sábado, 20 de abril de 2013

Os meus paroquianos não-católicos


Por padre Léo Trese




19,30

"Ainda que a família Marks chegue às sete e meia, devo ter tempo para responder a uma ou duas cartas entre tantas que deixei sem resposta. Os Marks chegam sempre atrasados, o que é compreensível visto serem seis. Querem entrar na Igreja católica todos juntos, incluída a pequena Doreen, de quatro anos, e o bebê, que dorme pacificamente durante as minhas explicações sobre o Credo.

Foi uma feliz coincidência a que me animou a visitá-los há três meses.

Philip, o pai, viera à porta da minha cozinha pedir-me o favor de deixá-lo telefonar ao médico, pois a esposa estava doente.A minha governanta (o FBI de todas as casas paroquiais) deduziu da conversa telefônica que ele estava desempregado e andava mal de finanças. Contou-me isso durante o jantar, e quando, no dia seguinte, passei perto da casa dos Marks, parei e entrei para ver se podia ajudá-los nalguma coisa.

Como não eram católicos, mostraram-se um pouco embaraçados com a presença de um padre, e o pequenino chegou a chorar quando me viu. Mas no fim todos vieram até à porta despedir-se de mim, assegurando-me cortesmente que tudo corria bem. Um mês depois, Sara, de treze anos, veio dizer-me que não estava batizada e que a sua mãe gostaria de que eu a batizasse...Fiz-lhe ver que a coisa não era tão simples assim: os pais deveriam dar o seu consentimento e ela teria que aprender o catecismo...

Moral da história: daqui a seis semanas todos os Marks se reunirão à volta da pia batismal para se tornarem membros do Corpo Místico de Cristo.

É estranho, penso agora, que tenha levado tanto tempo a perceber que todas as almas da minha paróquia são membros dela. Em teoria, sabia disso. Mas muitos anos se passaram até que começasse a lembrar-me, muito em especial durante a Missa, dos membros não-católicos do meu rebanho.

E foi ainda mais tarde que adquiri o hábito mental, quando apertava a mão ao pastor metodista, de ver nele um dos “meus”,de quem um dia terei que prestar contas a Deus. Há uma notável diferença entre considerar os meus paroquianos não-católicos como adversários irredutíveis e como possíveis freqüentadores da minha igreja. É uma disposição de espírito que parece facilitar-me a comunicação com eles.

Nota-se que sentem em mim uma sinceridade e interesse autênticos, que não existiam quando me deixava conduzir por uma atitude que vinha a dizer mais ou menos o seguinte: “Não desrespeitemos as normas da cortesia, mas guardemos as distâncias”.

Hoje, quando um dos meus não-católicos se casa com uma divorciada ou morre num desastre, preocupo-me quase tanto como se isso acontecesse a um dos meus paroquianos registrados nos livros da paróquia.

Mas talvez não esteja tão preocupado por eles como por mim próprio. Não faço por eles tudo o que deveria. Tudo, isto é, toda a oração e penitência que deveria. Afinal, são esses os dois únicos instrumentos de que disponho para trabalhar. Não tenho o dom da eloqüência que subjuga, nem uma personalidade magnética que arraste.

Nem mesmo tenho o tempo necessário para seguir todas as técnicas promocionais recomendadas pelos livros para converter almas. Mas poderia orar com mais freqüência, mortificar-me mais, para conseguir as graças de que o meu rebanho, quer esteja ou não dentro do redil, tanto necessita. Até hoje, nunca fiz uma oração premente – unida a um ato de mortificação – sem que apalpasse imediatamente os resultados.

 Às vezes, é tão eficaz que chega a deixar-me mudo de espanto, como se tivesse introduzido distraidamente uma moeda num “caça-níqueis” e de lá jorrasse uma cascata.

Com certeza a maioria dos sacerdotes compreendeu muito mais rapidamente isto que eu demorei tanto a perceber: que o apostolado mais frutífero é o do sacerdote santo e não o do “grande realizador”. Frutífero, entendamos, a longo prazo. Frutífero através dos anos, como a semente enterrada bem fundo, cujas raízes crescem lentamente, mas perduram anos e anos.

Talvez estas reflexões não se devam à sabedoria, mas aos cabelos grisalhos. Talvez não sejam um começo de piedade, mas uma certa espécie de cansaço. Dá a impressão de que, ao envelhecermos, nós os sacerdotes nos tornamos um pouco cínicos.

Aderimos com tanta freqüência à última “panacéia” para reformar a fé e a moral! Tantas vezes recorremos febrilmente ao método mais recente de transformar as nossas paróquias! No fim das contas, para quê? Para vermos (nós ou os nossos sucessores) esgotar-se o nosso frenesi e morrer no nosso entusiasmo, e termos de voltar mais uma vez ao ponto de partida.

Portanto,e com toda a razão , vamo-nos apoiando mais e mais na graça de Deus. Ou, melhor, compreendemos por fim a verdade que estava sempre diante dos nossos olhos, isto é,que quando pensávamos estar removendo montanhas, era o dedo mindinho de Deus, secundado pela oração e penitência de desconhecidos, que realmente fazia o milagre.

De qualquer modo, é reconfortante compreender finalmente, com o passar dos anos, que existe um atalho:que mais horas junto do Sacrário e menos indulgência para com o egoísmo próprio conseguem aquilo que o nosso ativismo ultra-sônico nunca será capaz de conseguir.

 É reconfortante olhar à volta com os olhos já sem escamas e ver que são os bons sacerdotes – aqueles que se movem no meio do seu rebanho com bondade, educação, paciência e amizade verdadeira – os que pastoreiam, falando espiritualmente, os rebanhos mais bem nutridos.

Sinto passos junto à porta de entrada. Devem ser os Marks. A caneta na minha mão não começou sequer a primeira das duas cartas que queria escrever.

E, apesar das minhas reflexões, amanhã ou depois lerei provavelmente alguma coisa sobre outro método infalível de converter a minha paróquia numa comunidade de santos.Tentarei experimentá-lo, trabalhando até esgotar-me, e mais uma vez a balança ora et labora - ora e trabalha - se inclinará pesadamente do lado da palavra mais longa.

Fonte: Vaso de Argila

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