quarta-feira, 27 de julho de 2011

Faça alguma coisa já!



Por Padre Léo Trese

Esquanto estou à porta da sala de aula da 8ª série, à espera de que toque a sineta para entrar e dar início à aula de religião, invade-me o mesmo sentimento de sempre: a minha incapacidade.

Através dos vidros da porta, vejo quarenta cabecinhas voltadas para a Irmã que explica a raiz quadrada no quadro negro. Quarenta cabecinha que deveriam conhecer melhor a Deus e quarenta corações que deveriam amá-Lo mais do que ninguém no mundo. Entrarei na sala para cumprir a minha tarefa semanal e quarenta vozes me cumprimentarão em coro: "Bom dia, padre", ao mesmo tempo que quarenta pares de olhos olharão para mim com ar de expectativa, felizes de mudar de assunto, mas sem se preocuparem muito com o que vou dizer.

Na semana passada, começaram a aprender o que é a Igreja e falei-lhe do Corpo Místico de Cristo. Estudaram a seguir a vida dos mártires, e hoje vou-lhes falar do poder do bom exemplo. Valendo-me de perguntas insinuantes, farei com que eles mesmos encontrem as respostas e experimentem a emoção de uma descoberta. Mas sairei da aula tal como entrei, com uma sensação de fracasso que só se salvará do desespero pela convicção de ter do meu lado o poder da graça divina.

Quarenta espíritos impressionáveis, quarenta personalidades em formação, cada uma delas santo ou pecador em potência. Dick poderia facilmente ir para o seminário e chegar a ser um sacerdote exemplar, mas também é possível que siga o exemplo de seu tio Jorge e se torne um bêbado contumaz. Quanto à Luiza, posso imaginá-la uma simpática mãe católica de meia dúzia de crianças, mas pode tambem vir a ser uma egoísta, casada com um divorciado.

O que é que determinará a diferença e que parte de responsabilidade me irá caber?

Talvez hoje me sinta exageradamente pessimista; a visita que me fez a sra. Borden está ainda demasiado viva no meu espírito. Veio ontem a minha casa para me falar da sua filha Helena, casada no dia anterior, por um pastor metodista, com um homem que não quer saber nada de padres. "E aqui está a medalha que ganhou nesta escola, padre; a madalha da Doutrina Cristã". A pobre senhora tinha-a na mão, como que para provar que tudo tinha sido uma ilusão, um pesadelo que precisava esquecer. Sim, lembro-me da Helena - podia-se contar sempre com a sua resposta certeira, quando todos os outros permaneciam calados.

E de quem é a responsabilidade por tantas Helenas, por tantos casos como o dela? Passam oito, dez e até mesmo dezesseis anos à sombra do altar e depois fogem para se tornarem espíritos errantes. Talvez a culpa seja, ao menos em parte, dos programas de estudo: tantos cursos magistralmente delineados, que ensinam todas as respostas, mas não ensinam a viver. As crianças dialogam a Missa com uma prefeição mecânica, mas não se olham a si mesmas como parte do Pão que está se oferecendo. Mas não me corresponde a mim elaborar os programas. Não tenho conhecimentos suficientes sobre educação para meter-me nisso. E muito menos para fazer das Irmãs o bode expiatório. Pobres almas, com cinco ou seis lições que preparar todos os dias!

Deixando de lado os textos e os professores, a verdade é que a responsabilidade é minha. Afinal de contas, eu sou o pároco e eles as minhas ovelhas. Devo enfrentar a questão: se um deles se extravia, cabe-me a mim uma boa parte do fracasso. Quando cedem a pressão do ambiente, não é por falta de conhecimentos, mas por falta de amor. E o amor não é uma coisa que se aprenda nos livros ou num quadro negro. Não se ensina, comunica-se. É um fogo que se acende por contato.

Nunca entraria numa sala de aula com toda esta relutância se o meu coração estivesse transbordando de amor por Cristo. Nunca teria de perguntar-me o que devo dizer aos pequenos, se os sentimentos do meu coração tivesse força para extravasar-se. Nessa altura, como a minha Missa sublimaria a quarta dimensão do Amor! Como o conceito de Corpo Místico sairia vivo e palpitante do limbo de uma imaginação estéril, que se esvai em figuras de retórica! Como os insípidos deveres da oração e do sacrifício se converteriam em desafios para participar das aventuras divinas!

Sim! Isso poderia acontecer aqui, pode acontecer agora. Basta que haja um sacerdote santo, um pároco piedoso. "Ouça, padre Trese - é o meu Anjo da Guarda que fala, e, muitas vezes, eu de bom grado o esganaria - ouça agora! Deixe de mudar de assunto. Deixe de falar à toa. Faça qualquer coisa e faça-o já!"

A sineta toca e quarenta pares de olhos se desviam da Irmã para a porta. Aí vem a mediocridade para falar da perfeição. Já tenho o quadro: um dedo trêmulo e hesitante apontando para alturas vertiginosas e indistintas.

Tenho de clarear a minha visão, mas esta tentativa de terapeutica ocular tem que começar de joelhos....

Fonte: Vaso de Argila


Nenhum comentário:

Postar um comentário