Por Bento XVI
"O que aconteceu em Nazaré, longe dos olhares do mundo, foi um gesto singular de Deus, uma intervenção poderosa na história através da qual uma criança foi concebida para trazer a salvação ao mundo inteiro.
O prodígio da Encarnação continua a desafiar-nos a abrir a nossa inteligência às possibilidades ilimitadas do poder transformador de Deus, do seu amor por nós e do seu desejo de estar em comunhão connosco. Aqui, o eterno Filho de Deus tornou-se homem e assim fez com que nós, seus irmãos e irmãs, pudéssemos compartilhar a sua filiação divina. Aquele movimento de abaixamento de um amor que se esvaziou a si mesmo tornou possível o movimento contrário, de exaltação, em que também nós somos elevados para participar da própria vida de Deus (cf. Fl 2, 6-11).
O Espírito que "desceu sobre Maria" (cf. Lc 1, 35) é o mesmo Espírito que pairou sobre as águas na aurora da Criação (cf. Gn 1, 2). Isto recorda-nos que a Encarnação foi um novo acto criativo. Quando nosso Senhor Jesus Cristo foi concebido por obra do Espírito Santo no seio virginal de Maria, Deus uniu-se à nossa humanidade criada, entrando numa nova relação permanente connosco e inaugurando uma nova Criação.
A narração da Anunciação ilustra a extraordinária amabilidade de Deus (cf. Madre Julian de Norwich, Revelações, 77-79). Ele não se impõe e si mesmo, não predetermina simplesmente o papel que Maria desempenhará no seu plano para a nossa salvação, mas procura em primeiro lugar o seu consenso.
Claramente, na Criação original Deus não pediu o consenso às suas criaturas, mas nesta nova Criação, sim. Maria está no lugar de toda a humanidade. Ela fala por todos nós, quando responde ao convite do Anjo. São Bernardo descreve como toda a plêiade celeste esperava com vigorosa impaciência a sua palavra de consenso, que deu cumprimento à união nupcial entre Deus e a humanidade. A atenção de todos os coros angélicos concentrou-se neste momento, no qual teve lugar um diálogo que daria início a um novo e definitivo capítulo da história do mundo. Maria disse: "Faça-se em mim segundo a tua palavra". E a Palavra de Deus tornou-se carne.
Reflectir sobre este mistério gozoso incute-nos esperança, a esperança certa de que Deus continuará a conduzir a nossa história, a agir com o poder criativo para alcançar as finalidades que para o cálculo humano parecem impossíveis. Isto desafia-nos a abrir-nos à acção transformadora do Espírito Criador que nos renova, nos faz um só com Ele e nos completa com a sua vida. Convida-nos, com especial amabilidade, a dar o consenso para que Ele habite em nós, a acolher a Palavra de Deus nos nossos corações, tornando-nos capazes de responder a Ele com amor e ir com amor uns ao encontro dos outros.
[...]. Às vezes talvez tenhais a impressão de que a vossa voz tenha pouca importância. [..]. A vossa situação traz à mente a da jovem Virgem Maria, que levou uma vida escondida em Nazaré, dispondo de muito pouco para a sua vida quotidiana, em termos de riqueza e de influência mundana. Para citar as palavras de Maria no seu grande hino de louvor, oMagnificat, Deus olhou para a humilde condição da sua serva e encheu de bens os famintos.
Tiremos a força do cântico de Maria, que daqui a pouco entoaremos em união com a Igreja do mundo inteiro! Tende a coragem de ser fiéis a Cristo e de permanecer aqui na terra que Ele santificou com a sua própria presença! Como Maria, também vós tendes um papel a desempenhar no plano divino da salvação, levando Cristo ao mundo, dando testemunho dele e difundindo a sua mensagem de paz e de unidade.
A vossa unidade na fé, na esperança e no amor é um fruto do Espírito Santo que habita em vós e vos torna capazes de ser instrumentos eficazes da paz de Deus, ajudando-vos a construir uma reconciliação genuína entre os diversos povos que reconhecem Abraão como seu pai na fé. Pois como Maria proclamou alegremente no seu Magnificat, Deus recorda-se sempre da "sua misericórdia, conforme tinha dito a nossos pais, em favor de Abraão e da sua descendência, para sempre" (Lc 1, 54-55).
Caros amigos em Cristo, tende a certeza de que eu me recordo continuamente de vós nas minhas orações, e peço-vos que façais o mesmo em relação a mim. Dirigimo-nos agora ao nosso Pai celestial, que neste lugar olhou para a humilde condição da sua serva, e entoemos os seus louvores em união com a Bem-Aventurada Virgem Maria, com todos os coros dos anjos e dos santos, e com a Igreja inteira em todas as regiões do mundo"
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