmente o mesmo e único Deus, todas as três têm a mesma sabedoria e o mesmo poder. Tendo, enfim, pelo mesmo poder, idêntica onipotência – sob pena de não ser Deus quem não a tenha –, não se distinguem pelas obras exteriores as Pessoas divinas. A distinção está, como bem ensinou o Aquinate, nas relações de origem: o Pai não provém de nenhuma Pessoa; o Filho é gerado pelo Pai; o Espírito Santo procede do Pai e do Filho. São essas relações de origem, relações de oposição, que distinguem uma Pessoa da outra. Bem definiu o Concílio Ecumênico de Florença, realizado no medievo, que “tudo é uno, a não ser quanto a oposição de relações.” (DS 703/1330)
O Pai não é o Filho, unicamente porque este é gerado por aquele, enquanto o Filho não é o Espírito Santo exatamente porque este é procedido do primeiro e do Pai. O Pai é igual ao Filho e ao Espírito Santo em sua natureza, mas destes se distingue pela sua relação de origem: é causa não proveniente de nenhuma Pessoa. O Filho é igual ao Pai e ao Espírito Santo em sua natureza, mas destes se distingue pela sua relação de origem: é gerado pelo Pai. O Espírito Santo é igual ao Pai e ao Filho em sua natureza, mas destes se distingue pela sua relação de origem: procede do Pai e do Filho. Notemos que, por sua perfeição, característica própria de Deus, pela mesma natureza eterna, a não proveniência do Pai, a geração do Filho, e a processão do Espírito Santo, são igualmente eternas. O Filho, como veremos, não é gerado em um dado momento histórico, mas, segundo a linguagem do Credo, “nascido do Pai antes de todos os séculos.” (Símbolo Niceno-constantinopolitano) O Espírito Santo, por Sua vez, não procede do Pai e do Filho em uma circunstância histórica. O Filho é gerado eternamente, i.e., desde sempre, não iniciou a ser gerado. O Espírito Santo procede eternamente, i.e., desde sempre, não iniciou a proceder.
Como se dá essa geração do Filho e essa processão do Espírito Santo é o tema deste item. O Pai, causa sem proveniência, é perfeito, e, por Sua perfeição, é levado a contemplar-Se. Nós, seres humanos, quando vemos algo belo, que reflete a perfeição divina, somos inclinados a contemplar essa beleza, temos a tendência de contemplação da beleza. Quanto mais Deus que pode contemplar de maneira mais excelente, e, ainda por cima, é a própria beleza e perfeição. O Pai, ao contemplar Sua perfeição, forma dela um conceito. Nós também, sempre que olhamos para algo, formamos, em nossa mente, um conceito, uma palavra. O Pai, quando contempla Sua perfeição, forma, então uma conceito dessa perfeição, e tal conceito é tido como Verbo, Logos (pois são termos para expressar essa palavra, esse conceito que é formado em quem contempla algo). Ora, se o Pai, que Se contempla, é perfeito, Seu Verbo também o é, pois o objeto da contemplação é o próprio Deus e Sua perfeição. A imagem que é formada em Deus pela contemplação de Si mesmo é da mesma natureza que o objeto da contemplação. Se o Pai contempla a Si, a imagem, o conceito, o Verbo, o Logos, formado pela contemplação é da mesma Sua natureza. Ao contemplar uma bola, formamos o conceito de uma bola. Ao contemplar um quadro, formamos o conceito de um quadro. Ao Deus contemplar Deus, forma-se o conceito de Deus. Essa contemplação que forma um conceito é chamada geração, sendo que o Verbo gerado é o Filho.
Assim, o Filho é da mesma natureza do Pai, pois sendo Este quem contempla, Aquele é a própria imagem da contemplação. Por outro lado, quando vemos algo belo, e o conhecemos, o amamos. Assim, o Pai ao contemplar-Se, gera o Filho, e, por conhecê-Lo – afinal, é da mesma natureza, e possui, como atributo divino, a onisciência, i.e., o pleno conhecimento de tudo e todas as coisas –, O ama. Por sua vez, se o Filho também é Pessoa – pois o conceito da perfeição em Deus é igualmente perfeito e, portanto, Pessoa, com os mesmos atributos e a mesma natureza –, é capaz de amar o Pai. Esse Amor entre o Pai e o Filho, entre o Contemplador e a Imagem formada pela contemplação, é propriamente o Espírito Santo. Como é o amor entre uma perfeição e outra, trata-se também de uma perfeição e, por isso mesmo, pessoal. Assim, o Amor entre o Pai e o Filho é também Pessoa, igualmente perfeita e divina. A inteligência é o ponto de entendimento da geração do Filho, e a vontade o da processão do Espírito Santo. O ato de intelecção perfeitíssimo do Pai ao contemplar-Se gera uma Imagem também perfeitíssima e, por isso, ela é Deus. Como é uma Imagem, um conceito da natureza de Deus, o Filho tem a mesma natureza do Pai. O ato de vontade perfeitísismo do Pai e do Filho ao Se amarem gera um Amor também perfeitíssimo e, por isso, ele é Deus. Como é um Amor da natureza de Deus – do Pai pelo Filho e do Filho pelo Pai –, o Espírito Santo tem a mesma natureza do Pai e do Filho.
O Pai é tem esse nome porque d´Ele é que saem as demais Pessoas divinas. O Filho é assim chamado por causa de Sua geração do Pai. É Jesus Cristo chamado Filho em sentido próprio, uma vez que Sua filiação é dada por natureza – nós, como veremos, somos filhos de Deus pela graça. O Espírito Santo, porém, em Seu nome não explicita nenhuma diferença, uma vez que também o Pai e o Filho são espíritos e santos. O nome próprio do Espírito Santo, segundo Santo Agostinho, é Amor, pois que é o amor entre o Pai e o Filho. Como esse amor é mútuo, e tudo que o Pai tem também o tem o Filho, o Espírito Santo não é gerado somente pelo Pai, mas pelo Pai e pelo Espírito Santo, ainda que nesse sentido fosse originalmente mudo o Credo de Constantinopla. A Igreja acrescentou ao Símbolo que o Espírito procede do Pai “e do Filho” (em latim, Filioque), o que foi negado por Fócio, Patriarca de Constantinopla, condenado pela autoridade eclesiástica e deposto de sua dignidade por usurpar o trono patriarcal. Fócio deu origem ao cisma, consumado em 1054, pelo Patriarca Miguel Cerulário, ocasiando o surgimento da Igreja “ortodoxa”.
Como já ensinamos, à Trindade de Pessoas não se opõe a unidade de natureza. Devemos crer na unidade da natureza divina e na Trindade de Pessoas divinas. Podemos falar, face à distinção das Pessoas por Suas relações de origem, em atividades de cada uma delas no seio da Trindade, verdadeiras funções hispostática, i.e., personalíssima, ad intra. A função eterna, hipostática, do Pai, no seio da Trindade, na vida divina ad intra, é ser a causa, o princípio, a fonte da divindade. O Filho possui a função de ser gerado. Por Sua vez, o Espírito Santo é aquele que procede de ambos. Contudo, para que se evitem confusões – e já as temos demais no ambiente atual da Igreja! –, diferenciemos o termo “causa” como filosoficamente entendido e como se o formula em teologia. Na filosofia, a causa antecede a conseqüência; são dois eventos historicamente separados. Todavia, campo da teologia trinitária, quando dizemos que o Pai é causa do Filho e do Espírito Santo, não estamos separando-Os de modo que pareça ter havido um tempo no qual um d’Ele não existia, conforme já expusemos itens acima. Se o Filho é gerado pelo Pai, não há um evento histórico, datado, dessa geração, que se dá eternamente. Desde todo o sempre, o Filho é gerado pelo Pai, e o Filho procede dos dois. “Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos.” (Credo Niceno-constantinopolitano) Por isso, o Pai é Pai: n’Ele está a fonte da divindade, embora desde sempre tenham existido o Filho e o Espírito Santo, e os três, juntos ou isoladamente, sejam igualmente adoráveis, co-eternos e perfeitamente divinos. As três atividades ad intra são conhecidas como paternidade, geração e expiração (ou processão), e correspondem, à luz do que se viu aos movimentos próprios de cada Pessoa designando Sua origem que a distingue das outras, ainda que tenham todas a mesma, única e indivisível natureza divina.
Quanto à atividade ad extra de Deus é ela comum a todas as Pessoas. Falamos de atividade ad extra quando queremos designar a ação das Pessoas da Trindade Santíssima no mundo criado, fora do seio da Trindade. São atividades extradivinas, i.e., que não se relacionam somente com as próprias Pessoas divinas, como que a distingui-las, mas com as coisas criadas por Elas. Toda atividade externa é obra conjunta da Trindade. Não podemos dizer, assim, que só o Pai cria, que só o Filho redime dos pecados, que só o Espírito Santo santifica as almas. Não é possível dizer que, fora das relações intradivinas, alguma das Pessoas da Trindade executa algo que outra não faz. Tudo é comum. Quem age não é uma Pessoa divina isolada, mas as três, pois contata-se a natureza divina com o universo criado, seja ele visível – homem, animais, plantas, pedras etc – ou invisível – anjos, demônios, almas no céu, no inferno ou no purgatório. Dessa maneira, na Criação agem tanto o Pai, quanto o Filho e o Espírito Santo, e o mesmo na Redenção, na Santificação e em qualquer ação de Deus fora de Si mesmo.
Embora isso seja verdade – que as atividades ad extra são comuns às três Pessoas da Trindade – costuma-se atribuir a cada uma delas uma função especial. Assim, sem negar que cada atividade externa é comum a todas as Pessoas divinas, a Tradição da Igreja, por relacionar cada uma das três atribuições principais de Deus no mundo com a origem de alguma Hipóstase – já vimos que Hipóstase significa Pessoa –, soube identificar nessas atribuições a ação especial: do Pai, na Criação; do Filho, na Redenção dos homens do pecado; do Espírito Santo, na Santificação das almas. Claro que tanto o Pai quanto o Filho e o Espírito Santo criam, mas, por relacionar-se especialmente com a atividade ad intra de paternidade, tal atribuição de Criação é identificada como sendo própria do Pai. Ainda tanto o Pai quanto o Filho e o Espírito Santo redimem, salvam, mas, por relacionar-se especialmente com a atividade ad intra de ser gerado – e nisso, sendo o conceito formado pela contemplação, o Filho é também a Sabedoria de Deus, pois é gerado pela via da intelecção –, tal atribuição é identificada a Salvação, pois ela é obra da sabedoria. Por fim sabemos que tanto o Pai quanto o Filho e o Espírito Santo santificam, mas, por relacionar-se especialmente com a atividade ad intra de proceder – e a processão se dá pela via da vontade, pela manifestação do amor entre o Pai e o Filho –, tal atribuição de Santificação é identificada como sendo própria do Espírito Santo, pois o homem é santificado por amar a Deus e corresponder, pela fé, a Seu amor. Outros teólogos ensinam que as atribuições de cada Pessoa podem se dividir em obras de Onipotência para o Pai, obras de Sabedoria para o Filho, e obras de Amor para o Espírito Santo, advertindo que, ainda assim, os três atributos pertencem a cada uma das Pessoas em comum, pois fazem parte da própria natureza divina, única e indivisível.
Como cristãos, nosso dever é adorar a Santíssima Trindade, pois assim adoramos todas e cada uma das Pessoas divinas, iguais e distintas, sem confusão nem separação: “Na verdade, é justo e necessário, é nosso dever e salvação dar-vos graças, sempre e em todo o lugar, Senhor, Pai santo, Deus eterno e todo-poderoso. Com osso Filho único e o Espírito Santo sois um só Deus e um só Senhor. Não uma única pessoa, mas três pessoas num só Deus. Tudo o que revelastes e nós cremos a respeito de vossa glória atribuímos igualmente ao Filho e ao Espírito Santo. E, proclamando que sois o Deus eterno e verdadeiro, adoramos cada uma das pessoas, na mesma natureza e igual majestade.” (Missal Romano; Prefácio da Santíssima Trindade) Quando fazemos o sinal-da-cruz, invocando Deus “em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”, estamos prestando culto à Trindade e dizendo que acreditamos nesse mistério, que professamos esse dogma. Ainda hoje, infelizmente, muitos dos que se dizem cristãos negam a divindade de Jesus Cristo, e não crêem no mistério da Santíssima Trindade, tendo-o por falso e errado. Entre esses novos arianos, que não acreditam na Trindade de Pessoas em Deus – e, portanto, pensam que Jesus é apenas um homem –, estão a seita dos testemunhas de Jeová, os espíritas (kardecistas, participantes de cultos africanos, e membros da Legião da Boa Vontade), e mesmo certo ramo dos mórmons. Há ainda alguns protestantes que não crêem na Trindade, embora a grande maioria deles, a despeito de seus outros muitos erros, a confessem. Até quem se diz católico e faz o sinal-da-cruz nem sempre acredita na Santíssima Trindade ou nem sabe o que significa. É nossa responsabilidade ensiná-los.
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