sexta-feira, 1 de maio de 2009

O Tema da Aliança




Por Dom Estevão Bettencourt O.S.B.


A vocação gratuita que Deus dirige aos homens, se faz em vista do que o texto sagrado chama "a ALIANÇA". Com efeito, às criaturas amadas o Soberano Senhor prometeu dar o consórcio dos seus bens, caso se mostrassem fiéis à Lei divina (ou quisessem reproduzir em sua vida os traços da Santidade incriada); é a isto que os livros bíblicos chamam “Aliança de Deus com os homens", embora não reste dúvida que não há paridade entre os dois contraentes, pois o Criador é soberano ao estabelecer as cláusulas do pacto. (A formulação jurídica do contrato é muito clara em Dt 26,17-19)

Eis como se desenvolve a noção de Aliança sagrada:

1. Logo na primeira página da história, o Criador entra em aliança com o homem recém-criado; pede-Ihe fidelidade a um preceito e propõe-lhe, em troca, vida imortal bem-aventurada (cf. Gên 2,15-17; Eclo 17,10) Esta aliança, que se destinava a todo o gênero humano foi violada pelos primeiros pais (Gên 3); o Senhor, porém, pouco depois da queda, prometeu restaurá-la (Gên 3,15s) .

2. A aliança paradisíaca foi renovada na plenitude dos tempos pelo Messias, segundo Adão, que corresponde antitêticamente ao primeiro homem e assim divide a história em duas grandes fases. A nova e definitiva aliança outorgou a todo o gênero humano bens ainda maiores do que os dons perdidos no paraíso (cf. 1 Cor 11,25; Rom 5.14.20) .

3. A aliança messiânica manifestará tôda a sua excelência na vida celeste, na consumação da história. Por isto é que S. João no Apocalipse (11,19) ainda fala de aliança. Com efeito, o profeta vê no céu a arca da aliança do Sinaí, ou seja, o símbolo do pacto que Deus outrora quis travar com Israel em vista da obra do Messias.

4. Entre a violação e a restauração da Aliança com todos os homens, o Senhor Deus se dignou entrar em múltiplos pactos parciais e provisórios, que visavam assegurar a reparação da aliança universal.

Assim há um pacto:

a) com Noé, consíderado, após o dilúvio, nôvo Adão, novo pai do gênero humano (cf. Gên 6,18; 9,8-17; -Eclo 44,18) ;
h) com Abraão, o Patriarca do povo escolhido (cf. Gen. 15,7s; 17,7-21)
c) com Isaque e Jacó, descendentes imediatos de Abraào (cf .Ex 2,24); .
d) com a linhagem de Abraão, já constituída em povo numeroso; trava-se a famosa aliança do Sinai, tendo Moisés como mediador (cf. Ex 19,3-9; 24-1,8);
e} com Aarão, irmão de Moisés; Deus outorga àquele e à sua posteridade o exercício do sacerdócio em Israel (cf. Núm 18,19);
f) com Fineés, descendente de Aarão e zeloso propugnador da Lei de Deus, a quem foi confirmado o poder sacerdotal (cf. Núm 25,12s);
g) com Levi, antepassado de Aarão, a cuja tribo Deus confiou o serviço do santuário (cf. Mal 2,4s);
h) com Josué, sucessor de Moisés na direção do povo renovador da aliança sinaítica (cf. Jos 24,25);
i) com Davi, o rei de cuja casa descenderia o Mesias (cf. 2 S.am 23,5; 2 Crôn 21,7; SI 88,4; Jer 33,20-26; Eclo 45,25);
j) a Aliança Messiânica, definitiva, é insinuada em Os 2,14-25; Is 54,10; 55,3; 56,4: 61,8; claramente anunciada em Jer 31,31-34; Ez 16,6o-63; 34,25; 37,21-28.

Precisamente, que quer dizer o têrmo Aliança tão persistentemente empregado pela Escritura para designar as relações do Criador com o homem?

O vocábulo significa que Deus quer bem ao homem, e o quer de maneira firme, comparável à solidez que convém a um pacto solene; dentre os diversos tipos de contrato humáno, o que mais corresponde a tal disposicão divina é o da aliança matrimonial. Com efeito, em Jer 31,31s o Senhor menciona explicitamente o contrato nupcial para ilustrar o amor que Ele dedica à criatura.

Conseqüentemente, berith (aliança) e hesed (graça) são noções que se evocam mutuamente na EscrItura Sagrada (cf. Dt 7.9; 3 Rs 8.23; Ne 1,5; 9,32: Dan 9;4; Hebr 10.29), Donde se segue que, para Deus, "ser fiel à sua aliança" significa "conservar o amor outrora manifestado aos homens" (cf. SI 88,29.34s.50; 105,45; Is 54,10; 55,3; ~x 34,6s). As mesmas idéias se refletem no fato de que "aliança" e "promessas" estão intimamente associadas entre si em Gál 3,17; At 3,25; Ef 2,12; Rom 9,4; Hebr 8,6; 9,15.

Acontece, porém, que a estupenda condescendência divina expressa pelo têrmo hebraico berith foi causando "escrúpulos" aos israelitas. Por isto, quando nos séc. III/l a. C. a Escritura foi traduzida do hebraico para o grego por judeus de Alexandria (Egito), êstes empregaram o vocábulo grego dialheke em lugar de berith; diatheke, disposição (unilateral), lhes parecia ressalvar melhor a soberania, a transcendência de Deus ao entrar em relação com os homens.

Por fim, quando o texto grego foi traduzido para o latim pelos cristãos, êstes se deixaram guiar de nôvo por idéias teológicas: substituíram o têrmo diatheke por testamentum, que significa determinado tipo de disposição, ou seja, a disposição que se torná válida pela morte de quem dispõe; os cristãos haviam, sim, verificado que todos os dons de Deus foram, em última análise, outorgados em vista da morte de Cristo; são como que a herança rocebida de Cristo Vítima. Assim o têrmo "testamento" passou, na linguagem cristã, a ser, usado na. acepção do antigo vocábulo berith; fala-se hoje de "Nôvo Testamento" e "Antigo Testamento", como se pode falar de "Nova Aliança" e "Antiga Aliança", sendo que o têrmo "aliança", apesar de tudo que êle tem de Surpreendente ou mesmo espantoso, é a palavra originàriamente usada pela Escritura!

Fonte: Dom Estevão Bettencourt - Para entender o Antigo Testamento - Editora Agir - pags.119-122

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