domingo, 25 de setembro de 2011

Tu és Pedro



Por Georges Suffert

"Muitos conhecem a Bíblia; pelo menos, muitos também leram, releram, ouviram os textos dos Evangelhos. Mas quem - afora os especialistas - se interessa pela história da Igreja?

Ela acaba de completar dois milênios. Nada mau para uma instituição: sem dúvida, é a única que conseguiu tal proeza. Não se sabe muito bem como chegou lá. Talvez deixando-se levar ao sabor da vasta onda da história universal (ou "surfando" nela, dir-se-ia hoje). Fora disso, este termo mágico - história universal- nos escorre por entre os dedos.

Bem ou mal, conhecemos algumas histórias: a da Mesopotâmia, a do Egito, a da Grécia. A monumental história de Roma (reino, república e império), a da França, a da Espanha, a da Grã-Bretanha etc. E depois? Não há muita coesão nesses relatos de sociedades aparentemente imóveis e as eternas violências que as atravessam como raios. Naturalmente, vamos observar que a China sobrevive há cerca de quatro mil anos, com suas fronteiras móveis, sua língua e sua civilização. Sim. Mas a China é uma espécie de nação; a Igreja é de início uma idéia, uma fé.

Como e por que resistiu ao tempo?

Terá ela alguma chance de prosseguir com sua aventura? Há quem diga que seu papel já terminou. Em um ou dois séculos, Roma não será mais do que um pólo importante do turismo mundial. Ruínas em cima de ruínas. Como dizia o coronel americano citado por Malaparte, observano o Coliseu no dia da libertação da Cidade Eterna: "Nossos artilheiros trabalharam bem." O cristianismo terá terminado sua caminhada. Réquiem para uma religião falecida.

A história da Igreja é recheada de aventuras, onde se encontra todo tipo de pessoas, inclusive os santos, milhares de arquitetos sem nome; teólogos, filósofos e sábios trabalhando 30 ou 40 anos no silêncio de um convento; multidões, sobretudo reunindo-se para orar e meditar.

"O ópio do Povo", decretavam as pessoas avançadas do século XIX. Na verdade, essa longa procissão, essa oração única que continua através do tempo e do espaço, só tem uma razão compreensível: trata-se da luta dos vivos em face da morte. Jesus confiou aos homens o mistério da Ressurreição: a Sua, a deles.

Essas massas de peregrinos que que acorrem a Compostela, Lourdes, Czestochowa; esses índios que se ajoelham diante da Virgem de Guadalupe; esses peregrinos que sobem aos lugares santos de Jerusalém; todos esses homens e mulheres são a parte visível do iceberg dissimulado - a comunhão dos santos: de 50 a 70 bilhões de pessoas teriam vivido neste planeta azul, afirmam os demógrafos, desde que o Homo sapiens é Homo sapiens. Não se discutirá essa afirmação imprecisa. Seja como for, os vivos e os mortos é que formam a Igreja.

O que permitiu que a Igreja durasse? Haverá um mistério, quem sabe um milagre, explicando essa sobrevida? Para nos convencermos disso, basta olhar para essa trajetória.

Para começar, o surgimento, entre 30 e 70. É algo altamente improvável: a história está cheia de seitas que desapareceram em poucos anos. Em seguida, o confronto com o Império Romano. Davi contra Golias. Porquanto o primeiro não deseja lutar. Finalmente, o desmembramento e a agonia de Roma. Eis que os bispos se vêem forçados a substituir as autoridades civis, como se diz hoje. Depois, é a ruptura entre Bizâncio e Roma; se preferirmos, a ruptura entre a zona do cristianismo primitivo - o Oriente - e a do cristianismo já instalado - o Ocidente. De um lado, o basileu reinando em majestade; do outro, um pobre papa numa cidade decadente. Mais alguns anos e o chefe da Igreja deverá abandonar aos cães e aos ratos as ruínas da ex-capital do Império.

Será um dos fins da Igreja. Haverá ainda outros 20. Nenhuma instituição seria capaz de sobreviver a semelhantes choques. Ora, é exatamente aí que o mistério começa a se dissipar.

Independentemente das vicissitudes de Roma, dos conflitos religiosos e dos cismas, aparecem os santos. São sempre discípulos de Jesus e, mais freqüentemente, filhos do deserto. Não se parecem uns com os outros. Entre eles, há camponeses e letrados; eles não sabem - bem entendido - que caminham para a santidade. Fazem o que pensam e vão além: em pouco tempo, outros homens unem-se a eles. Por meio deles, parece que uma nova seiva se introduz no corpo visível da Igreja.

O mais surpreendente talvez seja a anarquia dos santos. Eles aparecem onde menos se espera, dizem coisas muitas vezes escandalosas. Têm uma vida muito rápida. Depois morrem.

É como se uma pequena luz se acendesse em algum ponto deste mundo escuro. Isso em relação aos santos reconhecidos pelas instituições eclesiásticas. Ao lado deles, há uma multidão de santos desconhecidos que também têm um papel nessa economia da salvação. Última observação. Talvez a mais importante. Ela abastece a Igreja de bibliotecários, de sábios, de santos e às vezes até de papas.

Descobriremos esses filhos do deserto, alguns dos quais imaginaram, depois fundaram, conventos. A vida monástica é uma das chaves da história da Igreja. O monge é o crente que tenta redescobrir a unidade interior do ser. Os conventos, essas construções muitas vezes admiráveis, não foram feitos para se fugir do mundo. Ao contrário. Para a maioria daqueles que optaram pela vida monástica e aceitaram a disciplina da regra, não se tratava de fuga do universo externo. Entre a comunidade monástica e o mundo, havia um elo incompreensível para a maioria dos outros homens. A oração quase ininterrupta dos monges introduzia uma esperança de paz, uma promessa de remissão para os vivos. Atrás desses muros vivia a última reserva de homens e mulheres da Igreja. Portanto, muitos pilares. Eles nunca se abateram ao mesmo tempo.

Se os séculos XI e XII foram os da cristandade triunfante, o XIV, o XV e o XVI anunciaram o fim do período glorioso. Houve a queda de Constantinopla, a peste negra, a humilhação permanente do papado, a corrupção generalizada da Igreja. Mas ao mesmo tempo, saídos da sombra, alguns personagens excepcionais.

Diz-se que, atualmente, os homens procuram desesperadamente suas raízes. Fabricam às cegas suas árvores genealógicas. Infelizmente, não conseguem verdadeiramente voltar no tempo. Outros se apaixonam por suas terras de origem. Aí também decepcionam com essa busca estranha. Descobrem muitas vezes os nomes dos lugares: as casas desapareceram, o capim, as árvores, às vezes os espinhos apagaram os vestígios do passado. Poucos se lembram que suas crenças, sua mentalidade foram profundamente marcadas por essa longa caminhada do cristianismo. Muitos não estão muito convictos de sua fé. Mas ela não está de todo apagada.

A história da Igreja marcou-lhes a mentalidade e eles não conhecem esta história. Aliás, ela não faz parte do currículo de nenhuma escola. É um tesouro que está para ser descoberto.

As divergências teológicas (e às vezes até políticas) que provocaram as divisões da Igreja de Cristo constituem fatos históricos. Porquanto essa fragmentação progressiva da Igreja não recebeu a promessa da eternidade. Os espíritos já estão se aproximando, os termos que criaram fronteiras religiosas, às vezes até provocaram guerras, perdem ao longo dos anos um pouco de sua dureza e de seu brilho. Ainda serão necessárias muitas décadas para apagar as divisões.

Mas o movimento já começou.

Introdução do livro: Tu és Pedro de Georgs Suffert - Editora Objetiva

Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja (Mt 16,18)

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