domingo, 26 de junho de 2011

A Vida Eterna - o que é?


Por sua santidade Papa Bento XVI - Encíclica Spe Salvi


"Até agora estivemos a falar da fé e da esperança no Novo Testamento e nos inícios do cristianismo, mas deixando sempre claro que não se tratava apenas do passado; toda a reflexão feita tem a ver com a vida e a morte do homem em geral e, portanto, interessa-nos também a nós, aqui e agora. Chegou o momento, porém, de nos colocarmos explicitamente a questão: para nós, hoje a fé cristã é também uma esperança que transforma e sustenta a nossa vida? Para nós aquela é « performativa » – uma mensagem que plasma de modo novo a mesma vida – ou é simplesmente « informação » que, entretanto, pusemos de lado porque nos parece superada por informações mais recentes?

Na busca de uma resposta, desejo partir da forma clássica do diálogo, usado no rito do Baptismo, para exprimir o acolhimento do recém-nascido na comunidade dos crentes e o seu renascimento em Cristo. O sacerdote perguntava, antes de mais nada, qual era o nome que os pais tinham escolhido para a criança, e prosseguia: « O que é que pedis à Igreja? ». Resposta: « A fé ». « E o que é que vos dá a fé? ». « A vida eterna ». Como vemos por este diálogo, os pais pediam para a criança o acesso à fé, a comunhão com os crentes, porque viam na fé a chave para a « vida eterna ». Com efeito hoje, como sempre, é disto que se trata no Baptismo, quando nos tornamos cristãos: é não somente um acto de socialização no âmbito da comunidade, nem simplesmente de acolhimento na Igreja. Os pais esperam algo mais para o baptizando: esperam que a fé – de que faz parte a corporeidade da Igreja e dos seus sacramentos – lhe dê a vida, a vida eterna.

Fé é substância da esperança. Aqui, porém, surge a pergunta: Queremos nós realmente isto: viver eternamente? Hoje, muitas pessoas rejeitam a fé, talvez simplesmente porque a vida eterna não lhes parece uma coisa desejável. Não querem de modo algum a vida eterna, mas a presente; antes, a fé na vida eterna parece, para tal fim, um obstáculo. Continuar a viver eternamente – sem fim – parece mais uma condenação do que um dom. Certamente a morte queria-se adiá-la o mais possível. Mas, viver sempre, sem um termo, acabaria por ser fastidioso e, em última análise, insuportável. É isto precisamente que diz, por exemplo, o Padre da Igreja Ambrósio na sua elegia pelo irmão defunto Sátiro: « Sem dúvida, a morte não fazia parte da natureza, mas tornou-se natural; porque Deus não instituiu a morte ao princípio, mas deu-a como remédio. Condenada pelo pecado a um trabalho contínuo e a lamentações insuportáveis, a vida dos homens começou a ser miserável. Deus teve de pôr fim a estes males, para que a morte restituísse o que a vida tinha perdido. Com efeito, a imortalidade seria mais penosa que benéfica, se não fosse promovida pela graça ».[6] Antes, Ambrósio tinha dito: « Não devemos chorar a morte, que é a causa de salvação universal »[7].

Independentemente do que Santo Ambrósio quisesse dizer precisamente com estas palavras, é certo que a eliminação da morte ou mesmo o seu adiamento quase ilimitado, deixaria a terra e a humanidade numa condição impossível e nem mesmo prestaria um benefício ao indivíduo. Obviamente há uma contradição na nossa atitude, que evoca um conflito interior da nossa mesma existência. Por um lado, não queremos morrer; sobretudo quem nos ama não quer que morramos. Mas, por outro, também não desejamos continuar a existir ilimitadamente, nem a terra foi criada com esta perspectiva. Então, o que é que queremos na realidade? Este paradoxo da nossa própria conduta suscita uma questão mais profunda: o que é, na verdade, a « vida »? E o que significa realmente « eternidade »?

Há momentos em que de repente temos a sua percepção: sim, isto seria precisamente a « vida » verdadeira, assim deveria ser. Em comparação, aquilo que no dia-a-dia chamamos « vida », na verdade não o é. Agostinho, na sua extensa carta sobre a oração, dirigida a Proba – uma viúva romana rica e mãe de três cônsules –, escreve: no fundo, queremos uma só coisa, « a vida bem-aventurada », a vida que é simplesmente vida, pura « felicidade ». No fim de contas, nada mais pedimos na oração. Só para ela caminhamos; só disto se trata. Porém, depois Agostinho diz também: se considerarmos melhor, no fundo não sabemos realmente o que desejamos, o que propriamente queremos. Não conhecemos de modo algum esta realidade; mesmo naqueles momentos em que pensamos tocá-la, não a alcançamos realmente. « Não sabemos o que convém pedir » – confessa ele citando São Paulo (Rm 8,26). Sabemos apenas que não é isto. Porém, no facto de não saber sabemos que esta realidade deve existir. « Há em nós, por assim dizer, uma douta ignorância » (docta ignorantia) – escreve ele. Não sabemos realmente o que queremos; não conhecemos esta « vida verdadeira »; e, no entanto, sabemos que deve existir algo que não conhecemos e para isso nos sentimos impelidos.[8]

Penso que Agostinho descreve aqui, de modo muito preciso e sempre válido, a situação essencial do homem, uma situação donde provêm todas as suas contradições e as suas esperanças. De certo modo, desejamos a própria vida, a vida verdadeira, que depois não seja tocada sequer pela morte; mas, ao mesmo tempo, não conhecemos aquilo para que nos sentimos impelidos. Não podemos deixar de tender para isto e, no entanto, sabemos que tudo quanto podemos experimentar ou realizar não é aquilo por que anelamos. Esta « coisa » desconhecida é a verdadeira « esperança » que nos impele e o facto de nos ser desconhecida é, ao mesmo tempo, a causa de todas as ansiedades como também de todos os ímpetos positivos ou destruidores para o mundo autêntico e o homem verdadeiro.

A palavra « vida eterna » procura dar um nome a esta desconhecida realidade conhecida. Necessariamente é uma expressão insuficiente, que cria confusão. Com efeito, « eterno » suscita em nós a ideia do interminável, e isto nos amedronta; « vida », faz-nos pensar na existência por nós conhecida, que amamos e não queremos perder, mas que, frequentemente, nos reserva mais canseiras que satisfações, de tal maneira que se por um lado a desejamos, por outro não a queremos. A única possibilidade que temos é procurar sair, com o pensamento, da temporalidade de que somos prisioneiros e, de alguma forma, conjecturar que a eternidade não seja uma sucessão contínua de dias do calendário, mas algo parecido com o instante repleto de satisfação, onde a totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade. Seria o instante de mergulhar no oceano do amor infinito, no qual o tempo – o antes e o depois – já não existe. Podemos somente procurar pensar que este instante é a vida em sentido pleno, um incessante mergulhar na vastidão do ser, ao mesmo tempo que ficamos simplesmente inundados pela alegria. Assim o exprime Jesus, no Evangelho de João: « Eu hei-de ver-vos de novo; e o vosso coração alegrar-se-á e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria » (16,22). Devemos olhar neste sentido, se quisermos entender o que visa a esperança cristã, o que esperamos da fé, do nosso estar com Cristo.[9]

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http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20071130_spe-salvi_po.html
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