quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Começa um novo dia

6,30

Por padre Leo Trese

Uma mão tateia em busca do despertador e dois pés saltam para o chão. Mais uma vitória: começa um novo dia. Tenho pensado algumas vezes que a salvação de um padre depende desses primeiros dez segundos que se seguem ao toque do despertador. É tão fácil dizermos para conosco: "Só mais cinco minutos"! Os cinco passam a quinze ou trinta, vem depois uma lavadela à gato e lá vai um doido a toda a pressa para o altar. E assim começa o trabalho do dia, apenas com as orações rituais murmuradas ao vestir os paramentos. No entanto, sei muito bem que somente a oração pode dar rítmo e sentido ao novo dia.

É realmente estranho como caímos no mesmo erro, manhã após manhã, sem nos apercebermos da sua infantilidade. Acertamos o despertador para uma hora antes da Missa, a fim de tranquilizarmos a nossa consciência, mas sabemos muito bem que não temos a menor intenção de levantar-nos pontualmente. Claro que isto não acontece a toda a gente, mas foi o que se passou comigo durante muito tempo, depois de ter saído do seminário. Enquanto ponho lâmina nova no barbeador (uma cara bem barbeada tem muito mais dignidade do que dez minutos mais de sono), recordo os primeiros anos de sacerdócio.

Não compreendo como podia dormir tanto, ao ponto de obrigar os fiéis a esperarem por mim para a Missa. Não consigo compreender como não percebia que a falta de oração me estava arrastando para a tibieza e a moleza espiritual. Fico estupefado só de pensar que me contentava com uma breve intenção formulada às pressas, ao sair da casa paroquial rumo à sacristia.

Era como um tolo que se julga dotado de grandes virtudes. De modo algum quero insinuar que agora sou um bom sacerdote, mas apenas que já fui pior. E provavelmente te-lo-ia sido muito mais se Deus e o meu bispo não se tivessem posto de acordo para nomear-me pastor de uma paróquia minúscula, onde tinha que dar a Comunhão às religiosas uma hora antes da missa. De estomago vazio, nem o rádio nem o jornal da manhã oferecem aliciante algum. Tendo assim uma hora pela frente sem nada que fazer, instalava-me no genuflexório do presbitério, e por isso a minha vida de sacerdote começou verdadeiramente aos trinta e um anos.

(Enquanto enxugo o rosto e fricciono levemente a cabeça, penso que nunca chegarei a ser canonizado: encontrarão um tônico capilar em meu quarto de asseio).

Por que tiveram que passar nove anos para aprender o que devia saber ao sair do seminário? Tinham-me insistindo na necessidade da oração, mas aparentemente não me convenci disso. Talvez os muros do seminário nos dessem uma falsa sensação de segurança. Deixamos aquelas paredes animados por um ímpito inicial que procedia do ambiente e julgávamos que essa energia espiritual procedia de dentro de nós. O pior já tinha passado e agora tudo correria facilmente. É verdade que tínhamos ouvido falar de sacerdotes que se tinham extraviados, mas pareciam-nos tão lendários como Lutero. Não podíamos imaginar que fossem sacerdotes jovens como nós, com a mesma confiança em si próprios, presunçosos - esta é a palavra.

Como é que se explica que homens já feitos, de vinte e quatro anos ou mais, deixássemos o seminário ainda em vias de formar-nos? Somos tentados a perguntar-nos (evidentemente só rumino estes pensamentos enquanto abotoo a batina) se os seminários não fariam melhor se nos deixassem amadurecer um pouco mais antes da ordenação. Não quero dizer que o ordenando não deva ser como uma criança na simplicidade da sua clara consciência. O que quero dizer é que não deva ser acriançado quanto aos seus deveres e responsabilidades.

Ao abrir a janela, saúda-me uma lufada de ar fresco da manhã. Os lilases que guarnecem a sacada estão quase em flor. Os toques da sineta, vigentes em muitas casas paroquiais, parecem-me a admissão tácita de possíveis falhas na pontualidade do padre. Sem pretender que essa regra seja supérflua, estarei errado em pensar que não devia ser necessária?
(A porta do convento está entreaberta. São sete horas e as Irmãs esperam-me).

Alegro-me de não ser bispo ou reitor de um seminário. Seja como for, gostaria de que houvesse um meio de podermos entrar na vida com uma piedade mais sólida e um sentido de responsabilidade mais desenvolvido. Gostaria de que não tivéssemos de aprender tanto por experiência....

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