sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Elas podem Esperar



7,00

Por padre Léo Trese

A porta do convento está entreaberta. Quando a fecho atrás de mim, ouço o relógio bater às sete. As Irmãs esperam-me. Sim - penso eu enquanto subo as escadas que levam à capela - as Irmãs já estão à minha espera. Passaram uma boa parte da vida esperando e procurando os sacerdotes. De manhã, esperam por nós para lhes celebrarmos a Missa ou para lhes darmos a Comunhão. Esperam por nós nas salas de aula, com o Catecismo aberto e a lista de alunos sobre a mesa. Esperam por nós no dia de confissão. Esperam por nós para treinarmos os coroinhas, para lermos os boletins e purificarmos os sanguinhos.

Enquanto enfio apressadamente a sobrepeliz e coloco a estola, sinto remorsos por todos os preciosos minutos que tem perdido por minha causa.

Contam-se pelos dedos das mãos as vezes em que as fiz esperar por um motivo de força maior. Poucas horas são tão cuidadosamente planejadas como as das religiosas e nenhum minuto é gasto tão utilmente como os delas. E, no entanto, se alguém deve esperar, se há algum horário que deva ser modificado, dizem sempre: "Bem, por nós não há problema", e tudo se arruma.

Um dos mistérios mais desconcertantes do sacerdócio é o de sermos nós a tutelar quem nos excede em santidade, zelo e capacidade. O tom irônico com que nos referimos às "boas irmãzinhas" ou à "reverenda Madre" pode exaltar o nosso "ego", mas fará com que no céu haja um ou outro tabefe reservado à ingratidão dos corações dos sacerdotes.

Se os santos se reunissem em conversa, a assunto mais falado entre eles seria certamente este: "Por que é que os sacerdotes se comportam assim?"

As religiosas são, sem dúvida, seres humanos; a impecabilidade não é um dos seus atributos. Podemos ir mais longe e admitir quem nem sempre a Superiora é prudente e sensata. Isso é óbvio. Só uma Superiora muito imprudente se lembraria de pedir alguma coisa que, por exemplo, comprometesse a comodidade do padre em favor da conveniência das Irmãs. Só uma Madre muito temerária insinuaria que era preciso fazer qualquer coisa em que o padre já não tivesse pensado. E só uma irmã sem cabeça esperaria do sacerdote uma explicação sobre decisões que bem se poderiam tomar por caprichos ou bobagens.

O meu pensamento está longe do "Senhor Jesus Cristo, neste admirável Sacramento...", enquanto o recito. Reparo que a minha vocação (e a de tantos outros sacerdotes)é devida, depois de Deus, às sugestões, ao encorajamento e às orações das freiras. Sei que o fato de ter a igreja cheia e de a fila da Comunhão ser enorme não se deve precisamente à minha eloquência, mas ao longo e extenuante trabalho dessas cabeças com toucas, que nas aulas dão incansavelmente um significado real à vida cristã e aos Sacramentos.

É encantador ver os rapazes na rua dizerem-nos: "Bom dia, padre"; é uma grande satisfação ouvir o homem da garagem: "Oh não, padre, não custa nada!"; e chega a ser lisonjeiro que um policial motorizado nos diga: "Perdão, padre, não percebi que era o senhor". Onde é que aprenderam essa veneração pelos sacerdotes? Não foi com certeza no presbitério; aprenderam-na nas aulas da Irmã Eufêmia, quando crianças.

"Abençõe-vos Deus todo-poderososo..." Acho que nós, os sacerdotes, deveríamos habituar-nos a ver as Irmãs como seres humanos, com as suas influencias familiares e as suas características pessoais. Não são autômatos sem sentimentos nem sensibilidade. Não se vangloriam de ser santas. Alegram-se com êxitos, entristecem -se com os fracassos e agradam-lhes os louvores tanto como a nós, ou mais ainda, tendo em conta a sua vida circunscrita e ( mesmo que divinamente) compartimentada. Que as nossas visitas nos seus momentos de recreio, quando desfrutam de uma alegria angélica, não nos façam pensar que são continuamente anjos. Experimentam os seus aborrecimentos, sem terem à mão o porteiro ou a empregada sobre os quais descarregar o mau humor.

Enquanto apago as velas, pergunto-me o que é que me levou a pensar nisto. Talvez a minha consciência me acuse de ter sido incorreto com algumas delas. Hoje, quando entrar na sala, elogiarei a Irmã Francelin pelo modo como tem ensaiado os meninos do coro; a Irmã Elmira pela brancura imaculada das toalhas do altar; e a Madre Graça pela esplêndida disciplina da sua classe.

Ao sair da capela, sinto-me tão paternalmente condescendente que até sorrio à Madre quando, sumida na sua ação de graças , levanta a cabeça à minha passagem.

Vejo que fica admirada por um instante, mas depois devolve-me o sorriso amavelmente.

O padre tem sempre tanta razão....

Um comentário:

  1. VTR!

    Belíssima reflexão!
    Aplica-se perfeitamente na relação de cada cristão com seu irmão. De fato, fazemos muita gente esperar por nós, sendo muito mais santa do que nós.
    Maria nos alcance a graça de um coração misericordioso e sincero ao reconhecer o quanto temos que crescer em amor a Deus e ao próximo.
    :)

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