segunda-feira, 2 de julho de 2012

O Celibato Eclesiástico



Por Padre Leo Trese.

18,30

"Ao sair da sacristia, vejo Frank Smith tocar a campainha da casa paroquial, à hora marcada para a lição de catecismo. O seu velho carro está junto da calçada, carregado com os seus únicos tesouros: a esposa com o caçulinha no banco da frente, e, atrás, quatro cabecinhas despenteadas.

Pelo visto, toda a familia irá de compras logo que a lição termine. Enquanto subo as escadas ao encontro do pai, quatro mãos me saúdam com um aceno, e uma vez mais sinto uma pontada de inveja, tão frequente nos homens sem filhos diante de uma familia feliz.

É uma inveja momentanea, naturalmente. O bom senso depressa me lembra todo o dinheiro que Frank tem que gastar com a familia. Sei de algumas das suas dores de cabeça e preocupações, das suas privações e sacrificios: noites sem dormir e pesadelos econômicos  Sei do filhinho que perdeu e da conta que tem que pagar mensalmente ao medico.

Quem sou eu meu Deus, para orgulhar-me do meu compromisso de castidade?

Houve um tempo em que, na minha simplicidade, julgava tratar-se de uma coisa grandiosa que Vos oferecia, quando, na realidade, fostes Vós que me fizestes esse dom gratuitamente. Agora que penso nisso, parece-me estranho que os homens nos respeitem sobretudo - mesmo quando o fazem de má vontade e com um certo ar de suspeita - precisamente pelo mais leve dos nossos fardos.

Talvez pudesse progredir mais em outras virtudes se recordasse a mim próprio, com maior freqüência, como significa tão pouco, só por si, este compromisso de castidade.

Talvez me empenhasse com maior diligência na tarefa da minha santificação se não desse por descontado que já estou salvo, só pelo fato de ter renunciado voluntariamente àquilo a que tantos homens menos afortunados tiveram que renunciar por força das circunstâncias.

È, na verdade, um privilégio perigoso, este do celibato.

É muito fácil alardear orgulhosamente um heroísmo que na realidade não existe, enquanto descuido muitas outras virtudes que me tornariam um verdadeiro sacerdote.  É fácil ser casto e, no entanto, irascível; ser puro e, no entanto, orgulhoso; ser celibatário e, no entanto, comodista e indolente...

Não acredito que sacerdote algum tenha caído do seu pedestal por causa da asfixiante opressão do compromisso que assumiu. Não se pode cair de uma altura que já se tinha abandonado. E essa altura raramente é abandonada com um gesto dramático. É uma descida lenta e dissimulada, que tem por força motriz o amor-próprio.

É sobre o meu amor-próprio, meu Deus, e não sobre a minha faculdade procriadora que a vossa graça tem de atuar tão arduamente. Amo tanto o fácil, e me é tão difícil orar, que preferiria fazer qualquer coisa antes do que orar. Preferiria cair morto de cansaço de tanto trabalhar, mas não de rezar.

E, à noite, iria para a cama exausto de tanto fugir de Vós.

Por uma refinada preguiça, selecionarei as tarefas que mais me satisfaçam o amor-próprio.
Escolherei dentre os papéis da minha escrivaninha uma dúzia de assuntos insignificantes para resolver, antes do que lançar-me a tocar a campainha das portas em busca dos extraviados. Passarei uma hora a consertar uma fechadura ou a substituir a resistência de uma torradeira elétrica, antes do que ir visitar o velho O’Connor que jaz doente no seu enxergão.

Massacrarei as pernas de tanto andar atrás de uniformes para os atletas da nossa paróquia, antes do que preparar conscienciosamente uma palestra sobre o apostolado dos leigos que os tire do seu morno comodismo.

O meu egoísmo procurará também todas as formas de comodidade. Mas a mortificação não é cômoda e, no entanto, deve acompanhar a oração neste vale de lágrimas. A saúde exige que cuide do meu descanso, mesmo que tenha que ir diretamente do travesseiro para os degraus do altar, sem estar barbeado nem ter tido uns momentos de oração.

Os meus nervos não resistiriam se eu deixasse de fumar..., as minhas energias se enfraqueceriam se não comesse abundantemente..., o meu tom vital declinaria se não tivesse suficientes distrações...

Depois, vem a pobreza, o alter ego da mortificação. A pobreza é facilmente vencida pelo orgulho. Mais do que pela cobiça. E, senão, meu Deus, é ou não é a vaidade, mais do que a cobiça, o que me leva a ter o carro ou a televisão último modelo, o aparelho mais moderno de ar condicionado e todos os outros artefatos mais recentes com que o mundo tenta preencher o vazio que sente longe de Vós?

Há sempre um amanhã, sem dúvida. Contudo, nos meus momentos de sinceridade, sei que tem havido excessivos “amanhãs”, e que “amanhã” deixarei tudo para “amanhã”. Sei também que, se alguma vez cair – não o permita a Vossa misericórdia -, não será pelo jugo do meu compromisso.

A capitulação do último reduto não será senão a rendição de uma cidade vazia e em ruínas. Antes de cair, já terá sido lançada ao mar toda a vitalidade que a sustentava. Ajudai-me, Senhor, a fazer com que o meu “amanhã” seja hoje.

Fonte: Vaso de Argila


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