sexta-feira, 17 de maio de 2013

A queda das divindades


Por Bento XVI



 " Podemos lançar um olhar sobre o segundo Salmo desta Hora Média, o Salmo 81, onde se vê uma parte deste processo. Deus está entre os deuses — em Israel ainda são considerados como deuses. Neste Salmo, numa grande concentração, numa visão profética, vê-se a destronização dos deuses. Aqueles que pareciam deuses não são deuses, e perdem a índole divina, caem no chão. Dii estis et moriemini sicut homines (cf. Sl 81, 6-7): a destronização, a queda das divindades.

Este processo que se realiza no longo caminho da fé de Israel, e que aqui é resumido numa única visão, constitui um verdadeiro processo da história da religião: a queda dos deuses. E assim a transformação do mundo, o conhecimento do Deus verdadeiro, a destronização das forças que dominam a terra, é um processo de sofrimento. Na história de Israel nós vemos como este libertar-se do politeísmo, este reconhecimento — «só Ele é Deus» — realiza-se no meio de muitas dores, a começar pelo caminho de Abraão, o exílio, os Macabeus, até chegar a Cristo. E na história continua este processo da destronização, de que fala o Apocalipse no capítulo 12; fala da queda dos anjos, que não são anjos, não são divindades sobre a terra. E realiza-se de modo real, precisamente no tempo da Igreja nascente, onde vemos que com o sangue dos mártires são destronizadas as divindades, a começar pelo imperador divino, por todas estas divindades. É o sangue dos mártires, a dor, o clamor da Mãe-Igreja, que as faz cair e assim transforma o mundo.

Esta queda não é só o conhecimento de que elas não são Deus; é o processo de transformação do mundo, ao preço do sangue, do sofrimento das testemunhas de Cristo. E se olharmos bem, vemos que este processo nunca terminou. Realiza-se nos vários períodos da história, de modos sempre novos; também hoje, neste momento em que Cristo, o único Filho de Deus, deve nascer para o mundo com a queda dos deuses, com a dor e o martírio das testemunhas. Pensemos nas grandes potências da história de hoje, pensemos nos capitais anónimos que escravizam o homem, que já não são algo do homem, mas constituem um poder anónimo servido pelos homens, pelo qual os homens são atormentados e até trucidados. São um poder destruidor, que ameaça o mundo. Além disso, há o poder das ideologias terroristas. Aparentemente em nome de Deus, faz-se violência, mas não é de Deus: trata-se de falsas divindades, que devem ser desmascaradas, que não são Deus. E depois a droga, este poder que, como uma fera voraz, estende as suas garras sobre todas as regiões da terra e destrói: é uma divindade, mas uma divindade falsa, que deve cair. Ou então o modo de viver propagado pela opinião pública: hoje acontece assim, o matrimónio já não conta, a castidade já não é uma virtude, e assim por diante.

Estas ideologias que predominam, a ponto de se imporem com a força, são divindades. E na dor dos santos, no sofrimento dos crentes, da Mãe-Igreja da qual nós fazemos parte, estas divindades devem desaparecer, deve realizar-se aquilo que dizem as Cartas aos Colossenses e aos Efésios: os domínios, os poderes caem e tornam-se escravos do único Senhor Jesus Cristo. Desta luta em que nós vivemos, desta destronização de Deus, desta queda dos falsos deuses, que desaparecem porque não são divindades, mas poderes que destroem o mundo, como fala o Apocalipse no capítulo 12, também com uma imagem misteriosa da qual, parece-me, existem todavia várias interpretações bonitas. Afirma-se que o dragão põe um grande rio de água contra a mulher em fuga, para a arrasar. E parece inevitável que a mulher se afogue neste rio. Mas a boa terra absorve este rio e ele já não pode ser nocivo. Na minha opinião, o rio é facilmente interpretável: são aquelas correntes que dominam todos e que querem fazer desaparecer a fé da Igreja, que já não parece ter um lugar diante da força de tais correntes que se impõem como a única racionalidade, como o único modo de viver. E a terra que absorve estas correntes é a fé dos simples, que não se deixa arrastar por estes rios e assim salva a Mãe e salva o Filho. Por isso, o Salmo diz — o primeiro Salmo da Hora Média — que a fé dos simples constitui a verdadeira sabedoria (cf. Sl 118, 130). Esta verdadeira sabedoria da fé simples, que não se deixa arrastar pelas águas, é a força da Igreja. E assim voltamos ao mistério mariano.

E há também uma última palavra no Salmo 81, «movebuntur omnia fundamenta terrae» (Sl 81, 5), vacilam os fundamentos da terra. Vemo-lo hoje, com os problemas climáticos, como são ameaçados os fundamentos da terra, mas são ameaçados pelo nosso comportamento. Vacilam os fundamentos exteriores, porque vacilam os fundamentos interiores, os fundamentos morais e religiosos, a fé da qual deriva o modo recto de viver. E sabemos que a fé é o fundamento e, em última análise, os fundamentos da terra não podem vacilar, se a fé e a verdadeira sabedoria permanecerem firmes.

E depois o Salmo diz: «Levantai-vos, Senhor, para julgar a terra» (Sl 81, 8). Assim, também nós digamos ao Senhor: «Levantai-vos neste momento, tomai a terra nas vossas mãos, protegei a vossa Igreja, tutelai a humanidade, salvaguardai a terra». E voltemos a confiar-nos à Mãe de Deus, a Maria, e oremos: «Tu, a grande crente, Tu que abriste a terra ao céu, ajuda-nos, abre também hoje as portas, para que sejam vencedoras a verdade, a vontade de Deus, que é o verdadeiro bem, a autêntica salvação do mundo». Amém

Fonte: Aqui

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