quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O Exame Particular



Por Padre Leo Trese

11,45

Neste interlúdio tão agradável de quinze minutos livres, lamentando pela milésima vez ter sido tão materialista em assuntos espirituais, entro na sacristia.

Sempre me tocou aprender do modo mais difícil, à força de pancadas.

Apesar dos diretores do seminário e dos teólogos de ascética, tive que descobrir por mim mesmo que ou meditamos ou perecemos. Mais tempo ainda levarei a admitir a necessidade do exame de consciência. Considerava-o privativo das freiras e dos seminaristas, deslocado na vida de um sacerdote cheio de afazeres. Pouco a pouco, no entanto, fui percebendo que a meditação, só por si, não é suficiente. As boas resoluções esquecem-se depressa.

Às sete da manhã parecia-me estar flutuando em outro mundo, mas às sete da tarde sentia-me muito preso a este. Era evidente que meus esforços espirituais tinham o mesmo defeito do meu futebol: Falta de fôlego.

Enquanto os meus joelhos tratam de apoiar-se comodamente nos degraus do altar, penso maravilhado no poder da graça divina, que consegue abrandar uma cabeça tão dura como a minha. Por fim, resolvi fazer todos os dias o meu exame de consciencia. Foi um esforço que se salvou do fracasso e do desleixo por uma margem muito estreita, mas que talvez só fosse estreita na aparencia, já que essa margem era nem mais nem menos a graça de Deus.

A princípio, apresentaram-se duas dificuldades.

A primeira, que tardei em reconhecer, foi a minha própria presunção e ougulho. Esses poucos minutos pareciam-me ridiculamente longos. Coisa estranha! Era-me extremamente fácil passar uma hora refletindo sobre o lado bom dos meus supostos talentos e façanhas, e não era capaz de preencher cinco minutos pensando nos meus defeitos.

Ainda hoje coro de vergonha quando me lembro de que, as vezes, tinha que rezar uma ou outra dezena do terço durante o exame, porque não encontrava nada de especial em que pensar! Felizmente, persisti nessa prática o tempo suficiente para que o vapor se dissipasse do espelho e eu começasse a ver-me tal como era.

Compreendo agora porque passei tanto tempo procurando esquivar-me: o meu velho compadre, o eu, tinha o pressentimento e o pavor do escandalo que podia rebentar. Não é agradável ser-se apanhado em mentira, mesmo que seja uma só vez. Mas esse guia severo e impiedoso chamado exame surpreendia-me sempre quando mais me sentia enlevado nas minhas cômodas ilusões.

A segunda dificuldade consistiu no velho e capcioso pretexto que se pode resumir numa frase: "muito ocupado". Fosse o que fosse que estivesse fazendo antes do almoço, quer se tratasse de uma visita paroquial, de um trabalho na secretaria ou de uma simples conversa com uma visita, sempre me parecia impossível livrar-me antes da hora exata de sentar-me a mesa.

Soava o Angelus, e onde encontrar tempo para o exame? A dificuldade resolveu-se muito simplesmente quando me ocorreu a idéia (obrigado meu Deus) de atrasar quinze minutos a hora do almoço e passar esse tempo na igreja. Foi tão fácil!

Agora encerro os meus trabalhos da manhã, não ao meio-dia, mas às 11:45. É surpreendente verificar como a visita mais persistente se retira de boa vontade quando lhe digo: "Agora tenho que ir a igreja"; estou certo de que sai menos descontente do que se lhe dissesse: "São horas do meu almoço".

"Muito ocupado"! é um argumento que ainda não consegui abolir por completo. Vez por outra, tenho que fazer disso tema do meu exame. Muito ocupado para cumprir a minha única obrigação, que é santificar-me?

Será possível que a minha gente perca alguma coisa por eu reservar parte do meu tempo para tentar ser melhor sacerdote? Estou mergulhado em reuniões, planos e atividades. Todas as noites a luz fica acesa até altas horas no salão paroquial. Mobilizei todos os membros da paróquia, exceto os cães e os gatos. Não tenho tempo para mim. Todos podem ver como me dedico aos meus paroquianos!

Penso então no Cura d'Ars e... zás! lá se vai por água abaixo o parapeito que ergui com tanto esforço para livrar-me da tarefa da minha própria santificação.

Quantos escoteiros e escoteiras tinha o Cura d'Ars? Quantas equipes de futebol, quantos campeonatos e quantos clubes organizou? Se eu me decidisse a ser um verdadeiro sacerdote, um homem de oração, de caridade e de sacrificio (por essa ordem), talvez passasse a ter o confessionário e a mesa da Comunhão completamente cheios, e não tivesse que recorrer a tantos sermões e circulares.

Não é que as atividades da paróquia não tenham a sua importância, mas devo ve-las na sua perspectiva real e não permitir que a moldura seja maior que o quadro. Construirei, portanto, algumas barreiras: barreiras em torno do tempo da meditação, do meu exame de consciência e da minha leitura espiritual. E pregarei nelas um grande cartaz: "Proibida a entrada", exatamente como faço para as refeições e para o sono.

Antes de tentar seguir o exemplo de São Paulo e "fazer-me tudo para todos", lutarei em primeiro lugar para que "Cristo viva em mim e eu nEle".

Tenho a vaga suspeita de ter procedido até agora completamente ao contrário.

Oh!, faltam três minutos para o meio-dia e eu ainda não comecei o meu exame! Nem sequer invoquei as luzes do Espírito Santo.

Mas talvez não tenha perdido tempo.

Ainda que já tenha pensado muitas outras vezes nessa mesma coisa, o mundo não desabará se o faço mais uma.

Tenho uma cabeça tão dura, tão terrivelmente dura!

Fonte: Vaso de Argila

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