sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Ao Abrir o Missal


8,00

Por Padre Leo Trese

Não demora muito a desdobrar os corporais e abrir o Missal sobre o altar. Mas também não demora muito a chegarem as distrações, como se estivesse à espreita da ação mais sagrada do dia para se lançarem ao ataque.

Atiram-se como aviões de caça em vôo picado, depois de terem estado emboscados por trás de uma nuvem. Enquanto confiro as fitas do missal, percebo que começou a batalha diária entre distrações e a devoção. Posso prever até os seus maiores detalhes.

Haverá um começo brioso, mas na altura em que tiver acabado o "Confesso a Deus todo-poderoso", lembrar-me-ei de repente de que me esqueci de telefonar ao presidente da Confraria do santo nome para avisá-lo da mudança do dia da reunião. Haverá talvez uns segundos de recolhimento quando tiver acabado de dizer "Oremos", mas, logo que abrir os braços para rezar a oração, perguntarei a mim mesmo se não será bom experimentar aqueles novos emplastos para calos que ontem vi anunciados numa farmácia.

E assim continuará o augusto Sacrifício, ao longo de meia hora, entre triunfos e fracassos. Não há momento algum do dia, nem da vida, em que o sublime e o mesquinho se encontrem em tão espantoso contraste como na Missa. Ocorrem-me pensamentos inquietantes, vãos e disparatados, e, de vez em quando, até um ou outro que parece vir das mal-cheirosas profundezas do inferno; todos eles intrometendo-se na beleza do Prefácio, na solenidade do Pai Nosso.

Ora, este é o único momento do dia que justifica a minha existência como sacerdote!

Qualquer pessoa pode organizar associações, ensinar o Catecismo ou batizar; sim, e uma boa centena dos meus paroquianos pode estar rezando melhor que eu. A graça de Deus pode converter os pecadores, conquistar os hereges e fazer santos sem a minha ajuda. Mas nestes trinta tremendos minutos, que são eternos, Deus precisa de mim; só de mim; só eu posso oferecer o Sacrifício.

E no entanto, aqui estou eu em pé diante do altar, pensando que não seria nada mau jantar esta noite salcichas alemãs com couve lombarda... O remédio é obvio: necessito de um maior espírito de oração. Os santos pouco se preocupavam com isso...Ou será que não? Todas as vidas de santos que li falavam de êxtases no altar e de rostos iluminados. Mas talvez essas biografias não tomassem em consideração todas as missas que os santos celebravam. Talvez também eles tivessem as suas dificuldades. Consola-me pensar nisso.

Tenho também um momento de consolo com o pensamento de que ainda estou na via purificatica*. (A teologia ascética e mística chama "via purificativa" ao primeiro estágio da vida espiritual - etapa especialmente dedicada à purificação dos pecados e defeitos - que depois irá progredindo até a "via iluminativa" - em que Deus aumenta a visão da fé - e a "via unitiva" ou de mais perfeita união com Deus).

Que outra coisa se pode esperar de mim? Mas o consolo desvanece-se logo, ao considerar que houve demasiada negligencia na minha vida. Não é que não tenha tentado emendar-me. Já venci o mau hábito dos meus primeiros tempos de sacerdócio, quando o horário sobrecarregado de missas aos domingos me obrigava a pronunciar as orações muito depressa e desalinhadamente.

A minha língua não é muito expedita, e precisei de muitos meses de cuidadoso esforço para chegar a pronunciar tudo com exatidão e clareza. Invejei muitas vezes os meus colegas de palavra fácil, que celebravam a Missa em vinte minutos como quem bebe um copo de água. Não há dúvida de que os seus pensamentos seguiam passo a passo as consoantes pronunciadas a toda velocidade, mas eu nunca consegui fazer isso.

Contudo, a mera resolução de estar atento às palavras não é suficiente, ao menos para mim. A opinião dos psicólogos de que o espírito humano não é capaz de concentrar-se num único ponto por mais de seis segundos encontra em mim plena confirmação. A minha defesa consistiu em criar aqui e acolá, durante a Missa, alguns ancoradouros onde fixar o meu espírito, se os meus pensamentos errantes me levarem de um lado para o outro.

Um desses momentos de maior segurança com que posso contar é a conclusão exultante do Glória: "Só Vós, o Senhor; só Vós, o Altíssimo, Jesus Cristo". Por onde quer que meu espírito divague, estaca tão logo a presença do Rei se faz sentir nesta invocação majestosa. Há um outro momento semelhante no Santo; é impossível pensar em outra coisa quando os lábios pronunciam: "Bendito o que vem em nome do Senhor"!

O rítmo, a ação e a impressionante solenidade da Consagração são remédio quase suficiente para as distrações. Quase, mas não completamente. Mais de uma vez tenho dado graças a Deus por ter renovado cuidadosamente a intenção antes da Missa*. (A consagração é válida se o sacerdote, antes da Missa, já tinha a intenção de consagrar, mesmo que, por qualquer circunstância, tenha depois a infelicidade de se distrair enquanto consagra a Hóstia e o Cálice)

Há mais uma coisa que devo fazer necessariamente antes da Missa: enunciar um a um todos os vivos e defuntos que tenho de recordar particularmente. Os mementos destinados a isso dentro da Missa constituem muitas vezes uma armadilha para que a imaginação se derrame. Mas, por mais que divague, a minha atenção concentra-se profundamente no Pai Nosso, quando peço ao Senhor que venha a nós o seu reino e se faça a sua Vontade.

E assim andará a minha Missa esta manhã, cairei com frequência, para, em breves instantes, me levantar. As resoluções falharão, a natureza decaída teimará, mas nenhum defeito poderá vencer a minha esperança.

Sinto um rumor atrás de mim. Os coroinhas agitam-se. Meu Deus, esqueci que estive aqui como um hipócrita, de cabeça enterrada entre as mãos diante de vosso Crucifíxo!! Com um suspiro, desço os degraus do altar.

Amo a minha Missa.

Será para mim escuro e vazio o dia que começar sem ela. E, no entanto, quantas vezes os anjos em volta do altar não terão tido desejos de expulsar-me e tomar o meu lugar, ao surpreender-me pensando no jogo de futebol do dia seguinte, enquanto o Deus deles e meu esperava que O fizesse vir com a minha palavra!

Bem, talvez hoje eu consiga estar um pouco mais atenção, um pouco mais devoto..."Em Nome do Pai, do Filho..."

Fonte: Vaso de Argila

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