segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Raízes em Israel


Por Scott Hann


A liturgia da Igreja primitiva recorreu bastante aos ritos e à Escritura do antigo Israel, como faz nossa liturgia hoje.

Anteriormente analisamos como Jesus instituiu a Missa durante a festa da Páscoa. Sua "ação de graças' - sua Eucaristia - cumpriu, aperfeiçoou e transcendeu o sacrifício pascal.

Essa ligação era clara para a primeira geração de cristãos, muitos dos quais eram judeus devotos. Assim, as orações da Páscoa não demoraram a fazer parte da liturgia cristã.

Considere as orações a respeito do vinho e do pão sem fermento ,na refeição pascal: "Bendito sejais, Senhor, Deus do universo, pelo vinho que recebemos de vossa bondade, fruto da videira...Bendito sejais, Senhor, Deus do universo, pelo pão que recebemos de vossa bondade, fruto da terra..."

A frase:"santo, santo, santo, o Senhor de todo poder, sua glória enche a terra inteira!" (Is 6,3) foi outro trecho do culto judaico que entrou imediatamente nos ritos cristãos.Nós a encontramos no livro do apocalípse, mas ela aparece em uma carta escrita pelo quarto Papa, Clemente de Roma, por volta de 96 dC.

Recordações da Todah

Talvez o "antepassado" litúrgico mais notável da Missa seja a todah do antigo Israel. Como a palavra grega Eucaristia, o termo hebraico todah significa "oferenda de agradecimento" ou "ação de graças". A palavra indica uma refeição sacrifical partilhada com amigos, a fim de celebrar a gratidão à Deus. A todah começa com a recordação de uma ameaça mortal e em seguida celebra a libertação divina do homem daquela ameaça. É forte expressão de confiança na soberania e na misericórdia de Deus.

O salmo 69 é um bom exemplo. A súplica insistente pela libertação (Ó Deus, salva-me) é, ao mesmo tempo, celebração da libertação futura ("Poderei louvar o nome do Senhor com um canto...Pois o Senhor ouve os pobres").

Talvez o exemplo clássico da todah seja o Sl 22, que começa com: "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?", que o próprio Jesus citou quando agonizava na cruz. Com certeza os ouvintes reconheciam a referencia e sabiam que este cântico, que começa com um brado de desamparo, termina com uma triunfante nota de salvação.

Ao citar essa todah, Jesus demonstrou sua esperança confiante na salvação.

As semelhanças entre a todah e a Eucaristia ultrapassam seu sentido comum de ação de graças.

O cardeal (hoje nosso amado Papa) Joseph Ratzinger escreveu: "Estruturalmente falando,a cristologia toda, na verdade a cristologia eucarística toda, está presente na espiritualidade da todah do AT". A todah e também a Eucaristia apresentam a adoração por meio de palavra e refeição. Alem disso, a todah, como a Missa ,inclui uma oferenda não-sangrenta de pão sem fermento e de vinho.

Os rabinos antigos fizeram um vaticínio significativo a respeito da todah: "No tempo (messiânico)que há de vir todos os sacrifícios cessarão, exeto o sacrifício da todah. Esse jamais cessará em toda a eternidade" (pesiqta,I,p.159).

Não aceitai substitutos

Também de Antioquia, na Síria, vem nossa próxima testemunha para a doutrina eucarística da Igreja. Por volta de 107 d.C., santo Inácio, bispo de Antioquia, escreveu com frequência a respeito da Eucaristia, enquanto viajava a caminho do martírio.

Ele fala da Igreja como "lugar de sacrifício".E, aos filadelfos, ele escreveu: "Preocupai-vos em participar de uma só Eucaristia. De fato, há só uma carne de nosso Senhor Jesus Cristo e um só cálice na unidade de seu sangue, um único altar, assim como um só bispo com o prebitério e os diáconos, meus companheiros de serviço".

Na carta aos Esmirnotas, Inácio criticou os hereges que, já naquele tempo, negavam a verdadeira doutrina: "Eles estão afastados da Eucaristia e da oração porque não professam que a Eucaristia é a carne nosso Salvador Jesus Cristo". Ele aconselha os leitores quanto às características de uma verdadeira liturgia: "Considerai legítima a Eucaristia realizada pelo bispo ou por alguém que foi encarregado por ele".

Inácio falava do Sacramento com um realismo que deve ter sido chocante para os que não estavam familiarizados com os mistérios da fé cristã. Com certeza, foram palavras como as suas, tiradas do contexto, que alimentaram os boatos sem fundamento do Império Romano, que por sua vez, produziram acusações de canibalismo.

Nas décadas seguintes, a defesa da Igreja coube a um sábio convertido de Samaria chamado Justino. Foi Justino que levantou o véu de silencio a respeito da liturgia antiga. Em 155 d.C., ele escreveu ao imperador romano descrevendo o que agora, reconhecemos como sendo a missa.

Vale a pena citar extensamente:

"No dia que se chama sol, celebra-se uma reunião de todos os que moram nas cidades e nos campos, e ai se leem, enquanto o tempo o permite, as memórias dos apóstolos ou dos escritos dos profetas. Quando o leitor termina, o presidente faz uma exortação e convite para imitarmos esses belos exemplos. Em seguida , levantamo-nos todos juntos e elevamos nossas preces...e por todos os outros espalhados pelo mundo inteiro, suplicando que nos conceda, já que conhecemos a verdade, ser encontrados por nossas obras como homens de boa conduta e observantes de que nos mandaram, e assim consigamos a salvação eterna. Terminadas as orações, nos damos mutuamente o ósculo da paz. Depois àquele que preside aos irmãos é oferecido pão e uma vasilha com água e vinho; pegando-os, ele louva e glorifica ao Pai do universo, através do nome de seu Filho e do Espírito Santo. E pronuncia uma longa ação de graças (em grego "eucharistia), por ter-nos concedido esses dons que dele provem. Quando o presidente termina as orações e a ação de graças, todo o povo presente aclama, dizendo: Amém. Depois os ministros dão a cada um dos presentes parte do pão, do vinho e da água sobre oa quais se pronunciou a ação de graças e os levam aos ausentes."

Justino começa a descrição localizando-a diretamente no "dia que se chama do sol" - domingo - o dia em que Jesus ressurgiu dos mortos. Essa identificação do "dia do Senhor" com o domingo é o testemunho universal dos cristãos primitivos.Como dia principal de culto, o domingo realizou e substituiu o sétimo dia, o sábado dos judeus. Foi no dia do Senhor, por exemplo, que João foi arrebatado "pelo Espírito" e teve a visão do apocalípse (Ap 1,10).

Texto e Imagem

Justino explica o sacrifício e o sacramento da Igreja. Contudo, ele não minimiza a presença real. Usa o mesmo realismo explícito de seu predecessor, Inácio:"o alimento sobre o qual foi dita a ação de graças -alimento com o qual, por transformação, se nutrem nosso sangue e nossa carne -é a carne daquele mesmo Jesus encarnado".

Ao falar com os judeus ,Justino foi mais além e explicou que o sacrifício da Páscoa e os sacrifícios do Templo eram simplesmente prenúncios do único sacrifício de Jesus Cristo e sua representação na liturgia: "A oferta da flor de farinha...que os que se purificam da lepra deviam oferecer, era figura do pão da Eucaristia, a celebração que nosso Senhor Jesus Cristo mandou oferecer".

Essa era a experiencia católica, ou universal, da Eucaristia.

Entretanto, embora a doutrina permanecesse a mesma em todo o mundo, a liturgia era, na maior parte, um assunto local. Cada bispo era responsável pela celebração da Eucaristia em seu território e, aos poucos ,regiões diferentes criaram estilos próprios da prática litúrgica: sírio, romano, galicano etc. No entanto, é notável o quanto essas liturgias - amplamente variadas como eram - tinham em comum. Com poucas exceções, compartilhavam os mesmos elementos básicos: um rito de arrependimento, leituras das Escrituras, salmos entoados ou recitados, homilia, "hinos angelicais", oração eucarística e a sagrada comunhão.

As igrejas seguiam São Paulo ao tomar um cuidado especial para transmitir as palavras da instituição, as palavras que transformam o pão e o vinho no corpo e sangue de Cristo: "Isto é o meu corpo...Este é o cálice do meu sangue".

Aquele velho refrão familiar

A partir do início do séc.III, o registro em papiro revela maior preocupação com a preservação das palavras exatas das liturgias atribuídas aos apóstolos. No início de 300 d.C., surge, no norte da Síria ,outra compilação da tradição recebida: a Didascália Apostolorum ("O ensinamento dos apóstolos").

A Didascália inclui páginas de textos de oração e também instruções detalhadas para os papéis litúrgicos e cerimoniais de bispos, sacerdotes , diáconos, mulheres , crianças, jovens adultos, viúvas, órfãos e viajantes. Por volta de 215 d.C., Hipólito de Roma compos sua grande obra, A tradição apostólica, na qual registrou os ensinamentos litúrgicos e teológicos que a Igreja romana preserva desde o tempo dos apóstolos.

Uma parte estabelece um roteiro compacto de liturgia para a ordenação de sacerdotes. Enquanto na descrição de Justino "vemos" nossa missa, na obra de Hipólito nós a ouvimos.

Sacerdote: O senhor esteja no meio de nós.
Congregação :Ele está no meio de nós.
Sacerdote: Corações ao alto!
Congregação: O nosso coração está em Deus.
Sacerdote: Demos, graças ao Senhor nosso DEus.
Congregação: É nosso dever e nossa salvação.

Do mesmo período, encontramos os textos mais antigos das liturgias que reivindicam linhagem apostólica, as liturgias de são Marcos, são Tiago e são Pedro - ainda usadas em muitos lugares do mundo. A liturgia de são Tiago era o rito preferido da antiga Igreja de Jerusalém, que proclamou Tiago seu primeiro bispo. As liturgias de Tiago, Marcos e Pedro são teologicamente compactas, poéticas, ricas em citações das Escrituras.

Lembre-se que ,como poucas pessoas sabiam ler e ainda menos tinham recursos para mandar copiar livros, a liturgia era ocasião em que os cristãos assimilavam a Bíblia. Assim, desde os primeiros tempos da Igreja, a missa foi impregnada das Escrituras.

Embora suas palavras falem com eloquência do sacrifício de Cristo, as liturgias antigas repercutem igualmente em seus silêncios: Que toda carne mortal guarde silêncio, e se levante com medo e temor, e não medite em nada terreno. Pois o Rei dos reis e Senhor dos senhores, Cristo nosso Deus, apresenta-se para ser sacrificado e ser dado como alimento aos fiéis. E as milícias celestes vão à frente dele, com todo poder e domínio, os querubins de muitos olhos e os serafins de seis asas, que cobrem a face e entoem em voz alta o hino: Aleluia, Aleluia, Aleluia.

Lembre-se de tudo isto: os sons e os silêncios das primeiras missas da Igreja. Você vai encontrá-los de novo no céu, quando examinarmos o livro de Apocalípse mais atentamente. Vai encontrá-los de novo no céu, quando for a Missa no domingo que vem.

Fonte: O Banquete do Cordeiro

Veja:

1 - No Céu agora mesmo!
2 - A história do Sacrifício
3 - A contagem das Ovelhas
4 - Nâo ignore esta festa!

Veremos depois: Saboreie e veja(e ouça e toque)o Evangelho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário