terça-feira, 21 de junho de 2011

Temos um bom Sacerdote?


Por Padre Léo Trese

"Os coroinhas saem batendo a porta e a igreja fica repentinamente em silêncio. Enquanto apoio os cotovelos no genuflexório para iniciar a minha ação de graças, noto que, de uma das velas, ainda sai um tênue espiral de fumo."O último suspiro após a sua imolação", diz a minha fantasia brincalhona. A sua própria imolação... Aqui está de novo esta palavra horrível. Horrível como todas as que se relacionam com ela: penitência, abnegação, mortificação...Há muito tempo que vêm seguindo os meus passos, através de cada página da leitura espiritual e de cada ponto da minha meditação.Tenho recorrido a tantos estratagemas para escapar da sua inexorável perseguição! Até um avestruz poderia aprender comigo.

"Temos um bom padre", dizem os meus paroquianos - e eu fico vexado. Vexado quando, junto de Katie Conelly, à cabeceira do seu filho que acaba de expirar, a ouço dizer enquanto agarra a minha mão: "É a vontade de Deus, não é, padre?"

Vexado quando, junto de Ed Fetter, diante do caixão de sua mulher, o ouço dizer enquanto três criancinhas se agarram às suas calças: "Se é isto o que Deus quer de nós, aceitaremos, padre".

Sou um bom padre? Como não havia de sê-lo, Meu Deus?

Com uma casa confortável, livre de prestações e hipotecas, sem crianças doentes que me preocupem...Com uma pensão de velhice que nehum instituto de previdência poderia superar...Sem andar apertado de tempo nem deixar de ganhar quando acontece de ir para a cama com um resfriado...Renunciei, a muitas coisas - penso continuamente. No entanto, por vezes, nem sequer sei onde está a cruz que devo levar diariamente, se quero seguir a Cristo.Por muito acostumado que esteja à evasão e aos subterfúgios, há ocasiões em que todas as minhas defesas se desmoronam. Desviando-me da porta de uma ovelha tresmalhada e endurecida na apostasia, consegui fazer ouvidos surdos a tênue voz que me murmurava: "Esta espécie de demonios só se pode vencer com a oração e jejum."

Mas já não fui tão bem sucedido quando a voz sussurrou bem dentro de mim:"Se alguém quizer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me".É uma seta contra qual ainda estou procurando um escudo eficaz.Deus permita que eu venha perder a batalha, e depressa. Aliás, sei perfeitamente que nunca a poderei ganhar.

Na verdade, acho que já comecei a perde-la. Gosto muito de romances policiais e agora limito-me a ler um por mês. Já não assino revistas profanas. Raríssimas vezes ligo a televisão. Prometi solenemente obedecer a todas as normas litúrgicas. Há algum tempo não vou a um jogo de futebol do Notre Dame ou a uma corrida de cavalos. Mas basta lembrar-me de São João da Cruz para logo me sentir terrivelmente ridículo, especialmente quando reparo que não posso passar sem um cigarro depois do café da manhã, sem a habitual costeleta ou um aperitivo com um amigo.

O que é que me levou a pensar em tudo isto?

Ah sim, as velas! bem, as velas já deixaram de fumegar; e como não quero que o café esfrie, é bom começar a rezar já o Trium puerorum*.*É o "cântico dos três jovens" que, como narra o profeta Daniel(Dn3, 57 ss), foram milagrosamente preservados das chamas da fornalha ardente onde foram lançados por ordem do rei da Babilonia, Nabucodonosor. Este belo cantico é tradicionalmente recomendado pela Igreja como oração de ação de graças após a Missa.

Na verdade, não foram só as velas. A bem dizer, foi o padre Lallemant no texto da meditação da semana passada. Havia nesse livro um parágrafo que parece ter ficado desagradavelmente gravado no meu espírito: - "Perdemos muitos anos e até a maior parte da vida discutindo conosco próprios se nos entregaremos ou não por inteiro ao Senhor. Não nos decidimos a aceitar um sacrifício tão completo, reservamos´para nós mesmos muitos afetos, desejos, projetos, esperanças, pretensões, de que não queremos desfazer-nos para chegar a essa perfeita nudez de alma que nos franqueia a plena posse de Deus".

Essa, sim, foi uma estocada muito forte, que me apanhou de guarda baixa. Uma estocada que me fará pensar por muito tempo. Um espelho não daria de mim uma imagem tão exata. Percebo que a minha paróquia podia transformar-se se eu já tivesse começado a dar os primeiros passos para a santidade. Percebo-o claramente,e, no entanto, contento-me com uns esforços insignificantes e com umas tentativas que pouco mais são do que subterfúgios.

Ultimamente, essas pancadas vêm sendo cada vez mais fortes e seguidas. Talvez uma delas deixe fora de combate a minha apatia e a minha sensualidade.Assim o espero.

Francamente, Senhor, assim o espero. Será um milagre conseguirdes que eu seja aquilo que quereis, mas Vós, Senhor, já tendes feito tantos milagres! Por favor, por favor, não me deixes entrar na Eternidade ainda olhando para trás.

Trium puerorum...Mas esses meninos é que eram homens"

Fonte: Vaso de Argila - Quadrante

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