9,15
Por padre Leo Trese
Esta é a manhã em que o Senhor* e eu costumamos fazer a visita à Sra Diller, que está de cama com a perna quebrada. *(Padre Léo se refere a Sagrada Hóstia, o Senhor sacramentado, que vai levar consigo a uma doente)
No momento em que apago as velas e me afasto do Sacrário tendo entre as mãos a bolsa de seda, sinto outra vez a inefável emoção que me acompanha nestas excursões com o Divino Médico. Já ao volante do meu Ford, penso que sou sentimental, mas a Sua presença ao meu lado é agora completamente real.
Olhamos ambos através da janela do carro. "Pobre Max Corrigan - murmuro ao passar pelo seu celeiro, agora em cinzas - este ano ele e os filhos vão precisar de muita ajuda". Pelo canto do olho, quase posso ver o meu Companheiro de viagem acenar com a cabeça e sorrir como que concordando."Isto já está arrumado - penso para mim - Max pode deixar de se preocupar".
Nada digo quando passamos pela casa de uma aflitíssima avó que cuida da pequena Maria, pater ignotus, de pai desconhecido; nada digo, mas não pode enganar-me a expressão de piedade desses olhos que olham ao mesmo tempo que os meus.
Viro rapidamente o volante quando passamos pelo pobre louco Walter, que caminha penosamente pela estrada, e o meu Companheiro saúda com a mão, como eu, aquela alma infantil que habita num corpo de cinquenta anos.
Se o itinerário é longo - as vezes, andamos sete ou oito kilometros sem parar - vou desfiando as contas do terço e Ele me fala da nossa Mãe.
Outras vezes, procuro entrete-Lo com canções da minha juventude, daquelas que fariam levantar o sombrolho nos meios musicais. Ao ouvirem-me cantar - enquanto os tempos passam através da janela aberta do carro -, os passarinhos dos beirais estendem assustados as suas cabecinhas. Mas o meu Companheiro de viagem não se opõe, é a voz que Ele me deu.
Por vezes, seguimos em silencio enquanto Ele me ajuda a resolver os meus problemas. Foi durante estas viagens que me ensinou que nunca, exceto na Missa, estou tão perto dEle como nos momentos em que visitamos juntos os seus queridos doentes, os seus próprios membros que sofrem. Parece-me incrível que tenha havido um tempo em que considerava estas visitas um trabalho penoso e só as fazia quando era chamado. É incrível como dava mais valor a outros deveres - a escola, as reuniões, a ginástica - do que a este outro, o mais essencial. Por estranho que pareça, era o que acontecia.
Só com o andar do tempo é que consegui reconhecer a verdade que agora me parece tão clara - a de que, nestas visitas, estou com Cristo e sou o próprio Cristo. Ele não precisa estar comigo sacramentalmente. É suficiente que eu leve apenas a benção e uma palavra de animo a um doente, para ter certeza da proximidade quase física do meu Mestre.
Percebi que esta é a verdadeira caridade que cobre a multidão de pecados. Enquanto em outras épocas tapava os ouvidos mal ouvia falar de doenças e sofrimentos, agora aprendi qta alegria há em procurá-los.
Foi Ele que me ensinou a alegria de ir inesperadamente visitar um doente que não pensava estar tão mal que precisasse de padre; é a Ele que atribuo humildemente a grata surpresa que se reflete nos olhos de dor de uma pessoa acamada. Ainda que pareça estranho, nenhum dever do dia fica prejudicado pelo tempo que dedico aos doentes. Muitas vezes penso que os livros de teologia pastoral deviam trazer uma espécie de lista de obrigações sacerdotais, ordenadas pela sua importância. Em primeiro lugar, sublinhado como dever absoluto, viria: dedicação aos doentes e aos que sofrem. E em baixo, outras coisas tais como catequese, sermões, organização...
A recompensa é, como diria meu encarregado de esportes, que nada fará com que um sacerdote conquiste tão rapidamente o afeto de seus paroquianos - dos enfermos e dos sãos - como o apostolado dos doentes.Bem pode o padre ser irascível, exigente ou briguento, que tudo lhe será perdoado se puderem contar com ele a seu lado como "pai dedicado" e "baluarte de coragem", sempre que a doença os abale.
Nem uma gripe de uma semana escapa ao conhecimento do Divino Médico. Foi numa desas visitas que fizemos juntos que Ele me pediu que aconselhasse ao povo: "Se alguém da família ficar tão doente que precise de médico, não deixem de avisar também o pároco".
Ninguém pode imaginar como estes doentes agradecem e amam as bençãos e as ricas e variadas orações que dão um novo significado aos seus achaques. Embora nem sempre compreendam inteiramente, intuem o significado real do Corpo Místico de Cristo e percebem como a Igreja se utiliza do imenso caudal das suas energias para robustecer os débeis.
Há também outras que abundam nas casas dos que sofrem. Faz agora precisamente uma semana, no domingo passado, fiquei tão surpreendido que quase não consegui continuar a dar a Comunhão: o velho Joe Kearns estava ali, de joelhos, para receber o Senhor pela primeira vez depois de quarenta anos: as minhas frequentes visitas a sua esposa, que estava de cama, tinham sido o veículo escolhido por Deus para levar-lhe a sua graça...
Esta manhã a sra Vandercook telefonou-me querendo saber se podia começar as suas aulas de catecismo. O Mestre intervem discretamente; tinha ido comigo visitá-la no dia em que ela esteve a ponto de perder o seu filhinho mais novo.
Bem, cá estamos diante da casa dos Diller. Este carro velho e enlameado não se parece com uma carruagem real, penso eu enquanto estacionamos junto da porta da cozinha. Através dos vidros, posso ver o candeeiro aceso. A filha dos Diller está a minha espera - a filha casada, aquela que começou vir a igreja desde que Cristo começou a visitar sua mãe; matriculou também os filhos na escola católica e em breve irão fazer a Primeira Comunhão.
A sra Diller vai ficar muito contente. E Cristo também. É surpreendente pensar no que consegue fazer uma perna quebrada.
Fonte: Vaso de Argila
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