quinta-feira, 17 de maio de 2012

Amizade Clerical


Por Padre Léo Trese

Ao pendurar o telefone, penso que a amizade entre os sacerdotes é não a menor graça que Deus lhes concede. O padre Ted acaba de convidar-me para o encerramento das "Quarentas Horas" na próxima terça-feira. Deo Volente, se Deus quiser lá estarei.

Não devo perder essas ocasiões. Gosto tanto da camaradagem e das amistosas implicâncias... dos atrozes insusltos que escondem afetos sinceros... dos elogios brincalhões que tanto nos ajudam a manter os pés no chão!

Estará lá a habitual quadrilha: David, espirituoso e falador, o antídoto mais seguro do mundo contra a melancolia; Don, vivaz e tão facilmente inflamável, que contestará acaloradamente o meu direito de tomar de empréstimo, por falta de troco, uma moedinhas da bandeja, mas que daria o seu último centavo se eu precisasse; Pat, calmo e ponderado, sobre cujo os ombros se pode chorar a dor que nos oprime; Ray, o tranquilo Ray que deixa tudo para o dia seguinte e cujo o lado todas as preocupações parecem insignificantes e tolas.

Todos eles e alguns mais estarão ali, levando cada um a sua parcela de contribuição para essa inigualável fraternidade sacerdotal, desconhecida do resto do mundo.

Haverá garrafas, gelo e copos no aparador. Tomaremos um aperitivo antes de nos sentarmos a mesa para saborear o triunfo culinário anual da governanta. Com um senso de irmandade, que nunca é tão forte como nesta refeição das Quarentas Horas, pensarei de novo na grande semelhança entre este jantar e os antigos ágapes.

De estômago satisfeito, passaremos a sala de estar, onde a conversa terá seus altos e baixos, indo e vindo entre o trivial e o sério. Trocaremos impressões sobre planos de férias, sobre a difícil situação de algum casal, sobre prováveis nomeações diocesanas ou construções em andamento; enfim sobre tudo aquilo que constitue o mundo sacerdotal.

Depois, quando faltarem dez para as oito, iremos vestir a batina e a sobrepeliz, e avançaremos em tropel para sacristia.
Tomaremos a seguir os nossos respectivos lugares no presbitério, ajoelhando-nos no duro pavimento porque não haverá genuflexórios suficientes. O padre Joe ou talvez Jim dirigirá a recitação do terço.O missionário pronunciará o seu sermão, talvez um pouco mecanicamente, por já o ter repetido tantas vezes. Jerry, o cantor perpétuo do grupo, entoará o hino e nós responderemos em coro ligeiramente desafinado de tenores, baixos e barítonos.

Desceremos depois pela nave central, levando Aquele a quem por vezes seguimos tão tropegamente. Deixaremos cair um pingo de cera nas nossas batinas, avançando de forma irregular pela nave estreita, enquanto os homens do "Santo Nome" deslizam pelos corredores laterias.

Seremos um grupo variado de cabeças pretas e grisalhas (ou calvas); altos e baixos, gordos e magros. Mas todos vibraremos com a mesma expressão de fé e pensaremos nos ausentes, no rebanho que ficou em casa, perguntando-nos nesse meio tempo se fizemos por eles o melhor que sabíamos e podíamos.

Experimentaremos um inusitado sentimento de compulsão pelas nossas omissões e regressaremos subindo os degraus do altar com uma renovada promessa de lealdade a Deus, de quem somos naquele momento, tão literalmente, a Guarda de Honra.

E quando Ele se erguer nas mãos do diácono para nos abençoar, pedir-lhe-mos que a sua benção não se detenha nas paredes desta igreja, mas que os seus olhos misericordiosos se estendam até o pequeno rebanho confiado a cada um de nós, na nossa fraqueza, temos feito tão mal.

A invocação Bendito seja o seu Santo Nome ressoará tão fortemente que será capaz de fazer tremer as velas nos seus castiçais, e nos retiraremos para a sacristia momentaneamente subjugados pelos pensamentos que acariciamos e pela graça que nos tocou o coração.

Mas em breve retomaremos o fio da conversa e um jogo de cartas na casa paroquial arredondará o dia.

Talvez alguns dos que nos viram há meia hora, reunidos em torno do altar, se surpreedam de nos ver agora reunidos em torno da mesa verde.....
Mas, observando as caras que me rodeiam, esquecidas por momentos dos cuidados que lhes pesavam hoje e que voltarão a carga amanhã, recordarei a sua obstinada perseverança e as suas vitórias sobre si mesmos, ano após ano; a sua lealdade, que sempre foi mais forte que a sua fraqueza; o seu amor escondido, que tem sido muito mais forte que as suas falhas.

Recordando tudo isso, sentir-me-ei outra vez orgulhoso por ser um deles- orgulhoso e humildemente agradecido. E, coisa estranha, seria certeza de que Cristo está no meio de nós.

Já será meia noite quando voltar para casa, provavelmente cheirando a cerveja. Estarei bem consciente de não ter passado a tarde em companhia de santos; caso contrário, não me teria sentido tão" em minha casa" entre eles.

Sei perfeitamente que seria muito melhor que todos nós fossemos santos e tivéssemos passado a tarde em piedosa conversa e em abstemia simplicidade.Mas não o somos nem nos propomos se-lo com toda energia necessária.

No entanto, há na nossa amizade uma outra espécie de graça. Pela vida fora, os meus amigos sacerdotes tem sido a nuvem luminosa durante o dia e a coluna de fogo durante a noite que, pela vontade de Deus, me tem ajudado a avançar passo a passo.

Agora, enquanto pego o Breviário para não deixar para trás as leituras e as Laudes, lembro-me do padre Zeke.O padre Zeke nunca simpatizou com reuniões sacerdotais nem com a companhia dos seus irmãos no sacerdócio. Dizia que bebiam muito, que falavam demais, que não tinham consciencia da seriedade da sua vocação.

Pois bem. O padre Zeke anda agora em mangas de camisa e é pai. Talvez viesse a fraquejar de uma maneira ou de outra. Mas eu vou oferecer o Breviário por ele e, ao mesmo tempo, em ação de graças a Deus pelos meus amigos que me tem ajudado a permanecer onde estou.

Fonte: Vaso de Argila

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