terça-feira, 25 de outubro de 2011

Rito para os Pecados



Por Scott Han

Se estamos no banco das testemunhas, quem está sendo julgado?

O ato penitencial deixa isso claro: Nós.

As diretrizes litúrgicas mais antigas que temos, a "Didaqué", dizem que um ato de confissão deve preceder nossa participação na Eucaristia. Porém o bonito da Missa é que ninguém se levanta para nos acusar, a não ser nós mesmos. "Confesso a Deus todo-poderoso...que pequei...por minha culpa". Pecamos. Não podemos negar."se dissermos:'Não temos pecado', enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós" (1Jo 1,9).

Além disso, diz a Bíblia, até o justo cai sete vezes por dia (veja Pr 24,16). Não somos exceção e a sinceridade exige que reconheçamos nossa culpa. Até nossos pecados pequenos são assunto sério, pois cada um deles é uma ofensa contra um Deus de grandeza incomensurável. Assim, na missa, declaramo-nos culpados e então nos entregamos à misericórdia do tribunal celeste.

No "Kyrie", suplicamos a misericórdia de cada uma das três pessoas divinas da Trindade:"Senhor, tende piedade de nós. Cristo tende piedade de nós. Senhor tende piedade de nós". Não damos desculpas nem justificativas. Pedimos perdão e ouvimos a mensagem de misericórdia. Se uma única palavra capta o sentido da missa, essa palavra é "misericórdia".

A frase "Senhor, tende piedade de nós" aparece com frequência nas Escrituras, nos dois testamentos (veja Sl 6,3;31,10; Mt 15,22; 17,15;20,30). O AT ensina inúmeras vezes que a misericórdia está entre os maiores atributos de Deus (Ex 34,6 ;Jn 4,2).

O "Senhor, tende piedade de nós" persiste desde as liturgias cristãs mais primitivas. De fato, até no Ociente latino, está muitas vezes preservada na forma grega mais antiga, "Kyrie, eleison". Em algumas liturgias do Oriente , a congregação repete o "Kyrie" em resposta a uma longa litania, que implora favores de Deus. Entre os bizantinos, essas súplicas pedem insistentemente a paz: "Na paz , rezemos ao Senhor...Pela paz do alto....Pala paz do mundo todo".

G-L-Ó-R-I-A

Rezamos pela paz e em poucos segundos, proclamamos a realização de nossas preces :"Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por ele amados". Essa oração existe desde pelo menos o séc II. Sua aclamação inicial vem do hino que os anjos entoaram quando Jesus nasceu (Lc 2,14) e os versos seguintes repetem os louvores dos anjos ao poder de Deus do livro do apocalípse (Ap 15,3-4).

Louvamos a Deus imediatamente pelas bençãos que acabamos de suplicar. É nosso testemunho do podes de Deus. É sua glória. Jesus disse: "Tudo que pedirdes em meu nome, eu o farei,de tal forma que o Pai seja glorificado no Filho .Se me pedirdes alguma coisa em meu nome , eu o farei" (Jo 14,13-14).

O Glória clama com a alegria, a confiança e a esperança que sempre marcaram os fiéis. No Glória, a missa lembra a 'Todah" da antiga aliança, que já analisamos. Nosso sacrifício é súplica insistente pela libertação, mas é, ao mesmo tempo, celebração e ação de graças por essa libertação. É a fé de alguém que conhece a providência divina. É o Glória!

A Igreja do Evangelho Completo

O momento que define a liturgia da Palavra é, claro, a proclamação da Palavra de Deus. Aos domingos, em geral isso inclui uma leitura do AT, a recitação de um salmo, e uma leitura tirada das cartas neotestamentárias, tudo levando à leitura do Evangelho. (Na vigília Pascal temos até dez leituras da Bíblia). Incluindo tudo, é uma fonte de influência das Escrituras.

Os católicos que participam todos os dias da missa, ouvem,ao longo de três anos, a leitura de quase toda a Bíblia - além disso, há os filões de ouro bíblico inseridos em todas as outras orações da missa...Não deixe nunca as pessoas lhe dizerem que a Igreja não chama os católicos para ser "cristãos bíblicos".

De fato, o "habitat natural" da Bíblia está na liturgia. Segundo São Paulo (Rm 10,17)"...a fé vem da pregação, e a pregação é o anúncio da palavra de Cristo".

Note que ele "não" disse:" A fé vem da leitura". Nos primeiros séc. da Igreja não havia máquinas de impressão. A maioria das pessoas não tinha recursos para mandar copiar os evangelhos à mão e, de qualquer modo, muita gente não sabia ler. Assim, como agora, recebiam o evangelho completo.

As leituras que ouvimos na missa são programadas com antecedência para um ciclo trienal em um livro chamado Lecionário. Esse livro é antídoto eficaz para a tendência que Scott tinha, como pregador protestante ,de identificar seus textos favoritos e pregá-los inúmeras vezes. Scott passava anos sem tocar em alguns livros do AT. Isso nunca é problema para os católicos que participam regularmente da missa.

Toda a atenção possível não é demais durante as leituras, que são preparação normal e essencial para nossa sagrada comunhão com Jesus. Um dos grandes biblistas da Igreja primitiva, Orígenes (séc. III), exortou os cristãos a respeitar a presença de Cristo no Evangelho, como respeitam sua presença na hóstia:

"Vocês, que estão acostumados a participar do mistério divino, sabem, quando recebem o corpo do Senhor, protegê-lo com toda cautela e veneração, para que não caia dele nenhuma partícula, para que nada se perca da dádiva consagrada, pois acreditam, e com razão, que são responsáveis se algum pedacinho cair dali por negligência. Mas se estão certos em preservar com tanto cuidado seu corpo, por que acham que há menos culpa em negligenciar a Palavra de Deus do que em negligenciar seu corpo"?

Dezessete séc. mais tarde , o Concílio Vaticano II repetiu esse antigo ensinamento para o nosso tempo:"A Igreja sempre venerou as divinas Escrituras, da mesma forma como o próprio Corpo do Senhor, já que, principalmente na Sagrada Liturgia, sem cessar toma da mesa tanto da palavra de Deus quanto do Corpo de Cristo" (Dei Verbum 21).

"Ninguém", disse Orígenes,"entende de coração...se não é receptivo e totalmente aplicado."

Isso descreve você e eu quando ouvimos as leituras da missa? Precisamos estar particularmente atentos durante as leituras porque, desde o início da missa, você e eu estamos sob juramento. Ao receber a Palavra - que , reconhecemos, vem de Deus -,concordamos em estar ligados à Palavra. Em resultado, estamos sujeitos a julgamento, dependendo de como pomos em prática as leituras da missa.

Na antiga aliança, ouvir a Lei era concordar em viver segundo a Lei.Também na nova aliança, estamos ligados ao que ouvimos, como veremos no livro do Apocalípse.

A Necessidade de Prestar Atenção ao Credo

A liturgia da Palavra prossegue, aos domingos, com a homilia (ou sermão) e o Credo. Na homilia, o sacerdote ou o diácono nos apresenta um comentário da palavra inspirada de Deus. As homilias devem se basear nas Escrituras do dia, esclarecendo as passagens obscuras e indicando aplicações práticas para a vida. As homilias não tem de nos entreter. Jesus vem a nós em humildes hóstias sem gosto,e assim também o Espírito Santo às vezes opera por intermédio de um pregador monótono e sem brilho.

Depois da homilia, recitamos o Credo niceno, que é a fé resumida em apenas algumas linhas. As palavras do Credo são meticulosas, com clareza e estilo brilhantes. Comparando a orações como o Glória, o Credo niceno parece moderado, mas as aparencias enganam.

Como disse a grande e já falecida Dorothy Sayers, o drama está no dogma, pois aqui proclamamos doutrinas pelas quais os cristãos do Império Romano foram presos e executados.

No séc.IV, o Império quase explodiu em guerra civil por causa das doutrinas da divindade de Jesus e sua união com o Pai. Novas heresias surgiram e se espalharam pela Igreja como um câncer, ameaçando a vida do corpo. Coube aos grandes Concílios de Nicéia(325) e Constantinopla(381)- com o empenho de algumas das maiores inteligências e almas da história eclesiástica - dar à crença católica básica essa formulação definitiva, embora a maioria das diretrizes do Credo já fossem de uso comum pelo menos desde o séc.III.

Depois desses concílios, muitas Igrejas do Oriente exigiam que os fiéis cantassem o Credo toda semana - não apenas o recitassem - porque isso era, na verdade, boa nova, uma boa nova salvadora de vidas.

O cardeal (hoje nosso papa -,Joseph Ratzinger, expôs sucintamente a ligação entre o Evangelho e o Credo: "Por definição, o dogma não é outra coisa senão a interpretação da Escritura...que se origina da fé através dos séculos".O Credo é a "fé de nossos pais" que "ainda vive".

Do mesmo modo , o documento de 1989 da Comissaõ Teológica Internacional, "Sobre a interpretação dos dogmas", declara: "No dogma da Igreja a preocupação é com a correta interpretação das Escrituras...Uma época posterior não reverte o que foi formulado com o auxílio do Espírito Santo como chave para a leitura das Escrituras".

Quando recitamos o Credo no domingo, aceitamos publicamente essa fé bíblica como verdade objetiva. Entramos no drama do dogma, pelo qual nossos antepassados estavam dispostos a morrer. Desse modo , juntamo-nos a esses antepassados quando recitamos a "oração dos fiéis", nossa súplicas.O Credo nos dá poderes para entrar no mistério intercessor dos santos.

Neste ponto, a liturgia da Palavra chega ao fim e entramos nos Mistérios da Eucaristia. (Veremos a seguir)


Fonte: O Banquete do Cordeiro (Veja aqui os outros estudos)


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