quarta-feira, 20 de junho de 2012

São compatíveis a Ciência e a fé?

Por Afonso Aguilló

  O homem encontra a Deus por trás de cada porta que a ciencia consegue abrir. (Albert Einstein)

Para os que acreditam, Deus está no princípio. Para os cientistas, Deus está no final de todas as suas reflexões. (Max Planck)

Pode a Ciência Controlar-se a si mesma?

O físico alemão Otto Hahn, inventor da fissão do átomo de uranio, estava internado num campo de concentração inglês, junto com outros eminentes cientistas. Quando, em agosto de 1945, recebeu a notícia de que Hirosshima tinha sido arrasada por uma bomba atomica, sentiu um profundíssimo sentimento de culpa. As sua pesquisas sobre a fissão do uranio tinham acabado por se utilizar para produzir um massacre terrível.

Foi tal a sua angústia que tentou abrir as veias nos arames farpados que cercavam o campo.

Depois que os seus companheiros conseguiram dissuadi-lo, o velho professor fez-lhes, desolado, a seguinte confissão:"Acabo de perceber que a minha vida não tem mais sentido. Pesquisei pelo puro desejo de revelar a verdade das coisas e todo o meu saber científico acaba de se converter num enorme poder ainiquilador".

A experiencia pessoal de Otto Hanh foi, na realidade, a experiencia amarga de toda uma época. Uma aflitiva impressão de fracasso invadiu os espíritos de todos os que tinham lutado com tanta tenacidade por levar o conhecimento científico a máxima altura possível, convencidos de fazer com isso um grande bem a humanidade.

Tinham trabalhado penosamente com a profunda convicção de que o aumento do saber teórico e o incremento da felicidade humana estavam inequivocamente vinculados. Acreditavam que fomentar o conhecimento científico teria sempre um valor positivo, que significaria automaticamente cotas mais elevadas de felicidade e igualdade. Pensaram que se tratava de um bem inquestionável e que, portanto, se traduziria indubitavelmente em bem-estar para o homem.

Mas esse entusiasmo plurissecular, que já tinha aberto fendas nas tricheiras de Verdun* (uma das batalhas mais sangrentas da 1ª guerra), ruiu estrepitosamente com os horrores da 2ª guerra mundial.

O terrível poder destruidor das armas nucleares, os intensívos bombardeios da população civil, o extermínio sistemático e profundamente cruel de toda uma raça e um saldo de cinquenta milhões de mortos puseram tragicamente de manifesto que o saber teórico pode traduzir-se num saber técnico, e este, por sua vez, num amplo poder sobre a realidade, mas, por desgraça, todo esse domínio não leva automaticamente a uma maior felicidade dos homens se aqueles que detem esse poder não possuem uma consciencia ética proporcional a sua responsabilidade.

Após séculos de febril incremento do saber científico, a idéia de que o progresso humano é sempre contínuo e não pode haver retrocesso revelou-se uma farsa irritante.

O ideal do domínio científico e a consequente forma de humanismo desfizeram-se em pedaços ao entrarem em colisão com a obstinada realidade da história. Era patente que o futuro não devia caracterizar-se por essa ingenua crença no progresso como princípio motor de uma civilização, mas que era preciso alicerçá-lo em valores mais altos e seguros.

História de uma Desilusão.


O psiquiatra austríaco Viktor Frankl, depois da sua experiencia pessoal em diversos campos de concentração, chegou à conclusão de que não foram os ministérios nazistas de Berlim os verdadeiros responsáveis por aquelas atrocidades, mas a filosofia niilista do século XIX.

Se o homem é um simples produto de uma natureza mutável, um simples macaco evoluído, então, da mesma forma que o macaco pode ser enjaulado num zoológico, o homem pode ser encarcerado num campo de extermínio.Se o homem é um simples animal, ainda que extraordinariamente adestrado, e fazemos sabonetes com gordura animal, por que não faze-lo com gordura humana?

O filósofo Edmund Husserl, esclarecido pela falencia do mito do eterno progresso por ocasião da Segunda Guerra mundial - na qual viu, entre outras ocasiões, aquela racionalização perfeita da matança em massa de milhões de inocentes - percebeu claramente que a ciencia, por força do seu método, não pode ser um princípio motor da vida humana.

"O mundo da objetividade científica - escreveu - é um mundo fechado e inóspito. A forma pela qual o homem moderno, na segunda metade do séc. XIX, se deixou determinar totalmente pelas ciencias positivas e cegar pela prosperity a elas devida, significou por de lado as questões decisivas para uma humanidade autentica. As ciências que só comtemplam meros fatos fazem com que os homens só enxergassem meros fatos".

Procurar o conhecimento científico objetivo das coisas é lícito e fecundo. Mas considerar esse modo de conhecer como modelo, como a única forma rigorosa de conhecimento, é uma parcialidade inaceitável, já que empobrece enormemente o homem.

A Ilustração - o Iluminismo - pretendia alcançar o ideal renascentista que sonhava entregar o homem a si mesmo, torna-lo livre, permitindo-lhe viver sob o império exclusivo da razão. A esperança de que o homem atingiria a felicidade para sempre num mundo já dominado e sem segredos, por meio de uma ciência que tudo conheceria e tudo poderia, veio a ser um sonho que nunca se alcançaria e que o horror gigantesco das duas Guerras mundiais converteu em algo pior que um pesadelo.

O domínio da realidade escapava ao molde estreito do pensamento racionalista. E o perigo não derivava da ciencia em si, mas dessa mentalidade que levava a considerar que só se pode conhecer aquilo que é mensurável, controlável, verificável, e a desprezar os aspectos da realidade que resistem a esse tipo de controle e cálculo.

Essa pretensão de domínio sem limites deixava o homem numa situação de desamparo. Logo se viu que a ciencia, que tinha dominado com o seu prestígio o Século das Luzes, não podia, por si só, plenificar a vida do homem.

Não era sua missão. A ciencia não fala de valores, de sentido, de metas, nem de fins, e o ser humano precisa de tudo isso para preservar a sua dignidade e ser feliz. O otimismo ilustrado previra horizontes paradisíacos, mas a utopia científica mostrou como nunca a sua impotência.

Não há dúvida de que o progresso científico foi grande e que esse desenvolvimento é uma coisa boa, ou pelo menos, não tem porque ser má. Mas, hoje em dia, muito poucos acreditam que tudo isso seja a panacéia, que possa fazer algo mais do que transferir a inquietação de uns temas para outros.

O domínio das coisas é muito elevado, mas necessita de um humanismo válido que lhe de sentido. Porque, do contrário, pode embriagar-se com os seus próprios exitos e crescer em direções aberrantes para a dignidade do homem.

A técnica permite desenvolver meios de comunicação extremamente poderosos, rápidos, atraentes, sugestivos, mas esses meios podem ser uma arma de primeira grandeza para manipular as consciências, moldar as vontades e os sentimentos dos homens.

A ciencia precisa de alguns limites para a sua pretensão de soberania. Toda a grande conquista traz consigo uma inevitável ambivalencia: um avanço num aspecto e um retrocesso em outro, talvez não menos valioso.

O aumento de poder não corre sempre paralelamente ao aumento do domínio do homem sobre esse poder. A ciência não pode abandonar-se a sua própria dinamica, mas deve ser regulada por uma instancia externa que a oriente e lhe de sentido.

Fonte: É Razoável Crer?


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