domingo, 26 de fevereiro de 2012

A Obediência



Por Padre Leo Trese

Aqui, em pleno campo, o carteiro só passa uma vez por dia. Ao entrar no escritório, encontro um molho avantajado de correspondencia: cartas, pedidos de certificado de batismo, documentos para um casamento e outras coisas do gênero.

Animado da maior boa vontade, sento-me à escrivaninha para le-la e avaliá-la; cada maço tem o seu feitiço próprio, que nunca parece desvanecer-se. Quer contenha boas ou más notícias, ou mesmo nenhuma, cada carta recém-chegada é como uma aventura.

Esse envelope elegante, escrito a mão e sem remetente, terá dentro um cheque enviado por alguma alma generosa? Ou será um pedido de certidão de um casamento que nunca se registrou nos livros da minha paróquia? Até estas cartas abertas, franqueadas com vinte centavos e o carimbo de "Impressos", tem o seu encanto, embora eu saiba que se trata do ardil de um intrujão qualquer.

Quase no fim do maço, vejo o timbre da Cúria diocesana. Que será? Outra Coleta? Outra ordem? Outra?... Ah, sim, é outra reunião de parócos marcada para a quarta -feira próxima, as duas da tarde. Não posso reprimir um resmungo de impaciência. Significa cento e vinte quilometros de ida e volta, um dólar de gasolina e uma tarde perdida, tudo para escutar a leitura de um papel que nos poderia ter enviado pelo correio.

Será que os bispos não podiam ser um pouco mais práticos?

Mas...um momento! Não foi na meditação desta manhã que refleti sobre a virtude da obediência e a vontade de Deus? Não assenti interiormente a princípios tão fundamentais como o de que " a obediencia vale mais do que o sacrifício" e de que " não se faça a minha vontade, mas a Tua?". Não concordei de todo o coração em que é o espírito de obediencia, e não a submissão meramente externa, que constitui a perfeição cristã e sacerdotal? Com certeza.

E senti-me completamente satisfeito comigo próprio, pensando que uma das alegrias da visão beatífica será a sublime e visível harmonia entre a vontade divina e a vontade humana de Cristo, e entre a vontade de Deus e a vontade criada de todos os anjos e santos.

A minha fantasia magicava sobre o inferno - lembro-me agora - considerando-o como um lugar em que o elemento principal é o conflito de vontades. Cheguei até a imaginar uma cena em que escapava de uma tentação porque dois demonios rivais estavam em desacordo, empenhados ambos em que eu pecasse segundo o método de cada um.

Vieram depois as resoluções tão facilmente formuladas (sem ter em conta a graça para nada): não desperdiçar mais energias nem tempo a perguntar-me por que a Igreja exige isto ou insiste naquilo: não resmungar porque os ternos escuros fazem transpirar no verão nem invejar a batina branca dos missionários; não lamentar as dores nos pés durante as Vigílias pascal.

Esta foi a minha resolução: ser obediente até nas menores coisas, mesmo que se trate de dar o ósculo da paz nas missas solenes, coisa que é contrária a maneira de ser americana.

Sim, a minha resolução será completa. Abrangia tudo: cânones, rubricas, decretos. Incluía também a vontade do bispo, quer se manifeste como uma ordem ou um desejo, quer me fosse transmitida pessoalmente ou por meio dos seus delegados; tudo seria cumprido por mim sem retrucar nem murmurar.

Naturalmente, a minha presunção e o meu desejo de ficar por cima dir-me-iam que, se fosse eu a dirigir a diocese, saberia faze-lo melhor do que aquele que fora escolhido pelo Espírito Santo que os escolhe tendo em vista unicamente proporcionar aos discípulos de Cristo a necessária cruz de cada dia.

Seja como for, não pude livrar-me da ineroxável conclusão: todas as faltas de obediencia são uma barreira entre mim e Cristo, uma obstrução à graça já na sua fonte.

Mas vejo agora que esta obediencia interior tem as suas dificuldades.

Há um conflito inevitável entre a minha agudeza de espírito e a obtusidade das Congregações romanas, que decidem tão futilmente sobre assuntos de que não tem a menor experiência. Há a inevitável convicção da superioridade da minha inteligencia, que tem que submeter-se à inépcia romana.

Por outras palavras, há o orgulho, esse miserável patife de mil caras que, no momento crucial, habilmente encorajado pela preguiça, conspira com ela para destruir o espírito de obediencia, tendo entretanto o cinismo de deixar intacta a falsa envoltura da obediencia externa.

Na quarta-feira da próxima semana, haverá, pois, uma reunião as duas da tarde. Muito bem, ali estarei; é Cristo que me convida, e eu não posso recusar-me a ir. Cristo substitui-me-á na minha ausencia, fazendo infinitamente mais com a sua graça do que tudo aquilo que eu conseguiria nessas horas.

Enquanto renovo as resoluções tomadas esta manhã, reconheço que a obediencia é uma virtude inspirada pelo Alto. Se eu conseguir na prática, tornar minha a vontade de Deus, terei um povo obediente que me seguirá e serei seu verdadeiro pastor. E, resolvidos os conflitos dentro do meu coração, conduzirei em paz e harmonia o meu rebanho.

Fonte: Vaso de Argila

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