terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Chesterton


"A sociedade de nosso tempo está dotada de um coração que não está no seu devido lugar.

O mundo moderno não é mau; sob determinados aspectos, o mundo moderno é até extremamente bom. Ele está repleto das mais selvagens e desperdiçadas virtudes.

Quando um sistema religioso sofre qualquer abalo (como aconteceu com o Cristianismo por ocasião da Reforma), não são apenas os vícios que ficam em liberdade. Os vícios ficam, sem dúvida, à solta, vagueiam livremente e causam imensos danos. Mas as virtudes também andam à solta, vagueiam de modo mais selvagem e causam danos ainda maiores. O mundo moderno está repleto de antigas virtudes cristãs que enlouqueceram. Elas enlouqueceram porque ficaram isoladas umas das outras e vagueiam por aí sozinhas.

Pensemos na humildade. Esta virtude foi amplamente encarada como um freio para a arrogância e para o desmedido apetite do homem, que sempre se esforçou por desejar mais do que possui, através da criação de novas necessidades. Foi a própria capacidade de gozo que destruiu metade de suas alegrias. Na busca do prazer, perdeu o principal prazer, pois o principal prazer é a surpresa.

Disso se conclui que, se o homem quiser tornar o seu mundo grande, deve sempre tornar-se a si mesmo pequeno. As mais altas visões, as grandes cidades e os pináculos mais elevados são criações da humildade. Os gigantes que arrancam florestas como quem arranca ervas são criações da humildade. As torres que se elevam nos ares a apontar para as estrelas solitárias são criações da humildade, porque as torres só são altas se nós, para vê-las, olharmos para cima; da mesma forma que os gigantes não serão gigantes se não forem maiores do que nós. Toda esta prodigiosa imaginação, que é, talvez, o maior dos prazeres humanos é, no fundo, essencialmente humilde.É impossível, sem humildade, gozar seja do que for. - mesmo do orgulho.

Acontece, porém, que a humildade está no lugar errado. A modéstia afastou-se do órgão da ambição e estabeleceu-se no órgão da convicção, onde nunca deveria estar. O homem podia duvidar de si, mas não duvidava da verdade. Agora se dá exatamente o contrário. Hoje, a parte de um homem que esse mesmo afirma é precisamente aquela que ele não deveria afirmar - a sua própria pessoa; a parte da qual ele duvida é exatamente de que ele não devia duvidar - a Divina Razão.

Huxley (naturalista inglês, difusor do darwinismo) - pregou uma humildade que duvida até de ser capaz de aprender. Estaríamos, por isso, errados se, apressadamente, disséssemos que não existe uma humildade típica de nosso tempo. A verdade é que essa humildade é praticamente mais perniciosa do que as mais desvairadas prostrações do asceta. A velha humildade era uma espora que impedia o homem de parar; agora é um prego no sapato que o impede de continuar a andar.

A velha humildade fazia com que um homem duvidasse de seus esforços, e isso dava-lhe ânimo para trabalhar com mais afinco; a nova humildade faz com que o homem duvide dos objetivos, e isso o obriga a parar o seu trabalho"

Ortodoxia pag: 50-51

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